(Foto: Reprodução/ Domínio Público)

O Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA ,foi criado em julho de 1990 por meio das diretrizes fornecidas pela Constituição Federal de 1988.Contudo, o acesso a direitos básicos como segurança, saúde, e educação de qualidade, assegurado aos jovens através do ECA, nem sempre é reconhecido e respeitado.

O Mapa da Violência divulgado em 2012, mostrou que o número de crianças e adolescentes brasileiros assassinados, aumentou cerca de 6,8 % na última década. O Estudo utilizou dados divulgados pelo portal do Sistema Único de Saúde, o DATASUS, mostrando que cerca de trinta mil jovens morreram vítimas de homicídio no Brasil no ano de 2012.O número de homicídios cometidos contra jovens naquele ano representou cerca de 53 % do total de assassinatos em todas as faixa etárias, comprovando as dificuldades das autoridades públicas e da sociedade para assegurar os direitos da criança e do adolescente, previstos no ECA.

Acredito que o aumento do número de jovens com menos de dezoito anos de idade envolvidos em crimes de violência, se deve principalmente à falta de políticas públicas específicas para essa população. Isso acontece principalmente nos casos de crimes cometidos por menores infratores,nos quais os jovens são vitimados pela omissão por parte das autoridades públicas.

Além da ineficiência histórica do Estado na criação e incentivo de medidas preventivas ao avanço da criminalidade, alguns políticos parecem estar mais interessados em apresentar propostas para transformar o Brasil em um país repressor e punitivo. A partir disso,considero a redução da maioridade penal uma manobra puramente eleitoreira utilizada por muitos políticos para manipular a opinião pública e obter votos.

Visando conseguir a aprovação popular, muitos ”representantes do povo” enfatizam que a redução da maioridade penal seria, em tese, a solução para todos os problemas da segurança pública. Contudo, eles parecem se esquecer de que o processo para diminuição da violência exige medidas que vão muito além da simples aprovação de um projeto de lei e que demandam ações conjuntas entre os três poderes para romper de vez com o ciclo de violência.

Com isso, algumas propostas de redução da maioridade penal foram encaminhadas nos últimos anos ao congresso nacional. Como por exemplo, a proposta de emenda à constituição, PEC 33/2012, apresentada pelo senador Aloysio Nunes do PSDB que se mostrou falha, ao inobservar que o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê medidas de punição aos menores infratores. De acordo com o ECA, a partir dos doze anos qualquer adolescente pode ser responsabilizado caso cometa algum crime, estando sujeito a medidas socioeducativas como advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. Ou seja, a lei já existe, basta que o poder público a cumpra.

A proposta do senador também se mostrou inviável ao não comprovar como o rebaixamento da idade penal implicaria de fato na redução da criminalidade entre os jovens. Além da PEC de autoria de Aloysio Nunes, outras propostas a favor da redução foram encaminhadas ao congresso, entretanto essa mesma vontade política não se reverte em projetos que melhorem a eficiência do sistema nacional para internação de menores infratores.

De acordo com o Ministério Público entre os anos de 2012 e 2013, mesmo período em que a PEC de Aloysio Nunes foi proposta, o sistema nacional para internação de menores infratores funcionava em apenas 16 das 27 unidades federativas brasileiras oferecendo cerca de 15.414 vagas aos jovens.

Todavia, o número de aproximadamente 18.378 internos superava e muito a quantidade de vagas disponíveis na época para internação e até os dias atuais o Ministério não divulgou exemplos concretos de melhora no atendimento prestado pelo sistema, significando superlotação das instituições e um deficit de cerca de 3000 vagas.

Essa mesma superlotação não acontece apenas nas unidades de internação para menores. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, a atual população carcerária brasileira é de aproximadamente 711 mil presos, correspondendo à terceira maior população carcerária do mundo. Portanto,enfatizo através destes dados que o sistema prisional brasileiro já possui um deficit no número de vagas para detentos e a redução da maioridade penal poderia contribuir ainda mais para a superlotação das cadeias, agravando a crise.

Ademais, os menores infratores constituem uma pequena parcela em vista da totalidade dos crimes cometidos no Brasil. Essa afirmação é comprovada por dados de 2011 do Ministério da Justiça que apontam que os delitos cometidos por indivíduos entre 16 e 18 anos de idade, representam apenas um por cento do total de crimes no país. Sendo os menores dessa faixa etária responsáveis por uma pequena parcela em vista da totalidade nos índices de criminalidade, seria inútil afirmar que a redução da maioridade penal resolveria os problemas referentes à segurança pública.

Aliás, indo no caminho contrário às medidas repressivas e punitivas, estão ações que incentivam a educação e a prática de esportes, conseguindo resultados bem mais satisfatórios na recuperação de internos, por exemplo como é o caso da Fundação Casa,a antiga FEBEM (Fundação Estadual Para o Bem estar do Menor).Em São Paulo, cerca de 540 jovens que cumprem medidas socioeducativas em 81 unidades da Fundação Casa, participaram este ano da décima edição da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, a OBMEP, sendo aprovados na primeira fase da prova.

O número de internos da fundação que foram aprovados na primeira fase da olimpíada é 13 % maior comparando com o ano passado, comprovando que o interesse dos menores em fase de recuperação pelos estudos tem aumentado anualmente. Projetos como este desenvolvido na unidades da Fundação Casa do estado de São Paulo nos mostram que quando o jovem se vê amparado por um sistema que incetiva a educação de qualidade, novas perspectivas de vida surgem fazendo com que o jovem deixe de enxergar a criminalidade como alternativa única para melhora de sua condição social.

Além do mais,investir em ações socioeducativas é uma solução mais barata do que aumentar a população carcerária do país, fato que poderia aconteceria com a redução da maioridade penal. Segundo o Ministério da Justiça,enquanto um preso no Brasil custa cerca de 3000 reais por mês ao cofres públicos, os gastos com um estudante universitário nesse mesmo período representam metade desse valor, contabilizando cerca de de 1500 reais por mês.

Consequentemente, a maneira mais eficaz e mais barata de reduzir os índices de violência entre os jovens é respeitar a Constituição Federal, colocando em prática as medidas que já estão previstas no ECA, dando condições de trabalho aos profissionais de segurança pública e garantindo o acesso a saúde, educação e segurança para todas as crianças e adolescentes, sem distinção. A redução da maioridade penal é uma pauta séria que não pode ser usada de maneira demagoga, com finalidades estritamente eleitoreiras, como foi feito por alguns políticos durante as últimas eleições. A redução da ignorância e da demagogia, estas sim, se fazem imprescindíveis para a sociedade.

Larissa Artiaga.