A cidade se acostumou à lama que a espera e, como no poema de Augusto dos Anjos, o fato é que alguns sentem a inevitável necessidade de também agredir Goiânia.

Fique cinco minutos parado em cada ponte sobre rios, córregos e ribeirões e veja se o que temos pode ser chamado de civilização. Olhe a água. Decida se a população ajuda a existir sustentabilidade. Sinta o cheiro. Diga se o poder público resolveu alguma coisa no tratamento.

Ande a pé na Marginal Botafogo. Procure os peixes. Aliás, procure a água. Verá nenhum peixe e um filete escorrendo fétido no córrego antes caudaloso e piscoso. Procure o derramamento de esgoto clandestino. Nem precisa gastar muito tempo. Vai encontrar vários tubos jorrando podridão.

Os administradores encaixotaram cursos d’água importantes, como o Botafogo e o Capim Puba. Autorizaram shoppings em córregos como o Vaca Brava e o Caveirinha. Construíram nas nascentes do córrego dos Buritis as sedes de dois poderes estaduais, o Legislativo e o Judiciário. A Assembleia, de vez em quando, ameaça mudar. E não muda. O Fórum e o Tribunal de Justiça continuam lá, firmes e fortes, dentro das minas.

Resta pouco da qualidade de vida em Goiânia. Observe quando chove. A energia acaba. As ruas potencializam a bagunça generalizada. O trânsito, habitualmente caótico, consegue piorar. As enxurradas são tão vorazes que têm até onda, arrastam carro, matam gente, destroem casas.

A lama que vem aí é a esperada no fim da seca. As agressões ao ambiente implodiram as datas das estações, mas ainda se tem vaga ideia de que virá um tempo de chuvas. E Goiânia novamente vai recebê-las como se fossem novidade. Não são. Felizmente, todo ano chove. Cada vez menos, porque há cada vez menos árvores, mas chove. Como a cidade é uma zorra absoluta, as chuvas são recebidas como maldição, não como bênção.

Ainda está em tempo de preparar Goiânia para a estação das águas. Limpar os bueiros. Tirar o lacre das bocas-de-lobo. Livrar rios e córregos de tanto lixo e esgoto. Enfim, reagir à lama, porque ela começa a escorrer a partir das repartições públicas.