Propriedade localizada na região do Cará, em Bela Vista de Goiás (Foto: Larissa Artiaga/ Portal 730)

Era dia 04 de dezembro de 2017. O relógio de pulso já surrado pelo tempo marcava 15 horas. Quem trabalha na roça sabe que o sol escolhe a tarde para apresentar ao mundo todo o seu esplendor. Em meio aos mandiocais da zona rural de Bela Vista de Goiás, os zói inté ardia qui nem fogo no solo vermelho.

Contudo, Bruno Carvalho nem parecia se importar com isso. Colocou o chapéu de pano na cabeça, deixou as ramas no chão e sorriu em agradecimento ao amigo, José Altair da Silva Neto, que prontamente o incentivava.

Mesmo tendo histórias de vida diferentes, Bruno e Neto aprenderam na prática o significado de uma palavra que o dicionário define como verbo: cooperar. Os destinos deles se entrelaçaram na Cooperativa Antônio Batista da Silva (Cooperabs).

Em pouco tempo de conversa, Neto revela que o ‘da Silva’ de seu sobrenome não é o mesmo que está na razão social da cooperativa por mera coincidência. O Antônio que consta nos registros da Cooperabs é seu bisavô, que recebeu a homenagem por ter sido o pioneiro da região do Cará.

Apesar de a localidade sempre ter apresentado uma vocação natural para o cultivo de tubérculos, a cooperativa só foi formalizada em 2005. Hoje com 28 anos, Neto preside a Cooperabs. Orgulhoso, ele destaca que a região evoluiu economicamente a partir do momento em que as famílias tomaram consciência do valor do cooperativismo.

“Antes o pessoal falava que a cooperativa ia ser um sucesso imediato. Mas quando você vai para a realidade, você vê que é difícil. Houve muita resistência por parte dos próprios cooperados, para que eles entendessem essa lógica do cooperativismo. Foi um trabalho de formiguinha até conseguir estabilizar. Antes da cooperativa, muitas vezes as pessoas não tinham como estudar. Na época do meu pai as pessoas faziam até a quarta série. Hoje em dia, graças à cooperativa, muita gente está fazendo faculdade”, revela.

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José Altair Neto mostra parte da plantação na área utilizada pelos cooperados (Foto: Larissa Artiaga/ Portal 730)

Mesmo sendo muito jovem na época da criação da cooperativa, o presidente lembra que sem o suporte dado pela Organização das Cooperativas Brasileiras no Estado de Goiás (OCB-GO) e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado de Goiás (SESCOOP-GO), a entidade não teria alcançado tamanho êxito.

“No processo de formalização os fundadores buscaram a OCB-GO, que deu apoio na questão estatutária, burocrática. Ela foi muito importante nesse começo para nos ensinar como fazer. Atualmente nós sempre participamos das ações da OCB-GO e do SESCOOP-GO”, resume.

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Bruno Carvalho observa o fruto de seu trabalho nos mandiocais da região do Cará, em Bela Vista de Goiás (Foto: Larissa Artiaga/ Portal 730)

Assim como no caso de Neto, o cooperativismo é uma herança genética que pulsa forte nas veias de Bruno Carvalho. Há cerca de sete anos, o pai dele tornou-se cooperado e colocou a família entre as 50 que atualmente tiram o sustento da Cooperabs. Como prova da evolução citada pelo presidente da entidade, Bruno, que está no sétimo período do curso de Agronomia, vislumbra horizontes além-campo. Grato, ele salienta que não conseguiria pagar as mensalidades da faculdade privada sem o apoio da cooperativa.

“A família fica mais estável, todos caminham juntos, todos crescem. Os recursos (para pagar a faculdade particular) saem do trabalho que a gente faz, dos produtos que a gente faz: farinha, polvilho, tapioca, mandioca. Todo o gasto que eu tenho na faculdade eu pago com o que sai daqui da cooperativa”, relata.

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(Foto: Larissa Artiaga/ Portal 730)

A primeira cooperada da região do Cará que conquistou o acesso à Universidade foi a atual prefeita de Bela Vista de Goiás, Nárcia Kelly Alves da Silva, hoje com 30 anos. Nárcia, que é irmã de José Altair Neto, também já presidiu a cooperativa. Ela afirma que deve à Cooperabs o fato de ter conseguido se graduar em Direito e posteriormente entrado na vida pública.

“Meu pai me colocou na faculdade lá em 2005, com o dinheiro que ele recebia na cooperativa. Depois de mim vieram muitos. Não que dê muito dinheiro, mas é o suficiente para viver bem. Com certeza o cooperativismo mudou a vida das famílias da região do Cará, inclusive a minha. Se eu não tivesse sido presidente da cooperativa, eles não tinham colocado meu nome na pré-eleição em 2008 e me escolhido como candidata a vereadora”, acrescenta.

Ainda de acordo com a prefeita, além de concretizar sonhos, ao diversificar a produção, manufaturando além do polvilho do cará, farinha de mandioca, mandioca crua e massa para tapioca, a Cooperabs passou a aquecer ativamente a economia do município, colocando Bela Vista de Goiás de vez no mapa do agronegócio.

“A cooperativa é importante porque envolve uma região. Agricultura familiar e cooperativismo são fundamentais para a sociedade. Ninguém lá é rico, as pessoas lutam, mas com a união eles hoje têm uma força maior no mercado. A marca se fortaleceu, o polvilho do Cará se fortaleceu. A logística para eles também está bem mais fácil. Antes cada um tinha que ir atrás do seu cliente, agora eles têm uma equipe de vendas que vai atrás. Temos uma força maior até para buscar financiamentos em bancos”, avalia.

Bruno, Neto e Nárcia, três vidas transformadas por alguns valores inerentes ao cooperativismo: ajuda mútua, responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade.

Rendas que geram renda

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(Foto: Arquivo da Cooperativa Bordana)

Os mesmos valores cooperativistas que estão vivos na zona rural encontram fôlego nas grandes cidades. Prova disso é a Cooperativa Bordana, situada no Conjunto Caiçara, na periferia de Goiânia.

Mãos que se unem em linhas que se cruzam, esse é o lema da cooperativa. Fazendo uma analogia ao bordado e à linha da vida, o ponto de partida para o encontro de tantas pessoas com histórias diferentes foi o amor de uma mãe. Celma de Oliveira, atual presidente da entidade, viu na Bordana uma forma de homenagear sua filha, Ana Carolina Oliveira, que faleceu em 2007, aos dez anos, vítima de um câncer.

“Essa convivência coletiva com todo esse processo de formação não só do bordado, mas também de formação como um ser humano melhor, nos ajuda a resgatar nossa autoestima, nos ajuda a nos transformar em pessoas melhores. Nós temos várias histórias de superação, passando pela minha que é uma história de superação cotidiana, que é uma homenagem a minha filha que eu faço todos os dias. Eu trago ela comigo o tempo todo. Temos também histórias de mulheres aqui da comunidade”, conta.

Fundada há aproximadamente oito anos, hoje a cooperativa possui 22 cooperadas e um cooperado. Todos ajudam uns aos outros em um processo de economia solidária, no qual o valor adquirido com as vendas dos produtos é dividido igualmente entre eles.

Unidos pela cor lilás, símbolo da entidade, os cooperados colocam as mãos na massa, ou melhor, nas agulhas, todos os sábados na sede da Bordana, que funciona em um prédio cedido pela Associação de Moradores do Conjunto Caiçara.

A cooperada Rosinélia Tais, de 63 anos, está na Bordana desde as primeiras reuniões. Ela revela que a única renda que possui é gerada por intermédio da cooperativa.

“É um complemento muito importante na minha vida. Eu não tenho outra renda. A minha única renda vem da Bordana. Eu dependo dos meus filhos, então para mim é muito importante”, afirma a senhora.

Além disso, a cooperativa funciona sob um regime de autogestão, ou seja, é independente economicamente. Segundo Celma de Oliveira, por mês, cerca de 200 peças artesanais são produzidas, o que gera uma receita mensal média de R$ 6 mil. Os produtos são diversos, variam desde chaveiros a colchas e almofadas.

Em 2018, a direção da Bordana projeta trabalhar com vestuário, fortalecer o comércio eletrônico e construir uma sede própria. Para cumprir as metas, as cooperadas recorrerão a um velho conhecido e parceiro de confiança, o sistema OCB-GO – SESCOOP-GO.

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(Foto: Arquivo da Cooperativa Bordana)

Cooperativismo e desenvolvimento

Seja na terra vermelha da região do Cará, em Bela Vista de Goiás, no asfalto batido do Conjunto Caiçara, em Goiânia, ou em dezenas de outras cidades goianas, as cooperativas têm o poder de unir empreendedores com vocações comuns, levar dignidade às famílias e gerar desenvolvimento social e econômico.

Criada em 1956, a OCB-GO tem buscado ao longo de décadas fortalecer o cooperativismo local. O solo goiano é fértil e receptivo aos princípios cooperativistas. Conforme dados publicados no site da Organização das Cooperativas (http://www.goiascooperativo.coop.br), o Estado conta com 214 cooperativas e 173.205 cooperados nos mais variados ramos de atividade como agronegócio, crédito financeiro, planos de saúde e odontológico, transportes e outros. As cooperativas impactam positivamente a economia estadual, gerando 10.230 empregos e R$ 9,79 bilhões em receitas (operacionais e financeiras).

Para o presidente da OCB-GO, Joaquim Guilherme Barbosa, o resultado positivo na economia goiana é consequência da relação de respeito e confiança que vem sendo construída há mais de 60 anos entre a Organização e as cooperativas.

“Abre-se a cooperativa e nós acompanhamos toda a parte de registro. A partir daí, começa o nosso trabalho de assessorar na parte contábil e jurídica. Hoje em dia nós assessoramos também na parte de comunicação e tecnologia da informação. Em Goiás o cooperativismo tem sido muito importante no desenvolvimento econômico e social. Na área do agronegócio, praticamente 50% dos grãos passam por uma cooperativa. Isso é muito representativo em função de que o agronegócio é muito importante para o Estado”, pontua.

De acordo com Joaquim Guilherme Barbosa, os bons exemplos sempre são as melhores fontes de aprendizado. Por esse motivo, a OCB-GO valoriza a intercooperação, conceito que é praticado quando gestores de cooperativas que estão começando aprendem com ações realizadas por cooperativas de sucesso. Nesse sentido, segundo o presidente, o SESCOOP-GO desempenha uma função essencial ao oferecer cursos de capacitação profissional.

“Trabalhamos muito na formação profissional. Junto com a OCB-GO, o SESCOOP-GO cuida da capacitação e do treinamento. Isso tem sido muito importante para levar aos nossos gestores e cooperados informação e educação na área cooperativista”, considera.

Criado pelo Conselho Nacional e vinculado à OCB-GO, o SESCOOP-GO atua há quase 20 anos em prol do desenvolvimento do cooperativismo, promovendo a capacitação técnica dos cooperativistas goianos por meio da aplicação de recursos oriundos de contribuições sociais em projetos voltados ao aperfeiçoamento de trabalhadores e cooperados.

Reportagem de Gerliézer Paulo, Jerônimo Junio e Larissa Artiaga

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