Um estudo científico publicado na revista Science revelou que até 2015, aproximadamente 6,3 bilhões de toneladas de plásticos foram produzidas e descartadas ao longo da história da humanidade. Apenas 9% desses plásticos foram reciclados, enquanto 12% foram incinerados. Os alarmantes 79% restantes acabaram em aterros sanitários ou em ambientes continentais, com cerca de 10% deles chegando a ambientes marinhos ou costeiros.

No entanto, esses dados já têm oito anos e a situação só piorou desde então, devido à produção anual massiva de 400 milhões de toneladas de plástico. Isso resultou em uma crescente contaminação por microplásticos, tornando-se um dos principais problemas ambientais do planeta, após a crise climática. Microplásticos estão presentes em todas as partes: no solo, na água do mar e até mesmo no ar. O pesquisador Ítalo Castro, professor do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), afirma à Agência Fapesp que  “a gente só não encontra microplásticos onde não procura”, inclusive no corpo humano, como no sangue, pulmões, coração e placenta.

O cenário se agrava quando supostas soluções se tornam parte do problema, como aponta uma investigação liderada por Castro. Pesquisadores do Instituto do Mar examinaram 40 supermercados no Brasil, analisando produtos que alegavam ser feitos de plástico biodegradável. Esses supermercados foram selecionados entre grandes redes presentes nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, onde encontraram 49 produtos diferentes, como sacolas, copos, pratos, talheres e utensílios de cozinha.

Surpreendentemente, esses produtos custavam, em média, 125% mais caro do que seus equivalentes feitos de plástico convencional. A descoberta chocante foi que nenhum deles, incluindo os de marcas renomadas, atendia aos requisitos mínimos para serem considerados verdadeiramente biodegradáveis.

Detalhes do estúdio

O estudo, liderado pela doutoranda Beatriz Barbosa Moreno e orientado por Castro, revelou que mais de 90% desses produtos eram fabricados com uma categoria de materiais conhecidos como oxodegradáveis.

“Para ser considerado biodegradável, um produto, quando descartado no meio ambiente, deve-se converter em água [H2O], gás carbônico [CO2], metano [CH4] e biomassa em um intervalo de tempo relativamente curto. Não há consenso sobre que intervalo de tempo é esse. Mas a ideia geral é que varie de algumas semanas a um ano. Nenhum dos 49 itens que investigamos atendeu a esse requisito”, diz Castro.

Apesar do nome, esses materiais não se degradam em condições ambientais normais, uma vez que são polímeros de origem fóssil com adição de sais metálicos, que aceleram o processo de oxidação e fragmentação, mas os fragmentos podem permanecer na natureza por décadas, contribuindo para a formação de microplásticos.

“Os plásticos oxodegradáveis já foram proibidos em vários locais do mundo, incluindo a União Europeia. Na maioria dos casos, as proibições ocorreram pela falta de evidências de biodegradabilidade em ambientes reais, associada ao risco de formação de microplásticos”, informa Castro.

Legislação

Vale ressaltar que, embora os plásticos oxodegradáveis ainda não sejam proibidos no Brasil, sua venda pode ser considerada enganosa. Empresas frequentemente alegam que esses produtos atendem a normas técnicas e testes de biodegradabilidade, como ASTM D6954-4 ou SPCR 141, o que pode ser enquadrado como greenwashing, uma prática de falsas alegações ambientais em produtos comerciais.

“Essas normas fornecem apenas um guia para comparar taxas de degradação e alterações de propriedades físicas sob condições controladas de laboratório, não avaliando as etapas finais da degradação. Aliás, nas páginas web das próprias normas, há advertências para que não sejam usadas em certificações de biodegradabilidade de produtos plásticos comerciais”, argumenta Castro.

“Quando um produto reconhecidamente prejudicial para o meio ambiente passa a ser maciçamente usado, é necessário que ações de Estado sejam implementadas. Nesse sentido, tramita na Câmara dos Deputados o projeto de lei 2524/2022 que, entre outras providências, veda o uso de aditivos oxidegradantes ou pró-oxidantes em resinas termoplásticas, assim como a fabricação, a importação e a comercialização de quaisquer embalagens e produtos feitos de plásticos oxidegradáveis”, completa.

O pesquisador acredita que o Projeto de Lei 2524/2022, se aprovado em sua forma atual, pode ajudar o Brasil a fazer a transição para uma economia circular de plásticos. “Essa transição é uma necessidade urgente. O Instituto do Mar está localizado em Santos, no litoral paulista. Em Santos, detectamos microplásticos acumulados em ostras [Crassostrea brasiliana] e mexilhões [Perna perna]. Esses animais são filtradores da água do mar. Por isso, considerados o padrão-ouro para avaliação das condições do ambiente em que se encontram. Os valores que detectamos estão entre os maiores do mundo quando comparados a outros 40 estudos semelhantes”, conta.

Ministério do Meio Ambiente

Ao ser questionado sobre o assunto, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) expressou apoio ao PL 2524/22, embora com algumas alterações. “O ministério é favorável à proibição de aditivos oxidegradantes/pró-oxidantes, baseando-se em estudos que comprovam a geração de microplásticos na fragmentação de plásticos com tais aditivos – o que causa dano ambiental, particularmente para ambientes marítimos”, sublinhou o texto.

Já a Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) informou, também em nota, ser favorável à proibição da utilização do aditivo oxidegradável em produtos plásticos. Contudo, a entidade se coloca contrária ao PL 2524/2022, que, em sua avaliação, “confunde economia circular com banimento de produtos plásticos, direcionando o objeto da lei apenas a um único material”.

O texto diz ainda que “a economia circular implica uma mudança sistêmica, portanto, exige uma abordagem macro, envolvendo todos os setores da indústria. Enquanto isso, outro PL, o 1874/2022 [que institui a Política Nacional de Economia Circular], traz disposições importantes, como a gestão estratégica dos recursos, a promoção de novos modelos de negócio, os investimentos em atividades de pesquisa e inovação e o apoio à transição para o uso de tecnologias de baixo carbono por meio da criação de condições atrativas para investimento público e privado, entre outros aspectos”.

“A Abiplast acredita no debate sério e preciso, com informações científicas, para que se possa promover um diálogo propositivo sobre a correta utilização do plástico e todos os benefícios que o material trouxe e traz para a sociedade. O setor plástico tem sido protagonista em ações para promover a economia circular do material, investindo em tecnologia, sustentabilidade e inovação”, afirmou a entidade.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 12 – Consumo e Produção Responsáveis

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