Projeto libera desmatamento e pode afetar biomas brasileiros causando danos irreversíveis ao Jalapão 

Foto: Diogo Coelho

Aprovado pela Comissão de Constituição de Justiça da Câmara dos deputados no fim do mês de março, o Projeto de Lei 364/2019 pode afetar os biomas brasileiros e causar danos irreversíveis ao Jalapão, principal destino do ecoturismo no Tocantins, que recebe milhares de visitantes todos os anos.  

O projeto altera o Código Florestal brasileiro e reclassifica milhões de hectares de campos nativos – que são áreas com vegetação predominante não floresta – como áreas rurais consolidadas, conforme explica o Diretor da Associação Nacional dos Servidores Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema Nacional) e Analista Ambiental do Ibama, Wallace Lopes.  

“Este projeto de lei, se aprovado, representaria uma mudança significativa na forma como lidamos com grandes extensões de vegetação nativa não florestal no Brasil. Isso significa que essas áreas poderiam ser utilizadas para atividades agropecuárias sem a necessidade de autorização ambiental específica para a conversão do uso do solo”, afirmou.  

Segundo o especialista, em termos práticos, isso significaria uma redução drástica na proteção legal sobre biomas críticos como o Pantanal, os Pampas, o Cerrado, partes da Amazônia e da Mata Atlântica, facilitando a expansão agrícola e outras formas de exploração direta.  

“O impacto seria profundo e diversificado, desde a perda de biodiversidade até a alteração dos regimes hídricos e do clima local e global, potencialmente transformando ecossistemas únicos e muito mais biodiversos que imaginamos, em terras de cultivo e pastagem, com consequências para a segurança alimentar, hídrica e climática do Brasil e do mundo”, completou. 

Sobre a votação do PL 364/2019 

Lucas Redecker (PSDB-RS) é o relator do PL na CCJ – Foto: Vinícius Loures / Câmara dos Deputados

O projeto de lei que foi aprovado na CCJ que permite a atividade agrícola nos chamados campos de altitude, nos campos gerais e nos campos nativos. O texto é substitutivo, ou seja – altera substancialmente o conteúdo original da proposta – do deputado Lucas Redecker (PSDB-RS) ao Projeto de Lei 364/19, do deputado Alceu Moreira (MDB-RS). A aprovação na CCJ se deu essencialmente ao empenho de deputados da bancada ruralista.  

“Não é de hoje que vemos no Congresso Nacional movimentos de pressão de pessoas ligadas a interesses do agronegócio, buscando expandir a exploração econômica em áreas protegidas. Isso é reflexo de uma tendência política de flexibilizar normas ambientais em favor de um suposto desenvolvimento econômico e para atender às demandas de uma base eleitoral ligada à agropecuária”, explicou Lopes.  

Ambientalistas acreditam ainda que o momento político foi determinante para que a votação fosse colocada em pauta na CCJ. Considerando a realização das eleições municipais em 2024 e a movimentação dos partidos políticos, existe uma reconfiguração de forças que cria o que se chama de “janelas de oportunidade” dentro do Congresso, facilitando a aprovação de projetos que em outras ocasiões encontravam resistência – como se fosse uma moeda de troca.  

“Isso fica ainda mais latente em períodos pré-eleitorais, onde decisões legislativas são utilizadas para ganhar apoio de grupos específicos. E tudo isso está dentro de um contexto de queda de braço entre governo e oposição”, contextualizou o diretor da Ascema Nacional. 

Impacto de norte a sul do país  

A nota técnica do SOS Mata Atlântica que analisa os impactos do projeto sobre a vegetação natural campestre, estima que, na prática, a aprovação do PL 364/2019 poderia acarretar o fim de mais de 50% do Pantanal, 32% dos Pampas e 7% do Cerrado. O estudo indica ainda que 15 milhões de hectares na Amazônia também estão ameaçados ‒ o que representa mais de 16 vezes a última taxa de desmatamento do bioma (2022-2023), de 900 mil hectares.  

O diretor da Ascema Nacional, Wallace Lopes, explica que o Cerrado, um dos biomas que poderá ser afetado, desempenha um papel importantíssimo na oferta dos chamados serviços ecossistêmicos, em funções como a regulação dos fluxos de água e o sequestro de carbono – fundamentais para o combate às mudanças climáticas.  

“Estamos falando de regulação climática e da segurança hídrica do nosso país. Ou seja, a ameaça não se restringe à fauna, à flora e às populações mais pobres, mas também ao próprio agronegócio. É um verdadeiro tiro do pé. Aqui no Cerrado nós temos 5% de toda a biodiversidade do mundo. São mais de 330 mil espécies de plantas e animais. Se esse PL chegar a ser sancionado, aproximadamente 13,9 milhões de hectares, ou seja, cerca de 7% da área total do Cerrado, serão reclassificados como áreas rurais consolidadas, e isso vai facilitar o desmatamento e a exploração descontrolada”, alertou. 

Segundo o especialista, o Cerrado já vive uma pressão causada pelo desmatamento e pela conversão de terras para a agricultura e pecuária e uma legislação como essa representa um retrocesso na conservação ambiental e na gestão sustentável dos recursos naturais do país. 

Jalapão em risco  

Principal destino do ecoturismo no Tocantins, com cerca de 54 mil visitantes em 2023, o Jalapão é uma região que corre sérios riscos caso a lei seja aprovada. Conhecida pelas suas belezas naturais, com águas cristalinas e a existência de dezenas de fervedouros – fenômeno em que a pressão da água na nascente impede que a pessoa afunde no local, a região sofrerá um impacto não só na natureza, mas na subsistência do povo. 

O Jalapão como um todo depende diretamente da preservação das áreas de recarga do aquífero Urucuia, que alimenta os fervedouros e outros corpos hídricos importantes na região como os rios Galhão e Formiga e o Córrego Carrapato. Uma das principais áreas de recarga do aquífero Urucuia está nos campos nativos de Cerrado na divisa do Tocantins com a Bahia, Maranhão e Piauí.  

“Com a reclassificação proposta pelo PL de grandes extensões de campos nativos, incluindo as áreas de recarga do aquífero Urucuia, como áreas rurais consolidadas, a pressão do agronegócio poderá intensificar ainda mais a conversão dessas áreas para agricultura ou pecuária. São terras que já estão sofrendo com o avanço do desmatamento devido à sua aptidão para produção de grãos. As consequências que ameaçam toda a economia local que hoje é baseada fundamentalmente no turismo”, explicou Lopes. 

A visitação aos fervedouros e às cachoeiras no Jalapão são as principais atividades turísticas no local – a fonte de renda do povo varia da cobrança de ingresso, fornecimento de alimentação e hospedagem e venda de artesanato, por exemplo.  

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) – ODS 13  Ação Global Contra a Mudança Climática.