Os incêndios florestais devastadores no sul da Amazônia têm causado um aumento alarmante na concentração de poluentes atmosféricos, com níveis de material particulado na região aumentando em até 80 vezes. Entre 27 e 30 de agosto, a concentração de partículas finas (MP 2.5) atingiu um pico preocupante, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
Durante a estação seca, a concentração de material particulado fino (MP 2.5) – partículas suspensas na atmosfera – é significativamente maior. Enquanto na estação chuvosa o índice médio é de 1 µg/m³ (microgramas por metro cúbico), na estação seca varia entre 5 e 7 µg/m³.
No entanto, nas últimas semanas, o Brasil tem sido coberto por uma densa nuvem de fumaça devido a queimadas recordes, com concentrações médias de até 80 µg/m³ entre 27 e 30 de agosto. Esses níveis são 60 vezes maiores do que os observados durante a estação chuvosa e pelo menos dez vezes superiores à média da estação seca.
Além de afetar o Brasil, a nuvem de material particulado e monóxido de carbono gerada pelos incêndios deve atingir Buenos Aires, na Argentina, e Montevidéu, no Uruguai, nos próximos dias. O país está enfrentando a maior seca registrada em sua história recente, conforme dados do governo federal.
Aumento precoce
O aumento precoce e intenso das queimadas na Amazônia foi observado a partir de julho, com sinais de incêndios mais frequentes e severos do que o habitual. “Estamos observando cerca de 10 ug/m3 de MP2.5, um pouco acima da média tipicamente observada na estação seca”, descreve a especialista em aerossóis e transporte de longa distância, Luciana Rizzo, que trabalha no Observatório da Torre Alta, estrutura de pesquisa do governo federal coordenada pelo Inpa.
Em agosto, picos de concentração foram registrados, com médias diárias alcançando 80 µg/m³. Embora a causa exata desse aumento ainda não seja totalmente clara, os incêndios são uma provável fonte. “Isso pode estar relacionado a um possível aumento dos focos de queimadas em toda a Amazônia, ou ainda à presença de focos de queimadas mais próximos à torre. Quanto mais perto for a frente de queimadas, mais altas serão as concentrações”, explica Rizzo.
O monitoramento das partículas finas é realizado por equipamentos instalados na Estação Científica de Uatumã, localizada a cerca de 150 km ao norte de Manaus. Esta estação, com três torres, inclui uma torre principal de 325 metros que mede a circulação de partículas em uma área com influência de até 400 km.
OMS
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a concentração de MP 2.5 não ultrapasse 15 µg/m³ em média ao longo de 24 horas para garantir condições saudáveis. Altos níveis de MP 2.5 podem agravar doenças cardiorrespiratórias e ter impactos negativos sobre a saúde, especialmente em áreas urbanas, onde a fumaça das queimadas se combina com as emissões veiculares e outras fontes de poluição.
“É importante entender que na torre as concentrações de vários poluentes aumentam bastante na estação seca comparada a estação chuvosa. O motivo desse aumento nas concentrações é a fumaça de queimadas que se espalha por toda a Amazônia. Nos arredores da torre não costuma ocorrer grandes eventos de queimada, mas a torre capta a fumaça que vem de outras partes da Amazônia”, explica Rizzo.
A recente onda de queimadas tem ocorrido principalmente em áreas de floresta primária, não em regiões desmatadas recentemente. Dados do Sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados pelo WWF-Brasil, mostram que 53% dos incêndios na Amazônia em agosto afetaram áreas de vegetação nativa com alta biodiversidade. Em 2024, mais de 5 milhões de hectares da floresta já foram queimados, uma área equivalente à da Costa Rica.
“O recorde de focos de calor registrado em agosto na Amazônia teve uma distribuição desigual, com mais da metade deles concentrados em áreas de vegetação nativa primária e apenas 13% em áreas recentemente desmatadas. A combinação da alteração climática provocada pelo aquecimento global com a degradação ambiental criou um cenário favorável ao uso criminoso do fogo para uma conversão da floresta que provavelmente será detectada em mapeamentos futuros sobre a área devastada na Amazônia brasileira”, afirma Mariana Napolitano, diretora de estratégia do WWF-Brasil.
Desmatamento
Apesar do aumento das queimadas, o desmatamento na Amazônia caiu em agosto de 2024, com 501 km² desmatados, uma redução de 11% em relação ao mesmo período do ano passado. No entanto, um estudo conjunto do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e da NASA revela que, mesmo com uma redução de 50% no desmatamento em 2023, a pior seca em 125 anos elevou a área queimada total em 36% em comparação a 2022.
“Tivemos a redução do desmatamento e da área queimada nos municípios do chamado arco do desmatamento, mas houve um aumento no restante do bioma. A gente sempre pensa que reduzir o desmatamento vai ajudar a reduzir o fogo, mas os resultados deste estudo demonstram claramente os efeitos das condições climáticas nesse processo”, destaca Ane Alencar, diretora de ciências do Ipam e uma das autoras da nota publicada em junho.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática
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