Não é todo dia que se entrevista um ganhador do Prêmio Jabuti. Nem sou tão chegada a prêmios quando se trata de escolher minha próxima leitura, mas, cá entre nós, o nome da que é considerada a mais tradicional premiação literária no Brasil carrega lá a sua imponência na sala. Me senti assim naquela manhã de outubro. Mas, o Jabuti nem é o assunto aqui, mas a solidão.

Me perdoe pelo salto de palavras. Talvez eu tivesse que preparar melhor o ambiente antes de jogar uma palavra tão azeda entre parágrafos. Embora a minha tese, feita meramente por observação e um bocado de especulação, é de que ninguém esteja mesmo preparado para ela.

Foi disso que me lembrou a conversa com o ganhador do Prêmio Jabuti (sim, voltamos a ele), enquanto estávamos na mesma sala, separados por uns 2 metros. Ou três, nunca fui precisa com números. Mas sou precisa com as palavras, não as desperdiço e nem as economizo, e talvez possa ser por isso que fui pega de surpresa ao ouvir “solidão” como resposta a uma das minhas perguntas. Naquela sexta-feira úmida e abafada, como têm sido os últimos dias em Goiânia.

Depois de um longo comentário sobre as mudanças de nossos tempos, do excesso de informações e de tudo aquilo que vemos pela janela (quase sempre virtuais), encarei a resposta como uma deixa para outra pergunta: e o que precisa ter um bom escritor e um bom leitor nesses tempos, então?

O meu entrevistado não tomou muito fôlego para responder: saber apreciar a solidão, ninguém sabe mais o que é ser sozinho. Ainda bem que a entrevista estava sendo gravada, porque ali, no ao vivo da coisa, demorei um pouco para me reconectar ao restante do que estava sendo dito. Péssimo para jornalista, que precisa estar presente, com ouvidos abertos para o que outro fala, não apenas responde. 

Apesar de ter perdido algumas palavras, peguei o fio da meada. Mais um pouco e a entrevista acabou, mas a conversa não terminou ali e esse é um dos melhores cenários para o meu “eu entrevistador”. Fiquei um pouco preocupada, porque se a gente vive de um jeito que até aplicativo de mensagem agora vem acoplado com um um ser robotizado que responde instantaneamente às minhas dúvidas, como é que se produz gente capaz de apreciar a solidão? Como é que se formam bons leitores? Você é um bom leitor?

“Nós lemos para saber que não estamos sozinhos”, é o que disse C.S Lewis, o irlandês autor de “As Crônicas de Nárnia”. Se a gente aceita essa frase como verdade, ninguém, nem mesmo o bom leitor, querem estar sozinhos, afinal. 

Mas eu entendo o que o meu entrevistado quis dizer. A gente anda fugindo da solidão demorada, da cabeça focada em coisa só, do instante sem tela brilhante. E isso, realmente, o livro rouba da gente. Por outro lado, ele é generoso no que retribui.

Sempre achei a palavra solitude um tanto quanto piegas, a coisa é solidão mesmo, que no dicionário se apresenta como o estado de estar só; isolamento. Não me entenda mal, eu sei que embora estejamos em rede, isso não significa que não estejamos sozinhos. Mas essa é uma reflexão para outro espaço. O meu ponto aqui é entender que abrir um livro, e lê-lo, não apenas passar os olhos, é mesmo um movimento estranho para toda essa lógica de nunca estar parado.

Se eu quiser uma receita de bolo, uma planilha e até um conselho, o robô aparece pronto e disponível para me dar. Esses dias vi a minha avó tentando aprender a conversar com ele e ficou maravilhada quando depois de um simples comando, o robô devolveu todo orgulhoso uma imagem criada de um céu de tons azul e lilás com um arco-íris. “O que essa coisa não faz hoje em dia, não é?”.

O livro se recusa a me responder tão rápido. Me obriga a seguir a sequência que o escritor pensou de antemão e os mais ousados até me deixam sem algumas respostas mesmo após a última folha. Capitu que o diga. O livro pode ser um mistério.

E estamos desgostando cada vez mais do que não podemos explicar. Assim como estamos desgostando da nossa presença sem apetrechos e adornos. Quando leio, sou só eu, mas o lado bom é que sobra espaço, sobra terreno, sobra tempo para eu tentar ser tanta coisa que não fui ainda, e isso, robô nenhum consegue me dar. Vó, acho que é isso que essa coisa não faz hoje em dia e não sei se fará.

 Esse não é um texto anti-robô, agorinha mesmo devo perguntar a ele alguma coisa, mas não o que pergunto para o livro, esse é outro tipo de pergunta. Acho que quero aprender a estar mais só, gosto de quem sou do lado de um livro. A gente é muita coisa, nenhum leitor é igual ao outro. Assim como um escritor é bem mais do que esse título é capaz de representar.

Aliás, também me lembrei disso naquela sexta-feira abafada, quando quem estava diante de mim, o entrevistado, deixou de ser ganhador de Jabuti, e passou a ser só gente, e o tipo de gente com coisa interessante a se dizer. O que desconfio que tem tudo a ver com os livros que lhe acompanham, não o deixando completamente sozinho.

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