Era início de junho de 1990, e o relógio na parede do apartamento no Setor Coimbra marcava 12:50. A aula começaria às 13h, como sempre, mas o garoto de 7anos, tala ortopédica nos pés, tentava desafiar o tempo para ver pelo menos o começo daquele Argentina x Camarões jogado num mundo distante. 

Mas o horário da aula era implacável. E foi apenas no recreio, por volta de umas 15h30, que aquele mundo voltou a se abrir outra vez. Quanto ficou o jogo, 1 a 0, para quem, para a República de Camarões.

República de Camarões. Argentina. Uma Copa na Itália. Oman-Biyik. Pumpido. A estreia do Brasil. O conceito de rodear um televisor, de ver gente em casa, cerveja de garrafa, Lazzaroni, Romário no banco, Bebeto no banco, existe um banco, são 11 de um lado, 11 de outro… 

Aquela tarde de junho, foi eterna. E a noite foi de estar horas olhando para a TV. Eram quatro, cinco canais. Foi assim um mês inteiro.

Naquele dia em que Oman-Biyik fez, de cabeça, República de Camarões 1 x 0 Argentina, o futebol entrou na minha vida chutando a porta. Eu me lembro de alguns flashes de 1986, da final olímpica de 1988, mas a Copa de 1990 foi diferente. Descobri países, nomes, ídolos, as tabelas (havia algumas espetaculares!), descobri que tínhamos que sentar sempre no mesmo lugar pra dar sorte, e que não podia gritar gol antes de hora. 

Descobri que meu pai chorava. E chorava muito, deitado na cama, Nós nunca mais vamos ganhar isso de novo, Eu quero que você veja o Brasil campeão mundial. Calma pai, eu vou lá um dia para ganhar uma Copa.

Eu nem sabia da promessa de Pelé a Dondinho em 1950, mas fiz a mesma promessa ao meu pai. Espero que ele perdoe meu fracasso.

Nem demorou muito para eu perceber que, de chuteiras e meiões, eu não chegaria a lugar algum. Mudei, dentro da minha cabeça, aquela promessa descabida. Eu nunca poderia ganhar uma Copa, mas queria pelo menos estar lá.

Aconteceu em 2010, mas faltava algo. Talvez faltasse trabalhar num jogo da seleção, talvez o que faltava era ter consciência de que tudo o que eu fizesse estava chegando a alguém.

Ontem, na Arena de Rostov, não faltou nada. Em Goiânia, minha mãe avisava: Estou ouvindo tudo, voltei para a era do rádio. Numa cidade perdida na Rússia, eu me lembrava daquele dia de 1990, de Oman-Biyik, de Maradona, de Caniggia, do choro do meu pai, Nós nunca mais vamos ganhar isso de novo, e depois disso a seleção brasileira já ganhou duas Copas, as duas eu comemorei com ele, e desde 2006 quando o jogo acaba eu pego o telefone e não tenho mais pra quem ligar.

Ontem, na Arena Rostov, as ondas da Sagres 730 me conectavam com aquela Goiânia da minha infância, com gente que sempre acreditou mais que eu, com gente que nem está mais aqui, com um mundo que me fez ser o que sou hoje e o que serei para sempre. Graças àquela tarde de junho de 1990.