A Covid-19 deixou muitas lembranças dolorosa em todo o mundo. Desde o início da pandemia, cerca de 695 mil pessoas perderam a vida no Brasil, em consequência da doença, segundo o Ministério da Saúde (MS). 

Uma fotojornalista conseguiu transformar um momento de dor e sofrimento em uma exposição para homenagear as vítimas da doença. Durante a pandemia, J. Lee Aguiar perdeu o pai, o jornalista Álvaro de Brito Duarte, no dia 16 de junho de 2021, em Recife, Pernambuco, sua terra natal, em virtude de complicações da Covid-19.

Dessa tragédia surgiu a exposição “Atotô: Um Processo de Cura”, que traz uma série de 24 fotografias que documentaram o enterro do pai como representação do que ocorreu com outras milhares de famílias.

Foto: J. Lee Aguiar

J. Lee conta que ao testar positivo para Covid-19, ela e o companheiro ficaram isolados juntos. Na mesma semana ela recebeu a notícia que o pai, que estava em outro estado, também havia contraído a doença.

“Meu pai ficou muito preocupado comigo. Mesmo doente, me ligava todos os dias querendo saber como eu estava. Um dia ele falou que não conseguia mais me ligar ou mandar mensagem de áudio, porque não estava conseguindo falar, e foi nesse momento que eu fiquei indignada por ele não estar no hospital”, lembra.

Revolta

A fotojornalista afirma que o processo antes das fotos foi ainda mais doloroso que as imagens em si. Quando recebeu a notícia da morte do pai o sentimento predominante foi de revolta.

“Senti muito ódio, raiva, revolta. É um absurdo pensar que uma pessoa morre, mesmo estando na idade de vacinação. Meu pai não tomou a vacina porque o governo atrasava as entregas no Nordeste, e quando chegavam estavam vencidas. Ele não se vacinou por incompetência do Estado”, argumenta.

Para J. Lee, um dos agravantes foi o fato de o pai trabalhar como jornalista. Segundo o Relatório da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), durante a pandemia, 314 jornalistas brasileiros morrem por conta da Covid-19 em 699 dias, de abril de 2020 a fevereiro de 2022. Conforme dados da Organização não governamental (ONG) Press Emblem Campaign, o Brasil é o país com mais comunicadores mortos pelo coronavírus, seguido pela Índia, Peru e México.

“Eu sou jornalista. Tenho pai e mãe jornalistas e vivo isso intensamente. O que fizeram com a nossa categoria nos últimos quatro anos foi uma falta de respeito imensa. É difícil receber a notícia que seu pai virou estatística”, diz, indignada.

Atotô: um processo de cura

Um fato curioso é que a ideia da exposição surgiu há três meses e J. Lee resolveu levar a câmera por intuição.

“Esse processo foi muito difícil, pois meu pai estava brigado com os irmãos, cunhadas, e a esposa dele não gostava de mim. Nenhum deles falou comigo em nenhum momento. Eu fotografei, porque estava me sentindo sozinha, meus tios não me disseram nada, não me abraçaram. As pessoas me ignoraram como se eu não fizesse parte desse momento”, destaca.

A fotojornalista pontua que a exposição pode ser considerada uma forma de abraçar as pessoas, um abraço que ela precisou e não conseguiu em um momento de dor. “É um processo de cura. Foi a primeira vez que consegui transformar ódio, revolta e indignação em amor. E todos nós estamos envolvidos nisso, pois é algo de aconteceu com o nosso país, com o mundo”, finaliza J. Lee.

A exposição fez parte do projeto Claque Retomada Cultural do dia 12 a 15 de janeiro das 10 às 19hs.

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