Os profissionais da área de saúde, especialmente os enfermeiros, são hóspedes acomodados pelo trabalho noturno ou em escala rotativa (12×36). Essa afirmação é de acordo com estudos realizados pela USP. A pesquisa destaca que jornadas de trabalho irregulares e prolongadas são fatores de risco para o aumento da obesidade e sobrepeso. Além disso, a falta de sono, o sedentarismo e a má alimentação são elementos nessa condição.
“A privação ou a falta de rotina do sono ao qual esses profissionais são submetidos pode levá-los a ter uma disfunção do ciclo circadiano. É a desregulação do ritmo com que o organismo realiza suas funções ao longo do dia. Ao amanhecer, a claridade estimula a liberação do cortisol, hormônio que nos deixa despertos. Ao anoitecer, o escuro induz a produção da melatonina, que nos leva ao sono e ao relaxamento”, explica Maria Gabriela Tavares Amaro. Ela é aluna do curso de medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP e autora da pesquisa de iniciação científica. A explicação foi em entrevista a Ivanir Ferreira do Jornal da USP.
De acordo com o médico endocrinologista Carlos Antonio Negrato, professor do curso de medicina da FOB e orientador da pesquisa, a obesidade é um problema multifatorial. Nesse sentido, envolve aspectos genéticos, metabólicos, sociais, psicológicos e ambientais.
IMC
Considerada um dos mais graves problemas de saúde pública do mundo, pessoas com Índice de Massa Corporal (IMC) elevado (igual ou maior que 25 para sobrepeso e igual ou maior que 30 para obesidade) têm maior probabilidade de desenvolver comorbidades, como doenças cardiovasculares, dislipidemia, observados e musculoesqueléticos, interpretados, diabetes mellitus tipo 2 e alguns tipos de câncer.
O IMC é a divisão do peso da pessoa (em quilos) pela altura (em metros) ao quadrado. Sendo assim, segundo Negrato, a pesquisa revisional procurou detectar um dos possíveis fatores ambientais envolvidos na gênese da obesidade.

De acordo com a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), nos últimos treze anos a ocorrência da obesidade aumentou cerca de 72% no Brasil, passando de 11,8% em 2006 para 20% em 2019.
Estimativa se até 2025, haverá cerca de 2,3 bilhões de adultos acima do peso em todo o mundo. 700 milhões desses indivíduos classificados como obesos, apresentando um IMC acima de 30.
Desequilíbrio
Pesquisadores da FOB realizaram a presente investigação por meio de uma revisão de literatura de artigos científicos relevantes ao tema em questão. Os resultados dessa pesquisa estão em um artigo. É o “Prevalência de sobrepeso e obesidade entre profissionais de saúde com horários de trabalho por turnos: uma revisão de escopo”. Ele foi publicado em fevereiro de 2023 na revista The Journal of Biological and Medical Rhythm Research.
De acordo com o estudo, ainda não se compreende completamente os mecanismos que associam o trabalho por turnos com a obesidade. Entretanto, as mudanças comportamentais que podem surgir com esse tipo de trabalho, como privação do sono, sedentarismo, exposição à luz artificial, horários irregulares de alimentação, dessincronização do ciclo circadiano e outros hábitos não saudáveis. Isso pode levar ao ganho de peso e, consequentemente, à obesidade.
“Ter o conhecimento de que o trabalho exercido em turnos pode levar à obesidade nos faz pensar em meios que possam amenizar o impacto. Propor às empresas e funcionários o desenvolvimento de programas de cuidados e de qualidade de vida. A conscientização e reeducação alimentar e a inclusão de atividade física dentro e fora do ambiente de trabalho”, afirma Maria Gabriela.
Leptina e grelina
O professor Negrato explica “que toda pessoa exposta a longos períodos de vigília ou submetida a trabalhos com horários em turnos alternados pode apresentar alterações no funcionamento do eixo hipotálamo-hipófisário”. Segundo Maria Gabriela, “o hipotálamo coordena a maior parte das funções endócrinas, exercendo ação direta sobre a hipófise e indireta sobre outras glândulas, como adrenais, que produzem, entre outros hormônios, o cortisol, que nos deixa despertos e sem sono durante o dia”, diz.
“Ainda nessa condição de privação de sono, também há a desregulação no funcionamento de hormônios ligados à fome e à saciedade, chamados leptina e grelina, que atuam de forma antagônica no controle do apetite. A grelina estimula a fome e a leptina, a saciedade”, pontua Gabriela.
Diversos estudos experimentais indicam que a redução das horas de sono tem relação a uma diminuição dos níveis de leptina. Além disso, como a um aumento inversamente proporcional nos níveis de grelina. Este último hormônio é produzido principalmente no estômago e está relacionado com um aumento na ingestão alimentar.

Segundo Negrato, é comum que indivíduos que apresentam alterações no apetite tenham uma propensão a consumir alimentos ultraprocessados, ricos em calorias e em quantidades excessivas. Essas pessoas também tendem a praticar menos atividade física, apresentar maiores taxas de tabagismo e estarem frequentemente mais estressadas.
Análise
Os pesquisadores realizaram uma análise minuciosa de mais de 700 artigos sobre o assunto em todo o mundo. Selecionaram 20 que abordavam a prevalência de sobrepeso e obesidade entre profissionais de saúde que trabalham em turnos.
Esses artigos foram publicados nos últimos seis anos em periódicos de diversas partes do mundo, incluindo Europa, Ásia, América e Oceania. Do total, seis estudos (30%) foram conduzidos no Brasil.
Os estudos selecionados abordaram a prevalência de sobrepeso e obesidade entre profissionais da área da saúde que trabalhavam em diversos tipos de turnos, incluindo diurno, noturno, vespertino e horários irregulares e rotativos (como a escala de 12 por 36 horas, comumente adotada por enfermeiros).
As pesquisas investigaram predominantemente enfermeiras do sexo feminino, com idade entre 33 e 55 anos. A maioria dos estudos utilizou o IMC como indicador de sobrepeso e obesidade.
Conclusão
Entre os 20 artigos examinados, 18 indicaram maior prevalência de sobrepeso e obesidade entre profissionais da área da saúde. Ademais, verificou-se que a incidência de sobrepeso e obesidade aumentou significativamente à medida que a duração dos turnos de trabalho, o número de noites trabalhadas e as horas semanais de trabalho foram ampliados.
O estudo conclui que é importante a implementação de políticas de saúde com o objetivo de diminuir a exposição excessiva dos profissionais da área da saúde a horários de plantão, além de incentivar mudanças mais saudáveis e duradouras em seus estilos de vida, tanto dentro quanto fora do ambiente de trabalho.
O professor Negrato destaca a relevância dessas medidas para a prevenção da obesidade e outras doenças metabólicas entre esses trabalhadores.
*Esse conteúdo está relacionado com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 03 – Saúde e Bem Estar
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