O sistema público de saúde em Goiânia não consegue contratar, de maneira individual, nenhum anestesista. A totalidade dos contratos entre os profissionais da categoria e as gestões estadual e goianiense é totalmente tutelada pela Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas de Goiás (Coopanest). O presidente da entidade, médico Getulivan Pinheiro Belém, garante que a mediação é legal e tem por objetivo preservar a boa ética e a justa remuneração profissional.
Todas as exigências salariais atenderiam à tabela Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), onde está listado o padrão mínimo da gratificação profissional. Entretanto, os valores expressos nesta tabela revelam preços 108% a 1.600% superiores à tabela do Sistema Único de Saúde (SUS).
Em recente balanço sobre sua gestão à frente da Secretaria da Saúde de Goiás (SES/GO), Antônio Faleiros revelou que a Coopanest foi beneficiada, entre 2011 a 2013, com R$ 45,4 milhões, a título de repasse por pagamento de serviços prestados, o que sugere uma média mensal de R$ 1.263.888,00.
Participam da entidade cooperativa 409 dos 458 profissionais registrados na regional goiana da Sociedade Brasileira de Anestesiologia. Os 49 médicos anestesistas fora da Coopanest ou estão ainda realizando residência na área ou atuam em Porangatu ou em uma as 21 cidades do Entorno de Brasília. Ao todo, a Coopanest atende a 240 unidades hospitalares públicas e privadas em Goiás.
Tanto a SES/GO quanto a Saúde de Goiânia adiantam não haver qualquer concurso programado para contratar profissionais da especialidade médica. A última vez que a saúde estadual realizou uma seleção pública para anestesistas foi em 1985. Desde junho de 1993, as pactuações trabalhistas têm sido respaldadas pela Lei de Licitação (8.666/93), oportunizando contratos renovados a cada cinco anos e aditivados anualmente.
Somente em Goiânia existem 45 vagas públicas para anestesistas distribuídas em dez unidades hospitalares públicas – quatro do Paço Municipal (Dona Iris, Nascer Cidadão e Crof), 31 do Estado (Crer, HDT, HGG, Materno Infantil, Hugo e Maternidade Nossa Senhora de Lourdes) e dez da União (Hospital Universitário/Hospital das Clínicas).
Nestas vagas atuam, em regime de plantão, entre 80 e 100 médicos anestesistas. Todos, cooperados. Considerando a média mensal dos repasses da SES/GO, a remuneração por mês dos plantonistas oscilou, nos últimos 36 meses, em cerca de R$ 12,6 mil.
Truste
Na greve do ano passado, ao longo de 14 dias de maio, a categoria deixou de realizar cerca de 1,1 mil procedimentos médicos. À época, o comando de greve explicou que os profissionais estavam há oito meses trabalhando sem contratos. A fatura dos meses sem recebimento resvalava a R$ 5 milhões. O atendimento apenas começou a ser normalizado, depois que administração estadual repassou R$ 1,5 milhão para a entidade.
A relação entre a cooperativa e o sistema público hospitalar em Goiânia revela características de combinações monopolísticas, semelhantes ao truste, cujo objetivo é de evitar a concorrência. E para isso há uma padronização nos preços dos mesmos produtos.
Geralmente, o truste é formado quando proprietários de empresas concorrentes se tornam sócios de uma única grande empresa, que passa a controlar grande parte do mercador consumidor, diminuindo, também, a concorrência e a possibilidade de o consumidor encontrar produtos com menores preços.
O dirigente da cooperativa rechaça a condição de fomentador de truste e impositor de reserva do mercado, principalmente, em Goiânia. Pinheiro nega o monopólio nos preços, esclarecendo que há variações nos valores dos plantões dos hospitais ligados ao SUS, os conveniados e os particulares. Como exemplo, ele cita a anestesia para cesariana no SUS, que ficaria em R$ 60, enquanto no particular (suplementar) cerca de R$ 500 e na rede conveniada ao SUS R$ 200.
De acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) quando há concentração de 100% de determinado profissional em uma única empresa ou entidade, o cenário sugerido é que a situação estaria fora da zona de segurança antitruste. O que, então, evidenciaria uma realidade de monopólio.
Mato Grosso do Sul
Desde 2009, há uma queda de braço entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Serviço de Anestesiologia Ltda (Servan), que emprega 86 dos 89 anestesistas existentes em Campo Grande. O MPF/MS, no último dia 20 de novembro, protocolou uma ação civil pública na Justiça Federal para impedir a paralisação dos procedimentos dos anestesistas no Hospital Universitário (HU/UFMS). A empresa Servan não aceita renovar a prestação de seus serviços com base na remuneração praticada pela Tabela do SUS.
Com o rompimento do contrato, o hospital deixou de realizar uma média de 35 cirurgias por dia, ou 350 mensais. A Servan tem contratos com o governo sul-mato-grossense por meio da Fundação de Serviços de Saúde de Mato Grosso do Sul (Funsau).
De acordo com a legislação brasileira, os hospitais mantidos exclusivamente pelo SUS não podem adotar preços ou reajustes de valores com base em outra tabela que não seja a adotada por lei. Além disso, terceirizar serviço público essencial, como o de anestesiologia, é, de acordo com o MPF/MS, ilegal e afronta princípios fundamentais da administração pública, especialmente o do concurso público.
Para o MPF/MS, a paridade ente as tabelas da CBHPM e do SUS, pretendida pela Servan comprometeria o orçamento dos hospitais públicos e particulares de Campo Grande, vez que não há outra alternativa de contratação do serviço de anestesiologista no Estado.
Em ofício encaminhado ao MPF/MS, a empresa afirma que “não aceita praticar os preços da Tabela SUS” e que a sua luta visa “não trabalhar por preço vil ou eticamente inaceitável”, postura que constrange os hospitais a contratar seus serviços pela remuneração por eles estabelecida.