Um relatório científico de alcance internacional sobre os “pontos de não retorno” do sistema climático está sendo apresentado durante a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28, sediada em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

O Global Tipping Points Report (Relatório Global sobre Pontos de Não Retorno) foi meticulosamente elaborado por uma equipe internacional composta por mais de 200 pesquisadores, liderada pela University of Exeter, no Reino Unido, em colaboração com o Bezos Earth Fund. O professor Cristiano Mazur Chiessi, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP), é um dos signatários destacados deste documento.

Este relatório representa a mais abrangente avaliação já conduzida sobre o tema e adverte sobre a “trajetória desastrosa” que a humanidade está atualmente trilhando. O documento destaca a imperatividade de eliminar o uso de combustíveis fósseis e adotar soluções correspondentes capazes de neutralizar o balanço de carbono proveniente de atividades humanas, fatores cruciais para o destino de bilhões de pessoas.

“Os pontos de não retorno no sistema terrestre representam ameaças de uma magnitude nunca enfrentada pela humanidade. Podem desencadear efeitos dominó devastadores, incluindo a perda de ecossistemas inteiros e da capacidade de cultivo de culturas básicas, com impactos sociais que incluem deslocamentos em massa, instabilidade política e colapso financeiro”, explica o professor Tim Lenton, diretor do Global Systems Institute (GSI) da University of Exeter e coordenador do relatório.

Pontos de não retorno

Os “pontos de não retorno” referem-se a limiares críticos no sistema climático nos quais as mudanças tornam-se autossustentáveis, resultando em transformações qualitativas em seu modo de operação. Um exemplo citado é o processo de degradação da Floresta Amazônica, que, se não for interrompido urgentemente, pode atingir um ponto irreversível no qual a floresta não consegue mais se regenerar, tornando-se uma fonte adicional de emissões de carbono e intensificando o aquecimento global.

“A existência de limiares críticos e a iminência do atingimento de alguns deles concedem a este tema a mais alta importância”, consta no relatório.

O relatório, fundamentado na avaliação de 26 pontos de não retorno negativos, conclui que “continuar do jeito que está não é mais possível”, com mudanças rápidas na natureza e na sociedade já em andamento e outras mais intensas previstas. Com o aquecimento global prestes a ultrapassar o patamar crítico de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, pelo menos cinco pontos de não retorno do sistema terrestre podem ocorrer, incluindo o colapso dos grandes mantos de gelo do planeta.

Projeto de pesquisa

Cristiano Mazur Chiessi é coautor dos capítulos 1.4 “Tipping points in ocean and atmosphere circulations” (Pontos de não retorno nas circulações oceânicas e atmosféricas) e 1.5 “Climate tipping point interactions and cascades” (Interações e efeitos cascata dos pontos de não retorno climáticos). Estes capítulos estão intrinsecamente relacionados ao seu projeto de pesquisa “Perspectivas pretéritas sobre limiares críticos do sistema climático: a Floresta Amazônica e a célula de revolvimento meridional do Atlântico”, apoiado pela FAPESP.

“A Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico é de especial interesse, pois leva águas superficiais quentes do Atlântico Sul para o Atlântico Norte e traz da porção setentrional para a porção meridional águas profundas e frias. O monitoramento dessa circulação mostra que ela está enfraquecendo e pode ultrapassar seu limiar crítico em um futuro relativamente próximo. Se isso acontecer, uma série de consequências negativas são esperadas, como a diminuição das chuvas sobre o norte da Amazônia e a redução da capacidade de o oceano Austral capturar CO2 da atmosfera”, diz Chiessi.

Um subtema crucial abordado pelo pesquisador é o dos efeitos cascata entre diferentes compartimentos do sistema climático, que possuem limiares críticos. O efeito cascata ocorre quando um compartimento do sistema ultrapassa seu ponto de não retorno, desestabilizando outro compartimento, que, por sua vez, também ultrapassa seu limiar crítico.

“O derretimento das geleiras da Groenlândia, por exemplo, deve causar um substancial enfraquecimento da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico, que, por sua vez, forçará o colapso das florestas tropicais localizadas no norte da América do Sul, da África Equatorial e da Oceania, além do sul da Península Asiática. As reconstituições do clima do passado geológico, que nosso grupo de pesquisa tem realizado, nos mostram claramente que o efeito cascata é uma ocorrência comum e altamente preocupante”, ressalta Chiessi.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática

Leia mais: