O Debate Super Sábado #195 trouxe à tona a discussão sobre o racismo. Desde a morte do rapper estadunidense George Floyd, no último dia 25 de maio, depois de ser sufocado por um policial branco em Minnesota, protestos antirracismo e contra o presidente Donald Trump tomaram ruas das principais cidades do país. A frase “I can’t breathe” (do inglês, ‘eu não posso respirar’) novamente correu o mundo. [Ouça no podcast acima a partir de 27’30”]

A coordenadora Nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), Iêda Leal de Souza, diz que é preciso analisar também o racismo mais próximo, o que existe no Brasil.

O racismo se reorganiza a cada momento para eliminação dos negros no mundo. A gente precisa pegar essa experiência, que é muito triste, lamentável, observar a reação dos americanos e vir para o Brasil também observar o quanto nós sofremos e que a cada momento, a cada minuto, a cada abordagem, a gente tem uma certeza: irão levar mais e mais vidas”, analisa. “Ainda tem gente que acredita que isso não é racismo”, acrescenta.

Infelizmente, os números não seguem na contramão da análise de Iêda. De acordo com o informativo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população negra tem 2,7 vezes mais chances de ser assassinada do que a branca. 

A coordenadora do MNU lembra o caso de Pedro Henrique Oliveira Gonzaga, de 19 anos, morto por um segurança de um supermercado no Rio de Janeiro em fevereiro de 2019, e que causou comoção nacional. Mesmo imobilizado por uma “gravata”, o jovem que sonhava em ser DJ teve a vida ceifada por também não conseguir respirar.

Todas as pessoas já diziam ‘ele já está imobilizado’, mas o sujeito que tirou a vida de Pedro Henrique não parou. Isso tem que ser estudado e a gente precisa tomar muito cuidado. As nossas vidas importam. Vidas negras importam, mas a gente precisa ficar vivo”, afirma.

Nesta semana, na SagresTV, o professor Norberto Salomão contextualizou a morte de George Floyd nos Estados Unidos e a reação do presidente Donald Trump ao fato e aos protestos pelo país, e como o Brasil poderia estar importando o racismo e atitudes supremacistas estadunidenses. 

‘Menos um CPF’

O presidente estadual da União de Negras e Negros pela Igualdade Racial de Goiás, André Luiz Barbosa do Nascimento, fez questão de memorar outro caso grave envolvendo a questão racial no Brasil, o do garoto João Pedro Mattos, baleado durante operação policial no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, na noite do último dia 18 de maio.

Um garoto de 14 anos que estava brincando no quintal de sua casa, a polícia já pula ali para dentro e não querem saber, dão um tiro de fuzil pelas costas. E o mais triste agora ainda é o resultado sobre a questão da balística, eles têm dúvida de onde saiu esse tiro”, afirma. “O Estado precisa ser para proteger, não para matar”, analisa.

O Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito para apurar a participação do Estado na morte de João Pedro Mattos, inclusive por “danos à coletividade”.

André Luiz Barbosa do Nascimento faz uma comparação com o cenário da violência em Goiás, em que a Secretaria de Segurança Pública (SSP-GO) decidiu no início de 2019 não mais divulgar oficialmente o número de mortos em operações da polícia.

Estão negando esses casos, e a gente sabe que aqui eles usam um bordão que é ‘menos um CPF’. Isso é triste, porque quando falam ‘menos um CPF’ com certeza é um negro, principalmente de periferia”, conclui.

No Debate, Nascimento destacou também o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), crime ocorrido em março de 2018, e ainda sem solução. 

Caso recente no Recife

Para o filósofo, pedagogo e historiador Ítalo Silva, para que no futuro não sejam repetidos erros do passado em relação à questão racial, é preciso que o preconceito seja combatido desde o início, ainda nos pequenos gestos, com as crianças, por exemplo.

Se a gente não combater o racismo estrutural, o racismo simbólico que vem sendo construído desde o imaginário das nossas crianças, como o que é uma pessoa bonita, por exemplo. Você o olho e imagina uma pessoa bonita. Tem uma expressão que a gente usa que é extremamente racista, quando a pessoa olha e fala ‘nossa, que olho bonito’. Isso é racismo”, exemplifica.

Por fim, Ítalo destaca a morte do menino Miguel Otávio, de 5 anos, ao cair do 9º andar de um prédio residencial em Recife-PE, na última terça-feira (2).

Eu vi a mãe do Miguel chorando e ela dizia ‘nossa, a minha mãe cuidou dos filhos da família dela, eu cuido dos filhos da família dela e ela não pôde cuidar um instante do meu filho. Esse fato já nos remete à ideia do que é cuidar”, argumenta.

Negro, filho da doméstica Mirtes Renata, o menino entrou no elevador do prédio onde a mãe trabalhava para ir atrás dela. Imagens de circuito interno mostram que a patroa de Mirtes, Sarí Gaspar Côrte Real, que ficou responsável por cuidar de Miguel enquanto a empregada saía para passear com o cachorro, aperta um dos botões de andares do elevador. Chegando ao 9º andar, sozinho, Miguel teria se desequilibrado ao ver a mãe lá embaixo e caiu de uma altura aproximada de 35 metros.

A empregadora foi presa por homicídio culposo, pagou fiança de R$ 20 mil e responde pelo crime em liberdade. Após o episódio, Sarí Côrte escreveu uma carta para a mãe de Miguel, que foi divulgado pela TV Globo nesta sexta-feira.

Como mãe, sou absolutamente solidária ao seu sofrimento. Miguel é e sempre será um anjo na sua vida e na sua família. Não há palavras para descrever o sofrimento dessa perda irreparável. Nunca, mas nunca mesmo, pude imaginar que qualquer mal pudesse acontecer a Miguel, muito menos a tragédia que se sucedeu. Te peço perdão. Não tenho o direito de falar em dor, mas esse pesar, ainda que de forma incomparável, me acompanhará também pelo resto da vida. Estou sendo condenada pela opinião pública como historicamente outros foram. As redes sociais potencializam o ódio das pessoas. Tenho certeza que a Justiça esclarecerá a verdade. Na nossa casa sempre sobrou carinho e amor por você, Miguel e Martinha. E assim permanecerá eternamente. Rezo muito para que Deus possa amenizar o seu sofrimento e confortar seu coração.”