SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mulheres, negros, jovens e nordestinos estão entre os mais atingidos pelo recorde de desemprego registrado em setembro, segundo dados da Pnad Covid, pesquisa criada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para mensurar os efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho e a saúde dos brasileiros.

Para especialistas, a aceleração do desemprego está ligada à redução e iminente fim do auxílio emergencial e à volta das pessoas à busca por emprego, com o relaxamento da quarentena. Ao atingir mais duramente os grupos já historicamente mais vulneráveis, o desemprego provocado pela pandemia deve agravar a desigualdade no país, avaliam os analistas.

A taxa de desemprego subiu de 13,6% em agosto para 14,0% em setembro, a maior da série histórica da Pnad Covid, com 13,5 milhões de desocupados. O IBGE só considera como desempregados pessoas que estão efetivamente em busca por trabalho, por isso o avanço da taxa foi amenizado no início da pandemia devido às medidas de isolamento e ao auxílio emergencial.

Entre as mulheres, a taxa de desocupação chegou a 16,9% em setembro, maior que a dos homens (11,8%). Há uma aceleração no desemprego feminino. Em agosto, a taxa de desocupação entre as mulheres era de 16,2% e a dos homens, de 11,7%.

Em maio, primeiro mês de realização da pesquisa, os percentuais eram de 12,2% e 9,6%. Assim, desde o início do levantamento, o desemprego entre mulheres cresceu 4,7 pontos percentuais, comparado a avanço de 2,2 pontos da desocupação entre os homens.

“A taxa de desemprego das mulheres é historicamente maior, mas o contexto de pandemia intensificou essa desigualdade entre homens e mulheres”, observa Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria.

O analista observa que a população ocupada feminina diminuiu em 1,7 milhão entre maio e setembro, de 36,1 milhões para 34,4 milhões. Enquanto a população ocupada masculina ficou praticamente estável, passando de 48,3 milhões e 48,6 milhões no mesmo intervalo.

Segundo Xavier, essa queda da ocupação entre as mulheres está ligada aos tipos de trabalhos mais atingidas pela crise. “O setor de alojamento, alimentação e serviços domésticos estão entre os mais duramente afetados e eles empregam muitas mulheres, ao mesmo tempo, cargos de diretoria e gerência são menos afetados e elas são minoria”, exemplifica Xavier.

Outro fator, segundo o especialista, é o cuidado com os filhos, que pode estar afastando mulheres do trabalho devido às escolas e creches ainda fechadas.

Por cor ou raça, a taxa de desemprego chegou a 16,1% entre pretos e pardos em setembro, aumento de 0,7 ponto percentual em relação a agosto, acima dos brancos, com taxa de 11,5%, estável em relação ao mês anterior. Em maio, a taxa de desemprego era de 12% entre pretos e pardos e de 9,2% entre brancos.

Por grupos de idade, os mais jovens apresentam taxas de desocupação maiores. A taxa é de 23,6% para pessoas de 14 a 29 anos de idade; de 10,8% para a faixa entre 30 e 49 anos; 8,9% entre 50 e 59 anos; e de 7,4% para pessoas com mais de 60 anos.

Por nível de instrução, a taxa de desemprego chegou a 6,6% para pessoas com ensino superior completo em setembro, abaixo dos 6,8% registrados em agosto. Em comparação, a taxa era de 14,6% para pessoas sem instrução ou com fundamental incompleto, de 18,6% para pessoas com fundamental completo, e de 15,8% para quem tinha ensino médio.

“Essa crise tem um potencial de aumentar a desigualdade muito grande”, observa Xavier. “Quem faz home office, quem é diretor e gerente, quem é profissional de ciência e intelectual -os grupos menos atingidos- são grupos em sua maioria ocupados mais por pessoas brancas, por homens, por pessoas de maior instrução.

“A desigualdade no desemprego está também nas regiões. No Nordeste, a taxa chegou a 16,9% em setembro, vinda de 15,7% em agosto e de 11,2% em maio.
Em seguida, estão Norte, com taxa de desemprego de 14,8% em setembro, Sudeste (14,2%), Centro-Oeste (12,1%) e Sul (9,8%).

“A redução do auxílio emergencial já sugere impacto pior sobre o desemprego no Nordeste e Norte”, observa Rodolpho Tobler, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

“Essa são as regiões que mais receberam auxílio. Além das pessoas estarem voltando a circular, também há uma pressão maior dos orçamentos familiares, quando as pessoas começam a ficar preocupadas com a redução e o fim do auxílio emergencial no final do ano e voltam a procurar emprego”, afirma.

“A atividade econômica não tem se recuperado tão rápido a ponto de absorver todas essas pessoas. Então há uma pressão na taxa de desemprego e a expectativa é que ela continue nos próximos meses.”

Segundo a Pnad Covid, o percentual de domicílios recebendo auxílio em setembro era de 59,8% no Norte e 58,8% no Nordeste, comparado a 43,6% na média nacional e 41,8% no Centro-Oeste, 36,9% no Sudeste e 30,5% no Sul. O valor médio recebido recuou de R$ 908 em agosto para R$ 894 em setembro.

Para o pesquisador da FGV, o perfil do aumento do desemprego também está ligado à última crise e sua recuperação baseada no trabalho informal. “Nosso mercado de trabalho, ao contrário dos outros países do mundo, vinha em um momento crítico ainda. Tivemos uma intensa recessão entre 2014 e 2016 e o mercado de trabalho vinha numa recuperação ainda frágil, muito puxada pela informalidade”, afirma.

“Esses são justamente os trabalhadores que mais sofreram na pandemia, porque, com a impossibilidade de circulação, elas não tinham a possibilidade de trabalhar. O auxílio emergencial contribuiu para amenizar esse efeito, mas uma recuperação mais forte da economia, com aumento do emprego formal, foi adiada pela pandemia.

“A Pnad Covid tem metodologia distinta da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, que mede a taxa oficial de desemprego do país e por isso os dados não são comparáveis. Mas a pesquisa tem sido acompanhada de perto pelo especialistas por ser divulgada com maior frequência do que a Pnad Contínua.

Em sua divulgação mais recente, a Pnad Contínua apontou para uma taxa de desemprego de 13,8% no trimestre encerrado em julho, com 13,1 milhões de desocupados.