ALEXA SALOMÃO E IDIANA TOMAZELLI / BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), tem a ambição de promover uma reforma estrutural numa área que considera limitada pela visão de curto prazo, a montagem do Orçamento federal. Uma de suas prioridades à frente da pasta é incluir projeções, olhando os anos adiante.
“É preciso ampliar um pouco esse horizonte, deixar de falar apenas de Orçamento anual e ter projeção de médio prazo -estou falando aí de quato anos”, afirma em entrevista à Folha de S.Paulo.
“Essa miopia orçamentária, essa visão de curto prazo, não está dando certo. Precisa ter uma visão de médio e longo prazo, porque não dá para pensar o país como se os problemas fossem anuais.”
Ao mesmo tempo, Tebet considera imprescindível implantar um sistema de avaliação dos gastos. A Secretaria de Avaliação e Monitoramento de Políticas Públicas, segundo ela, vai utilizar os melhores instrumentos internacionais para trazer essa prática ao Brasil.
“Vai atuar para que a gente possa definitivamente falar de qualidade de gastos públicos e implantar aquilo que há de mais moderno no mundo, obviamente adaptado à nossa realidade”, afirma. “Estou falando especialmente do ‘spending review’ [revisão de gastos, onde o desempenho de políticas públicas é avaliado para ver se estão cumprindo objetivos], que é uma boa prática internacional.”
Segundo ela, os efeitos dos atos de vandalismo do último domingo (8) exigem atenção também na economia, porque alimentam incertezas. Por isso, o governo está mais atento, especialmente na esfera política.
“Domingo mudou tudo, nos colocou em alerta, nós temos que dormir com os dois olhos abertos”, diz ela. “E nós estamos muito atentos.” Confira os principais trechos:
PERGUNTA – A sra. já definiu as prioridades, as de curto prazo, para este primeiro trimestre, e já teria uma grande meta maior para sua gestão, olhando o longo prazo, os quatro anos de governo?
SIMONE TEBET – Sim. A composição das secretarias fala por si só. Aí tem a primeira fotografia daquilo que nós queremos.
Acho que a Secretaria de Avaliação e Monitoramento de Políticas Públicas é a cereja do bolo. Vai atuar para que a gente possa definitivamente falar de qualidade de gastos públicos e implantar aquilo que há de mais moderno no mundo, obviamente adaptado à nossa realidade. Estou falando especialmente do ‘spending review’ [revisão de gastos], que é uma boa prática internacional.
Dentro da Secretaria de Orçamento e Finanças, a SOF, que todo mundo coloca como carro chefe do ministério, está Paulo Bijos. Um rapaz muito experiente, que vem do Congresso Nacional. Nela, basicamente, temos duas grandes prioridades.
A primeira é, em parceria com a Secretaria de Planejamento e em articulação com PPA [Plano Plurianual], começar a falar em orçamento de médio prazo. É preciso ampliar um pouco esse horizonte, deixar de falar apenas de Orçamento anual e ter projeção de médio prazo -estou falando aí de quatro anos. A gente vai ter que enfrentar um grande problema, que é a miopia que hoje existe, que é a visão de curto prazo,
A segunda prioridade é a revisão orçamentária periódica. A gente precisa trazer para o Brasil essa prática internacional. Sabemos que temos o apoio de outros órgãos, como Tribunal de Contas da União, o próprio STF [Supremo Tribunal Federal] já tem discutido essa questão.
Há sempre uma certa desatenção com essa questão da base orçamentária e sabemos que temos problemas a enfrentar, mas estamos muito otimistas porque chegamos ao fundo do poço, e uma situação adversa muitas vezes nos favorece, né?
P.- A sra. mesma falou, no Brasil a visão é mais imediatista. Como colocar na prática essa proposta de Orçamento de médio prazo?
ST- De duas formas. Primeiro, colocando a Secretaria de Orçamento para se articular com a Secretaria de Planejamento. Não vamos atuar com quatro caixinhas, ou seja, quatro secretarias isoladas.
A segunda é mostrar que essa miopia orçamentária, essa visão de curto prazo, não está dando certo. Precisa ter uma visão de médio e longo prazo, porque não dá para pensar o país como se os problemas fossem anuais. Eles se prolongam. E você não consegue pensar o país ao longo do tempo assim.
Nós temos uma determinação do presidente da República para que o PPA seja efetivamente participativo, e vamos cumprir à risca essa ordem.
Sabemos que o governo tem um viés social forte, e nós vamos colocar essa política social dentro do Orçamento. Ela tem que caber. O cobertor é curto, mas sabemos que é preciso remodelar o cobertor.
Eu confio nesse time. Eles estão prontos e sabem que quem ganhou a eleição foi o presidente Lula e que nós temos que nos adaptar e nos adequar dentro das nossas possibilidades.
P.- Orçamento participativo foi uma experiência bem-sucedida do PT na prefeitura de Porto Alegre. Como fazer um orçamento participativo funcionar no governo federal?
ST- Colocando a Leany Lemos para trabalhar. Ela foi secretária de Planejamento [na primeira gestão de Eduardo Leite] no governo do Rio Grande do Sul e também no DF [Distrito Federal]. Ela é nossa secretária de Planejamento no ministério.
Também já falei com o secretário-geral da Presidência da República [Márcio Macêdo] para, dentro da disponibilidade de cada um e do próprio governo, rodar o Brasil. Não sei se conseguiremos pessoalmente fazer todos os estados. Mas a discussão do Orçamento federal poderá se dar nas assembleias legislativas e outros fóruns competentes em cada estado.
P.- O CMAP [Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas] existe desde 2016, mas nunca conseguiu efetivamente incorporar esse processo ao Orçamento. Como vencer essa questão e também as resistências de uma parcela da esquerda, que interpreta a avaliação como um sinônimo de ajuste de gastos?
ST- Primeiro, a criação da da Secretaria de Avaliação e Monitoramento é um grande passo nesse sentido. Segundo, colocamos a pessoa certa no lugar certo. O professor Sérgio Firpo não é só um acadêmico nessa área, mas também tem uma experiência muito grande no tema. Já trabalhou inclusive para o Tribunal de Contas da União.
Há entendimento sobre a importância disso não apenas no Ministério do Planejamento, mas também na equipe econômica. Pode haver resistência de uma ala do Partido dos Trabalhadores, é natural que aconteça. Mas o governo federal hoje tem nos dado, através do ministro Fernando Haddad, sinais assertivos de que sabe que não há crescimento sustentável com um déficit de R$ 230 bilhões, mais de 2% do PIB [Produto Interno Bruto].
Nós temos que agir. Ou é isso, ou nós vamos estar falando daquilo que o próprio governo não quer: inflação alta, juros altos, que comem o salário do trabalhador, empurram a classe média para a linha da pobreza.
Quero deixar claro que, em todas as conversas que já tive com o ministro Haddad -e não foram poucas-, vi da parte dele e de sua equipe o objetivo de, no mínimo, zerar o déficit fiscal em 2023. Essa proposta de reestruturação fiscal é a primeira, e ele mesmo deixou claro que, se não conseguir chegar ao resultado almejado, outras poderão vir. Começou pela receita, mas no momento certo, depois de uma análise mais criteriosa com a nossa equipe, também [virão] outras medidas nas despesas também.
P.- Toda essa discussão perpassa a elaboração de uma nova regra fiscal. O Planejamento vai participar e já tem proposta?
ST- Nós acabamos de chegar e não temos uma proposta, mas, sim, vamos participar da elaboração da nova regra ou novo arcabouço fiscal, seja lá o nome que vamos dar.
Temos de falar de duas frentes. Uma é a do novo arcabouço fiscal e a outra trata de impulsionar, o mais rápido possível, a aprovação da reforma tributária.
Esse aspecto eu conheço relativamente bem, porque estava lá [no Congresso] já havia oito anos. Tenho que dizer que só não foi aprovada no Senado por pura inércia do ex-presidente [Jair] Bolsonaro. Ela estava madura para votar, mas, infelizmente, o ex-ministro da Economia, em vez de discutir reforma tributária pelo lado do consumo, forçou a mão em relação àquela reforma do Imposto de Renda. Ela mexia na tabela do Imposto de Renda, mas, no fundo, era para compensar esse déficit que surgiria. Ele [Paulo Guedes] queria implantar um imposto digital no Brasil -a antiga CPMF disfarçada com batom.
P.- A sra. foi uma das poucas candidatas que defendeu a manutenção do teto de gastos. Para o novo arcabouço, ainda defende o teto ou algum limite de gastos?
ST- Eu não posso falar nada sem conversar antes com o ministro da Fazenda e a equipe econômica. Não sou mais uma política, eu sou uma ministra de um governo que se sagrou vencedor nas urnas.
Quando eu tive a conversa com o presidente Lula [para assumir a pasta], foi exatamente nesses moldes. Ele sabe da minha divergência na área econômica, mas também da minha total convergência nos dois princípios que nos unem: a defesa intransigente da democracia e o cuidado absoluto com a cidadania.
Minha grata surpresa é encontrar um ministro da Fazenda que tem convergência com aquilo que eu penso. Tenho tranquilidade que seremos ouvidos quando formos chamados a discutir esse novo arcabouço fiscal. O teto de gastos já não existe mais. Foi furado diversas vezes. No final do ano passado, praticamente se extinguiu. E o presidente já disse que não quer o teto. Então, não tem mais o que se discutir em relação ao teto de gastos. Nós temos que discutir uma nova fórmula.
P.- Em seu discurso de posse, a sra. mencionou essa divergência, mas não chegou a detalhar. Seria a questão das privatizações, coisas desse gênero?
ST- Não, não é no sentido específico. Sou contra essas discussões: você é fiscalista ou desenvolvimentista? Acho sempre que a virtude está no meio. Sou a favor de privatizações, mas sempre refutei a ideia de privatizar bancos públicos ou a Petrobras, no que se refere à extração do pré-sal. Não gosto de me enquadrar em caixinhas, não acho que o mundo tem que ser binário.
[A discussão] É mais essa questão de colocar a responsabilidade com os gastos públicos. Mas a minha surpresa foi encontrar um ministro da Fazenda muito preocupado com a questão fiscal. Ele tem dito que para investir em educação, saúde, meio ambiente, nós vamos precisar resolver o problema do déficit, que é insustentável no Brasil.
P.- Há uma discussão sobre dar ou não um aumento adicional ao salário mínimo. Quando foi aprovado o Orçamento, a ideia era reajustar a R$ 1.320, e agora isso pode ter um custo adicional de R$ 7,7 bilhões. Como a sra. vê?
ST- Quando aprovamos a PEC no Senado, deixamos um espaço fiscal de quase R$ 7 bilhões para um possível aumento para R$ 1.320 do salário mínimo. Acontece que, no final do ano, diminuiu a fila da Previdência em milhares de aposentados. Por causa disso, esse espaço fiscal foi consumido. Essa é uma decisão política do presidente. Mas, se chegar a um valor maior que R$ 1.302, nós vamos ter que tirar de outro lugar, porque o teto de gastos ainda persiste, ainda que com vários subtetos e todo furado.
P.- Como vê a percepção de alguns grupos de que a sra. acabou ficando com um ministério desidratado, dado que boa parte das secretarias ficou na Gestão e houve o impasse em torno do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos)?
ST- Quando falei do PPI, queria saber se nós teríamos ingerência porque cabe a nós o planejamento. E o planejamento precisa ser global. Era só isso. Particularmente acho que desmembrar o Ministério da Gestão fez com que nós pudéssemos ser mais ágeis, mais eficazes, mais precisos nas nossas decisões.
Eu não vejo como esvaziamento. Vejo como uma forma de tornar eficiente a política pública. No Ministério da Gestão, além da questão de reajuste salarial, discussão com categorias, a Secretaria de Patrimônio da União tem mais de 700 mil imóveis espalhados por todo o Brasil. Ao dividir, isso só fez com que nossos olhos se voltassem para aquilo que é essencial: repensar o planejamento no Brasil, com o Orçamento de médio prazo e uma revisão periódica desse Orçamento.
P.- Lula venceu com a ideia de governo para todos. Mas a sra. aceitou o convite de João Doria para um evento em Portugal e causou mal-estar dentro do PT, principalmente após o dia 8, porque Doria, apesar de ter brigado com Bolsonaro, foi antes um opositor de Lula e apoiador de Bolsonaro. O governo para todos pode ser prejudicado pelos últimos acontecimentos?
ST- Não, de forma alguma. Primeiro que eu só disse que sim e que iria ouvir a Casa Civil, são quatro que foram convidados. Nem sei se vamos, isso não está acertado. É um primeiro mês difícil. A ordem do presidente, inclusive, é que a gente permaneça o máximo possível para trabalhar. Não acho que seja a questão Doria. Viajar ou não é por uma questão de instabilidade política. Domingo mudou tudo, nos colocou em alerta, nós temos que dormir com os dois olhos abertos. E nós estamos muito atentos.
P.- Para ficar vigilante em relação a quê?
ST- Vigilante em relação a esses ataques golpistas. Qualquer rebelião, maior ou menor, impacta a economia, cria incertezas, e nós vamos ter que estar atentos.
Nós demos uma demonstração cabal de que há uma união da frente ampla. Estiveram 27 governadores com o presidente Lula, e o Congresso Nacional deu uma resposta de imediato à intervenção federal.
Lamentavelmente, o ex-presidente [Jair] Bolsonaro deu a senha nos quatro anos de mandato, colocando parte da sociedade contra as instituições, contra o Judiciário, o Congresso Nacional, e também após a eleição, discutindo o resultado das urnas, de forma covarde saiu do Brasil e deixou lobos solitários.
Nós temos que nos preocupar, sim. Não vejo ameaça à democracia, muito longe disso, mas qualquer rebelião ou foco isolado que tenha precisa ser rapidamente debelado. Não é uma questão só do ministro da Justiça ou da Segurança Pública ou de forças nacionais. É uma responsabilidade de todos nós que estamos na vida pública.
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