Ao longo desses 40 anos como professor, por inúmeras vezes ouvi uma pergunta que tanto é “engraçada” quanto espantosa, qual seja: “professor o senhor trabalha ou só dá aulas?

Pois é, esse tipo de pergunta também é feito aos músicos, atores, artistas plásticos, entre outros. As questões que essa indagação suscita são basicamente duas:

  1. O que pode ou deve ser considerado como trabalho?
  2. Por que algumas profissões são mais ou menos valorizadas que outras?

Bem, não me dedicarei a essas complexas questões de forma direta, pois certamente as respostas não são tão simples e imediatas. Mas, podemos compreender que o principal componente para estabelecer essas valorações está na herança sociocultural que se construiu acerca do trabalho e dos trabalhadores.

Em muitas oportunidades, ao longo da história das sociedades humanas, a ideia de trabalho esteve ligada a algum tipo de castigo. A palavra trabalho deriva de tripallium, palavra do latim que identificava um instrumento de tortura composto por três paus.

Fonte: Revista Veja.

Na história bíblica, Adão e Eva, ao comeram o fruto proibido, foram expulsos do Jardim do Éden. Eva sofreria as dores do parto (trabalho de parto) e Adão teria que sustentar a si e aos seus com o suor do seu trabalho.

Na mitologia grega, Sísifo, com toda a sua esperteza, enganou os deuses. Porém, sua punição foi considerada pior que a morte, pois teria que passar a eternidade rolando uma grande rocha até o alto de uma montanha, de onde ela sempre voltaria a cair. Assim, Sísifo teria que recomeçar indefinidamente a sua tarefa. Os deuses condenaram Sísifo a uma eternidade de trabalho inútil, infrutífero e sem esperança.

Fonte: Correio Brasiliense

Ainda no campo da mitologia grega, o herói Hércules, tomado por um acesso de loucura provocado pelas tramoias da deusa Hera, assassinou sua esposa e seus três filhos. Após um período de isolamento ele voltou para recuperar sua honra. O oráculo de Delfos revelou que sua penitência, pelas mortes que havia realizado, seria executar doze trabalhos e servir por doze anos ao seu pior inimigo. Note-se que no caso desses trabalhos, aos quais Hércules foi submetido, não há uma natureza meramente punitiva, mas também redentora, ou seja, apesar das tarefas serem praticamente impossíveis, caso realizadas com êxito, elas permitiriam a restauração de sua honra.

Para os filósofos gregos socráticos, como Platão e Aristóteles, o trabalho era a expressão da miséria humana, pois estava vinculando as necessidades básicas e assim limitavam a liberdade. Dessa forma, essa deveria ser uma tarefa destinada aos homens inferiores, como os cativos e escravizados. Nesse sentido, aos homens livres caberiam as atividades artísticas, filosóficas e intelectuais, o chamado “ócio produtivo”.

Da mesma maneira, os antigos romanos se referiam ao trabalho, como algo vil, destinado aos derrotados nas batalhas e, portanto, inferiores. O homem de valor deveria se dedicar ao lazer e às atividades intelectuais. Talvez daí as raízes da ideia de que o professor “não trabalha, mas só dá aulas”.

Ainda mais curioso é constatarmos que a palavra ócio deriva do em grego “skole”, que por sua vez originou “schola” em latim e, finalmente, “escola” em nosso idioma. Assim, a escola não se identificaria como um local de trabalho, mas sim de ócio. Dessa forma, as práticas educacionais, artísticas ou intelectuais não seriam formas de trabalho. Como provocação, destaco aqui outra curiosa pergunta, que por vezes consta até nos formulários de pesquisas: “Você trabalha ou só estuda?”.

Fonte: E-Biografia

A tradição católica, durante o medievo na Europa Ocidental, reforçou a ideia de que o trabalho era penitência divina para o ser humano, mas haveria distinção nas funções de cada estrato social. Enquanto ao clero caberia cuidar das orações e salvação das almas, aos nobres a arte da guerra e a defesa dos seus domínios, aos camponeses e servos caberia o duro trabalho braçal diário.

O trabalho só seria resgatado como algo valoroso a partir do pensamento moderno burguês. No século XVI, em meio as reformas religiosas, o calvinismo entende que o trabalho não foi um castigo, mas sim, uma dádiva de Deus aos homens. O sucesso na profissão e a prosperidade econômica seriam sinais da predestinação divina para a salvação da alma. Já a ociosidade passou a ser compreendida como sinal da ausência da Graça Divina.

O pai do Liberalismo Econômico, o iluminista Adam Smith, publicou no século XVIII a obra “A Riqueza das Nações”, na qual considera que a origem da riqueza de uma nação.

No século XIX, Karl Marx passou a observar as relações de trabalho pela lente da ideologia socialista. Dedicou-se a analisar as desigualdades socioeconômicas e como elas se relacionam com a exploração que o dono do capital exerce sobre os meios de produção e a força de trabalho. Assim, Marx fundamentou o conceito de mais-valia, segundo o qual há profunda disparidade entre o salário pago ao trabalhador e o valor da riqueza por ele produzida.

As teorias de Marx foram construídas em um contexto de reação dos trabalhadores aos baixos salários e péssimas condições de trabalho e de vida social. Nessas reações se encaixam o Ludismo, o Cartismo e a organização das Trade-Unions.

O Ludismo foi o movimento dos “quebradores de máquinas”. No início do século XIX os trabalhadores culpavam o avanço técnico e as máquinas pelo desemprego e condições de trabalho precárias. Assim, invadiam as fábricas e destruíam as máquinas e equipamentos.

A pouca eficácia do movimento ludista levou ao seu declínio. A partir dos anos 1830 os trabalhadores estruturaram o Cartismo. Por meio de carta reivindicatórias os trabalhadores passaram a exigir não só direitos trabalhistas, mas também direitos políticos. Efetivam-se também as Trade-Unions, que firmaram as bases para a organização dos primeiros sindicatos.

O que se pode observar, em todo esse processo, é que se o pensamento burguês passou a valorizar o trabalho como valor moral e gerador de riquezas, o mesmo não ocorreu em relação aos trabalhadores. Nesse quadro, os conflitos foram inevitáveis.

Na cidade de Chicago-EUA, em 1º de maio 1886, milhares de trabalhadores se manifestaram nas ruas. Eles reivindicavam, principalmente, a redução da jornada de trabalho, de treze para oito horas diárias. Essas manifestações descambaram para uma grande greve geral dos trabalhadores nos EUA. Com o passar dos dias os conflitos com as forças policiais se intensificaram e uma bomba provocou a morte de sete policiais, no dia 04 de maio. As ações repressivas recrudesceram levando a morte de vários manifestantes e muitos feridos.

Fonte: Ambiente Legal

No dia 20 de junho de 1889, quando a Segunda Internacional Socialista se reuniu em Paris, decidiu-se homenagear os trabalhadores que morreram nos terríveis eventos de Chicago, com a definição do dia 1º de maio como o Dia Internacional dos Trabalhadores.

Com o avanço dos movimentos trabalhistas gradualmente os governos de vários países foram incorporando a data ao seu calendário de feriados. Aqui no Brasil, diferentemente do que muitos possam imaginar, a data não foi efetivada por Getúlio Vargas, mas sim pelo governo de Artur Bernardes, em setembro de 1924, durante a República Velha.

Bem, para além do feriado, seguimos na busca pelo respeito e dignidade para todos os trabalhadores e trabalhadoras, independentemente do ofício que exerçam. Os desafios que se apresentam são muitos.

Em meio a chamada Revolução 4.0, em que os avanços tecnológicos ocorrem em ritmo acelerado, nem todos estão capacitados para acompanhar o mundo profissional da era digital. Surgem novas profissões, mas por outro lado, muitas outras tendem a desaparecer. Essas novas circunstâncias têm sido agravadas pela pandemia, por guerras, crises migratórias e humanitárias. Todas essas questões afetam as economias de variados países e têm repercutido em uma preocupante precarização das relações de trabalho e na redução das garantias previdenciárias.

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