Arthur Barcelos
Arthur Barcelos
Apaixonado por futebol e geopolítica, é o especialista de futebol internacional da Sagres e neste espaço tem o objetivo de agregar os dois temas com curiosidades e histórias do mundo da bola.

Union Berlim: dos escombros da Alemanha Oriental ao topo da Bundesliga

Há quase 33 anos, na noite de 9 de novembro de 1989, um evento mudou profundamente a história. A queda do Muro de Berlim, construção que por 28 anos dividiu a capital germânica entre a República Federativa da Alemanha e a República Democrática da Alemanha, marcou o início da reunificação alemã.

Três décadas depois, um clube do lado oriental de Berlim tem dado o que falar na Bundesliga, a primeira divisão do Campeonato Alemão de futebol. Incipiente durante quase toda a sua história, o Union Berlim é o líder da competição com louros após 10 rodadas. Reflexo de um crescimento sustentável do clube.

No domingo passado (16), o time berlinense venceu com autoridade o Borussia Dortmund por 2 a 0 e se manteve na liderança, à frente do poderoso Bayern de Munique, atual decacampeão da liga alemã. Neste domingo (23), acabou derrotado pelo Bochum e a vantagem caiu para um ponto. Em 11 jogos, o Union venceu sete, empatou dois e perdeu apenas dois, com 23 pontos somados.

O início arrebatador da equipe pegou muitos de surpresa, principalmente pela posição de vantagem sobre clubes tradicionais da Bundesliga, dominada na última década pelo Bayern, e colocou o Union ainda mais em evidência. Afinal de contas, não é de hoje que os Eisernen (“os ferreiros”, em tradução livre) têm chamado a atenção.

Esta é apenas a quarta temporada do clube na primeira divisão alemã, e desde então tem melhorado cada vez mais. Na estreia, em 2019/20, foi o 11º colocado, com 41 pontos. Em 2020/21, somou nove pontos a mais, na 7ª posição, classificado para a Liga Conferência. Na última época, terminou no 5º lugar, a um ponto da Liga dos Campeões.

Sem dispor de altos investimentos, e com constantes reformulações do elenco após as saídas de seus destaques, o crescimento consistente da equipe tem a cara do treinador suíço Urs Fischer. Desde 2018 no Union, ajudou o clube a conquistar o acesso inédito e consolidou o time na elite do futebol alemão.

Desde 2018 no clube, o treinador Urs Fischer é um dos ídolos da torcida do Union Berlim (Foto: Divulgação/1. FC Union Berlin)

Outro forte aliado dos Eisernen são os apaixonados torcedores. Em 56 jogos como mandante na primeira divisão, foram apenas nove derrotas no modesto Alten Försterei, estádio com capacidade para pouco mais de 22 mil lugares. Nesta temporada, ainda não foi derrotado em casa, e tem sido um anfitrião indigesto para os gigantes.

Inclusive, somente a partir deste ano o Union foi permitido a jogar em casa nas competições internacionais, após a Uefa voltar a permitir setores sem cadeiras em seus torneios. Em outras experiências em copas europeias, a equipe teve que jogar no estádio Olímpico de Berlim, que acabou tomado pelo vermelho da torcida.

O sucesso recente do Union significa também o fim de um longo período de subordinação dos clubes da antiga Alemanha Oriental. Quando subiu para a Bundesliga em 2019, se tornou o primeiro clube do leste de Berlim a disputar a primeira divisão, e apenas o quinto que participou da extinta Oberliga – o campeonato da RDA.

Entre idas e vindas, Dynamo Dresden, Hansa Rostock, VfB Leipzig e Energie Cottbus nunca conseguiram se consolidar no topo da pirâmide do futebol alemão após a reunificação. Em seu quarto ano seguido na Bundesliga, e agora líder da competição, o Union quebra paradigmas históricos na Alemanha.

Faixada do estádio An der Alten Försterei, casa do Union Berlim (Foto: Divulgação/1. FC Union Berlin)

Fundado em 1906, nasceu como FC Olympia 06 Oberschöneweide, localizado no município da região leste de Berlim. Quatro anos mais tarde, incorporou Union pela primeira vez no nome, após fusão com um clube tradicional da capital. Com o time dominado por estudantes, passou a se vincular com a classe operária da cidade.

Logo as primeiras referências do clube se consolidaram, como a camisa pintada na cor azul, em alusão ao uniforme dos operários, além do apelido “os ferreiros”. Na época, a Alemanha ainda não tinha profissionalizado o futebol, e não existia um campeonato nacional. Nos torneios locais, o Union gozou de um certo sucesso.

De toda forma, durante a Alemanha Nazista, o clube entrou no ostracismo diante da estrutura definida pelo Terceiro Reich para o futebol nos anos seguintes. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o país acabou dividido, e o Union também. Do lado ocidental da cidade, dissidentes fundaram o Union 06 Berlim.

Na parte leste de Berlim, o Union seguiu aos trancos e barrancos, com diversas mudanças em sua estrutura. Somente em 1966, cinco anos desde a construção do muro que passou a dividir os berlinenses, o clube adotou o nome que utiliza até hoje – 1. FC Union Berlin -, já na época caracterizado pelo vermelho ao invés do azul.

De origem popular e operária, o Union caiu no gosto dos berlinenses orientais como uma alternativa aos clubes controlados pelo poder público da República Democrática Alemã, em especial o Dynamo Berlim, ligado à Stasi, polícia secreta e serviço de inteligência da RDA, que se tornou uma potência e dominou a Oberliga nos anos 1980.

Abraçado pela população insatisfeita com o regime, embora não fosse de fato identificado com a resistência, inclusive com laços com o governo socialista – Dirk Zingler, presidente do clube desde 2004, já fez parte da ala paramilitar da Stasi -, o clube conseguiu estabilidade no campeonato, e desde então passou a lotar seu estádio.

Com o apoio da apaixonada torcida, o Union Berlim tornou o Alten Försterei um caldeirão indigesto para os grandes clube da Alemanha (Foto: Divulgação/1. FC Union Berlin)

A partir da reunificação alemã, quando, em 1990, a Oberliga foi extinta e apenas dois clubes tiveram acesso direto à Bundesliga, o Union teve que escalar a pirâmide do Campeonato Alemão a partir da terceira divisão, e o clube não teve grande sucesso nas duas décadas seguintes, acumulando problemas administrativos e pouco sucesso esportivo.

Menos de três meses após a queda do Muro de Berlim, o time enfrentou o Hertha Berlim pela primeira vez, em um amistoso para mais de 52 mil pessoas no estádio Olímpico. Os clubes, que se tornaram as duas principais forças do futebol berlinense a partir de então, voltariam a se enfrentar apenas em 2010, pela segunda divisão.

A rivalidade com o Hertha é recente, já que somente a partir de 2019, com o acesso do Union à elite do futebol alemão, é que as equipes passaram a se enfrentar com maior frequência. Com gestões antagônicas, já que o clube do oeste de Berlim possui um grande investidor por trás, o sucesso recente dos Eisernen inverteu a grandeza.

Na primeira temporada do Union na Bundesliga, os times terminaram empatados, com o Hertha à frente pelo saldo de gols. Nos dois anos seguintes, o Union esteve sempre à frente: 7º contra 14º em 2020/21 e 5º contra 16º em 2021/22, quando o Hertha escapou do rebaixamento na repescagem. Neste ano, é o 15º, com 15 pontos a menos.

Autor de seis gols em 10 rodadas na Bundesliga, o surinamês Sheraldo Becker é o protagonista do Union Berlim (Foto: Divulgação/1. FC Union Berlin)

Mas a história nem sempre foi assim. Os primeiros anos na Bundesliga foram duros para o Union, que perdeu apoio da torcida e esteve próximo da falência. Com um grande apelo popular, atraiu a atenção da mídia e de grandes patrocinadores, que ajudaram o clube a emendar boas temporadas e subir para a segunda divisão em 2001.

No mesmo ano, o time disputou a final da Copa da Alemanha, derrotado pelo tradicional Schalke na decisão, com a classificação assegurada para a Copa Uefa, quando disputou um torneio internacional pela primeira vez. No entanto, o clube não administrou bem a fase, e os problemas financeiros se tornaram ainda mais graves.

Rebaixado à quarta divisão em 2004, acabou salvo pela torcida, que voltou a abraçar o clube rumo à uma escalada para o topo do futebol alemão. Desta vez, administrado de forma equilibrada por Dirk Zingler e companhia. De toda forma, sem jamais deixar de ser ambicioso, e agora ilusionar os fanáticos torcedores.

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