“Criado-mudo’, “inveja branca”, “denegrir”. Provavelmente você já usou ou conhece quem fale uma dessas expressões. Muitos não sabem, mas essas frases e palavras são racistas. Termos que o Brasil acostumou a repetir e que precisam deixar de ter voz. O Sagres Online conversou com o linguista, advogado e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), Carlos André Pereira Nunes, que explicou esses vícios errantes, tão naturalizados, mas que precisam ser banidos.

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A etimologia é o estudo da origem e evolução das palavras. Ao longo dos anos, expressões com referências a negros surgiram e ganharam espaço. Hoje, algumas são ditas em tom de “brincadeira” e outras até sem a percepção da conotação racista. O professor acredita que o Brasil usa esses termos por falta de reflexão nas próprias escolas.

“O processo educacional muda a percepção das pessoas. Então, se na escola não há uma reflexão nas aulas de Língua Portuguesa a cerca do que tem por trás de um determinado discurso, não resta menor dúvida de que isso vai se perpetuar. E isso se chama racismo estrutural. Nós não percebemos que criamos o racismo e normalizamos”, explica.

Carlos cita algumas expressões que aparentemente não são ofensivas, mas carregam conotações racistas. “Quando alguém diz ‘cor da pele’ pra uma determinada maquiagem, por exemplo, há a delimitação de que existe apenas uma cor de pele. Cor é substantivo e pele é uma locução adjetiva. Então, quando alguém diz ‘esse tom é cor da pele’, geralmente é a cor branca. A tendência é de que seja a cor branca. Mas e quem tem a pele negra? não seria também ‘cor da pele’?”, questiona.

Aspectos de conscientização podem mudar essa realidade e isso é responsabilidade civil e governamental, afirma Carlos André. “Não só ações do governo, mas também na escola, na família, entre os amigos. De maneira que esses termos sejam erradicados. É preciso demonstrar a necessidade de consciência de não usar esses termos”.

CONHEÇA 10 TERMOS RACISTAS E SEUS SIGNIFICADOS:

  • “A coisa tá preta”:  A fala se reflete na associação entre “preto” e uma situação desconfortável, desagradável, difícil, perigosa. Pode ser substituída por: ‘A situação está difícil’.
  • “Denegrir”: Sinônimo de difamar, possui na raiz o significado de ‘tornar negro’, como algo maldoso e ofensivo, ‘manchando’ uma reputação antes ‘limpa’. Pode ser substituída por: ‘Falar mal’
  • “Inveja branca”: Expressão que associa o negro ao comportamento negativo. Inveja é algo ruim, mas se ela for branca é suavizada.
  • “Criado-mudo”: O nome do móvel que geralmente é colocado na cabeceira da cama vem de um dos papéis desempenhados pelos escravos dentro da casa dos senhores brancos: o de segurar as coisas para seus “donos”, ao lado da cama durante a noite inteira. Como o empregado não poderia fazer barulho, ele era considerado mudo. Substitua por: Mesinha lateral ou mesinha de cabeceira.
  • “Doméstica”: Domésticas eram as mulheres negras que trabalhavam dentro da casa das famílias brancas e eram consideradas domesticadas. Isso porque os negros eram vistos como animais e por isso precisavam ser domesticados através da tortura. Substitua por: Diarista ou secretária do lar.
  • “Cabelo ruim ou cabelo duro”: São falas racistas mais usadas, principalmente na fase da infância, pelos colegas. No entanto, elas se perpetuam até a vida adulta. Falar mal das características dos cabelos Afro também é racismo.
  • “Feito nas coxas”: A origem da expressão popular “feito nas coxas” deu-se na época da escravidão brasileira, onde as telhas eram feitas de argila, moldadas nas coxas de escravos.
  • “Preto de alma branca”: Tentativa de elogiar uma pessoa preta fazendo referência à dignidade dela como algo pertencente apenas às pessoas brancas.
  • “Serviço de preto”: O termo faz referencia a uma tarefa malfeita, realizada de forma errada, em uma associação racista ao trabalho que seria realizado pelo negro.
  • “Mulata”: O substantivo vem de MULA, um animal derivado do cruzamento entre um burro e uma égua. As filhas de homens brancos com mulheres pretas foram chamadas assim. Ao redor desse termo, também ronda todo um imaginário de hipersexualização das mulheres pretas – sendo o auge disso a expressão “mulata exportação”, utilizada para objetificá-las completamente aludindo ao tráfico humano.