“Vidro”: Samuel L. Jackson, James McAvoy e Bruce Willys estão no longa de M. Night Shyamalan. (Foto: divulgação/internet)

Não é spoiler para ninguém que o novo filme de M. Night Shyamalan, “Vidro”, é o encerramento de uma trilogia que conta ainda com “Corpo Fechado” (2000) e “Fragmentado” (2017). Ou seja, logo de cara, o conselho é para que se você quer aproveitar o último filme, assista antes os primeiros.

É preciso dizer isso porque o primeiro capítulo, com Bruce Willys e Samuel L. Jackson, foi encerrado há 19 anos! E quem assiste “Fragmentado” só vai perceber a ligação na última cena – literalmente. Dai o grande e primeiro defeito de “Vidro”: quebra de expectativa.

Veja bem, Shyamalan não precisava ter retomado um filme de 18 anos atrás se não fosse para fazer algo espetacular, algo que compensasse. Afinal, tanto o filme de 2000 quanto o de 2017 funcionam muito bem sozinhos! Podem tranquilamente ser assistidos de maneira independente. Então, com o anúncio de que pertenciam a um universo só, veio a enorme expectativa para esse capítulo final. Então, vamos fazer aqui uma breve retrospectiva dos filmes anteriores, para que possamos nos deter a uma análise mais acertada do último filme. Sem spoilers, sempre!

 

“Corpo Fechado” (2000)

Aqui, conhecemos David Dunn (Bruce Willys), um cara comum que sobrevive sozinho e ileso a um acidente que matou mais de 130 pessoas. A trágica coincidência começa a gerar desconfiança quando Dunn é procurado por Elijah Price (Samuel L. Jackson), um excêntrico aficcionado em quadrinhos que lhe diz que ele é um ser com poderes especiais.

O filme é a legítima jornada do herói se descobrindo, e termina fechadinho. Price se revela um lunático e vai parar no manicômio, mas não sem antes comprovar sua tese a Dunn. Para a época (e ainda hoje), foi um filme de super-herois completamente fora do convencional, sem raios laser, capas, uniformes e gente esquisita. Corta para 2017.

 

“Fragmentado” (2017)

Nesse filme, conhecemos Kevin Crumb, interpretado magistralmente por James McAvoy. Kevin sofre de um transtorno de múltiplas personalidades, e carrega na própria mente 24 figuras inusitadas – de crianças a madames – dentre elas a “Horda” ou a “Besta”, uma personalidade animalesca que chega a influir em sua estrutura física. E Crumb sequestra três garotas do colegial para um sacrifício. Uma delas, Casey (Anya Taylor-Joy), consegue uma conexão especial com Crumb, o que provoca o desmanche dos planos do lunático.

No final do filme, Casey é poupada, Crumb desaparece, numa típica produção de final aberto. Tava funcionando legal. Mas aí, aparece David Dunn num balcão de lanchonete, acompanhando os noticiários sobre o psicopata desaparecido. Plateia do cinema em polvorosa.

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Elijah Price, Kevin Crumb e David Dunn: mereciam um roteiro melhor. (Foto: divulgação/internet)

“Vidro” (2019)

Entendeu por que a expectativa alta, né? Fragmentado estabeleceu um link completamente inesperado entre dois grandes filmes, inicialmente sem nada que os unisse. E considerando o grande heroi do primeiro filme, e o grande vilão do segundo, todo mundo ficou louco para que esses quatro personagens se pegassem: David Dunn, Kevin Crumb, Elijah Price (o Mr. Glass) e Casey.

A primeira parte de “Vidro” (cujo nome original, “Glass”, é sensivelmente mais sonoro) entrega o que prometeu. Vemos um grande embate, e aqui as características básicas do cinema de Shyamalan surgem. Tem suspense, tem uso de câmeras inusitadas, tem exploração das cores, tudo bem dosado. A construção do clima do filme é muito boa.

Mas aí entra o segundo ato e a fita perde sensivelmente em ritmo e interesse. Porque em vez de trabalhar os embates e perseguições entre os personagens, Shyamalan prefere jogá-los num embate psicológico com a adição de uma outra personagem, a doutora Ellie Staple (vivida por Sarah Paulson), uma psiquiatra especializada em tratar pessoas que acham que são super-herois. Olha, vou confessar, foi difícil segurar o sono.

Mas não teria problema se o final compensasse. Porque era o final de uma trilogia. E se o Shyamalan resolveu ressuscitar um filme de 2000 que já havia cumprido sua missão na Terra, decerto que era porque tinha algo a dizer. Ledo engano.

Bom, não vou contar mais do que isso. No resumo geral, “Vidro” é um bom filme, mas a alta expectativa acabou tornando a experiência frustrante. Shyamalan não honra seus personagens como deveriam – Bruce Willys e Samuel L. Jackson tem pouco tempo em tela, em cenas frágeis e que deixam muito a desejar, e Anya Taylor-Joy nem deveria ter sido escalada, por que sua personagem não acrescenta nada – e definitivamente não satisfaz a saudade e a curiosidade dos fãs em reencontrá-los (tudo bem que James McAvoy dá outro show de atuação e rouba praticamente todas as cenas em que participa, mas…). A conclusão também é pouco satisfatória, já que o grande plano de Mr. Glass se revela de baixas pretensões, frágil e sem a força que os ideais de um grande vilão mereceriam.

Tecnicamente é um filme muito bem executado. Mas as falhas de roteiro – principalmente no segundo ato (de dormir) e na conclusão demonstram que Shyamalan poderia ter deixado as coisas como estavam. David Dunn, Elijah Price e Kevin Crumb saem bem mais fracos do que foram concebidos. Vá ao cinema e confira por si mesmo.