Um escândalo de grandes proporções abalou a confiança dos brasileiros no sistema de seguridade social. Em 2024, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi alvo de mais de 742 mil denúncias de descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas. As suspeitas apontam para um esquema de corrupção envolvendo entidades privadas, servidores públicos e, segundo investigações da Controladoria-Geral da União (CGU), até o ex-presidente do órgão.
“A maioria absoluta dos entrevistados afirmou nunca ter autorizado os descontos”, revelou o ministro da CGU, Vinícius Marques. “Na nossa auditoria, ouvimos 1.300 aposentados e mais de 90% disseram desconhecer completamente qualquer vínculo com as entidades que apareciam nos contracheques.”
As investigações demonstram que os descontos eram repassados a associações privadas, muitas delas fictícias ou sem qualquer estrutura para prestar os serviços prometidos, como assistência jurídica, convênios de saúde ou benefícios funerários. “Em 72% dos casos, as entidades nem sequer apresentaram ao INSS a documentação obrigatória para realizar os descontos”, completou o ministro.
Esses valores, muitas vezes pequenos e imperceptíveis, comprometem uma parcela significativa da renda de aposentados e pensionistas — justamente o público mais vulnerável e dependente do benefício mensal para sobreviver. “Alguns só descobriram o desconto no momento da entrevista. Outros achavam que era uma cobrança obrigatória, como acontece com o INSS ou FGTS para trabalhadores da ativa”, explicou Marques.
Impacto legal
Para entender o impacto legal e social da situação, o programa Pauta 1, do Sistema Sagres, ouviu o advogado e professor universitário Fabier Rezio, especialista em Direito Previdenciário. “Quando falamos em fraude, não falamos apenas de um crime financeiro. Falamos de vidas. De pessoas que trabalharam décadas e agora têm sua renda violada por um sistema que deveria protegê-las”, afirmou.
Segundo Rezio, a credibilidade do INSS, já abalada por anos de dificuldades operacionais, sofre mais um golpe. “Essa fraude abala a confiança da população no sistema. Para cada benefício fraudado, há um benefício legítimo que pode ser negado amanhã. Isso desestimula o cidadão a continuar contribuindo”, alertou.
O especialista também destacou que os prejuízos vão além do indivíduo. “O impacto é coletivo. Toda a estrutura da seguridade social é comprometida. Assistência, saúde, previdência: tudo depende desses recursos. Quando há fraude, há freio no repasse, e quem sofre é quem mais precisa.”
Questionado sobre como tais entidades privadas conseguiram acesso aos dados dos beneficiários, Rezio foi direto: “Há indícios claros de vazamento de dados, inclusive com envolvimento de servidores do próprio INSS. Infelizmente, essa prática não é nova. Já vínhamos denunciando judicialmente descontos indevidos há anos.”
O advogado lembrou ainda que, além da devolução dos valores, os aposentados prejudicados têm direito à reparação moral. “Estamos falando de verba alimentar. Quando essa renda é violada, o dano é profundo. Não é apenas financeiro. É psicológico, emocional, social.”
A CGU promete aprofundar as investigações e o governo federal estuda medidas para evitar novos casos. Entre elas, a criação de uma plataforma digital que permitirá ao beneficiário acompanhar em tempo real qualquer desconto feito no seu benefício.
Segundo o advogado, o problema não está na legalidade dos empréstimos em si, mas sim na forma como os dados dos segurados foram acessados e utilizados por instituições financeiras fraudulentas. “O simples fato de termos a possibilidade do empréstimo não é irregular, ela é legal, atestada pela lei. O problema é o vazamento desses dados para essas empresas fraudadoras, que sequer têm qualquer tipo de estrutura para isso”, explicou.
Essas entidades ilegais se aproveitam de um sistema falho, que permite descontos diretos na aposentadoria sem o devido consentimento do beneficiário. A situação atinge majoritariamente pessoas humildes e idosas, que muitas vezes não têm sequer acesso à própria conta no portal Meu INSS.
Diante da gravidade do caso, o governo federal anunciou medidas para reparação dos valores desviados, embora ainda não tenha detalhado como o ressarcimento será feito. O presidente Lula, segundo fontes do governo, pressiona por uma devolução rápida, que deverá ser realizada diretamente na conta do segurado — e não via PIX, como alertado. “É importante destacar que não vai ser em conta via PIX, porque já há atuação de aproveitadores que estão lançando falsas informações para aplicar novos golpes”, advertiu o especialista.
A fraude também causou reações políticas imediatas: o então presidente do INSS foi demitido e o ministro da Previdência, Carlos Lupi, pediu exoneração. O episódio levou o PDT a se afastar da base do governo federal. “Além das mudanças políticas, há uma questão de reparação. O governo se manifestou destacando que essa reparação vai ocorrer”, destacou o professor.
Para evitar novas vítimas e reconstruir a confiança na instituição, o caminho proposto é baseado em três pilares: prevenção, punição e educação. “A partir da verdade, da transparência e da informação, é possível reconstruir a credibilidade. E isso só acontece com fiscalização, cruzamento de dados e educação do cidadão para que ele acompanhe e fiscalize sua própria situação previdenciária”, destacou.
Como forma de contribuir com a população, o professor lançou uma cartilha de utilidade pública com orientações práticas. O passo a passo inclui: acessar o extrato do benefício, verificar a origem dos descontos, registrar boletim de ocorrência, solicitar a devolução no portal do INSS e, em caso de dúvidas, buscar apoio jurídico. “Aqueles que não têm conhecimento técnico devem buscar um advogado de confiança. É uma questão sensível e que precisa ser tratada com rigor”, pontuou.
Por fim, ele reforça a importância da denúncia: “Cada fraude não combatida reflete na nossa omissão e afeta diretamente quem mais precisa do benefício. Se você percebeu algo errado, denuncie à ouvidoria do INSS pelo número 135”.
Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas: ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes.