Quando o governador Marconi Perillo (PSDB) transfere simbolicamente de Goiânia para a Cidade de Goiás a sede do governo e diz que não está em campanha, é claro que ele está em campanha.
A transferência é já uma tradição. Foi instituída por Mauro Borges quando no governo, em 1961. Estranho seria Marconi não fazer isso.
E, pensando como candidato, pouco inteligente seria ele trocar o ato solene, marcante, por uma caminhada, um comício, uma reunião, um movimento qualquer de campanha neste final de julho. O foco da população ainda não é a urna; é o Araguaia.
Na Cidade de Goiás Marconi tem tudo que precisa para estar em campanha sem estar, sem precisar admitir que está.
Ele tem a atenção da mídia. Tem a liturgia do cargo. Tem a história a seu favor. Tem discurso para falar bem do Estado, dos goianos.
Tem muitas homenagens para fazer. Homenagens mexem com famílias, orgulho, sentimentos profundos. E tem palanque para dar o recado que quiser para a mídia estadual.
Subliminarmente, escancaradamente, estrategicamente, o governador Marconi Perillo ser governador neste momento é o melhor ato de campanha que o candidato à reeleição Marconi Perillo poderia ter.
Como seria estranho se Iris Rezende (PMDB), Vanderlan Cardoso (PSB), Antônio Gomide e os outros candidatos ao governo largassem suas agendas para ir a Cidade de Goiás se encontrar com o governador só porque a sede do governo foi transferida de forma temporária para lá.
Os atos de campanha não são iguais para todos. Iris tem sua agenda. Vanderlan tem sua estratégia. Gomide tem sua visão.
Eles não podem perder tempo. Se o adversário comum está sob os holofotes oficiais, aí é que precisam se virar para se apresentar ao povo. Parar na reclamação é perda de… eleição.
Quem está no poder, usa o poder a seu favor mesmo quando está em casa, com gripe, vendo TV. Querendo ou não querendo. Vantagem competitiva garantida pelas regras do jogo.
Não dá para querer que Marconi Perillo seja candidato sem ser governador. Para isso, ele precisaria ter renunciado. Como a Constituição não o obriga, ele tem sua razão.
Relatividade das coisas
Parece simples compreender isso, mas nem tanto. A prática mostra que o óbvio, o simples, o estabelecido, tem funcionado, para muitos, não como o óbvio, simples e estabelecido, e sim como uma afronta.
O que é um jogo, em certo sentido uma guerra, vira o fim do mundo. E tome bomba atômica!
Em vez de fim do mundo, melhor seria dizer, sobre tudo: é o fim da picada!
Está faltando bom humor nestas eleições.
Está faltando relativização na vida dessas pessoas que querem acabar com tudo que de repente passa a ser visto como obstáculo para se dar bem – ou continuar a se dar bem.
Até parece que não há hipocrisia no processo eleitoral brasileiro, goiano. Todos se arvoram protagonistas de uma moral interplanetária. Vira uma sociedade versus sociedade: a que é contra a que pensa ser.
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Esquecem que a vida é feita de atritos; eleição, também. Que um pouco de dialética antes e após as refeições não faz mal a ninguém; durante, idem.
Dizer que o governador está em Goiás fazendo campanha é afrontar o cidadão Marconi Perillo? Que ele faz agenda de campanha com sua agenda de governador, é igualmente acinte?
Engraçado como a obtusidade humana – olha o discurso! –acaba fechando os olhos ao elogio que uma crítica comumente carrega em seu bojo. Fazer o quê?
As reações do comando de campanha de Marconi Perillo a qualquer comentário como este – o governador é candidato o tempo todo, mesmo dizendo o contrário – deixam claro que, com eles, o contraditório é mera contradição.
Querem mais é que o autor da ‘crítica’ receba fulminante execração pública, por ofender uma divindade inatacável. Sentença irrecorrível por dizer a verdade. Onde já se viu isso, em Goiás, e numa hora dessas?!
Pois nada ofende mais que exatamente esta reação. Ofende o bom senso, ofende a direito à liberdade de pensamento e à opinião. Ofende o senso do óbvio ululante. Ofende a inteligência, por inegável, sem ser inacreditável. Parte de um todo, eis o que é.
Ofende tanto que faz rir, pelo ridículo que arrasta junto. Quem ainda tem medo de Marconi Perillo?
Iris Rezende ser criticado porque repete um discurso que era atual vinte anos atrás, mas que está fora de época, agora, não é desrespeitá-lo.
Iris sempre foi um orador elogiado. De arrebatar plateias. Ter dificuldades de encontrar o tom exato hoje não quer dizer que ele não encontrará, ou que isso o elimina como candidato, por exemplo.
Quer dizer que está assim, e que assim não agrada. Falar “ou ele muda, ou pode perder repetindo-o”, é apenas ressaltar o que está a olho nu. O mais é resultado de urna.
E como podem se ofender Vanderlan e Gomide quando alguém diz que eles não têm estrutura, não saem do lugar nas pesquisas e que suas chances de vitória são pequenas, neste instante? Pois é o que é. Quando a realidade mudar, muda a visão. E o comentário.
Santa guerra
Em Goiás os ânimos estão exaltados não é de agora.
A coragem (segundo uns), ou a petulância (segundo outros), de escancarar o jogo dos candidatos é elevada a crime de lesa-pátria por torcedores apaixonados.
Isso faz com que os ataques, diretos e indiretos, dos bunkers dos candidatos sejam duros, às vezes baixos, sem medida, golpes contra o senso comum. Ah: e não há santos nesta guerra insana.
Pouco adianta o governador pregar que defende campanha de alto nível se os seus aliados, nas redes sociais, de forma anônima na maior parte do tempo, atacam sem dó adversários que, por sua vez, também atacam e contra-atacam?
Pouco adianta a oposição chorar, se a recíproca acaba por ser igual. O que leva a eleição a um lugar comum: chumbo trocado não dói.
Os soldados dos candidatos estão todos armados até os dentes dos teclados. Em luta renhida, ‘duela a quiem duela’!
É nessa hora que mais faz falta o tal do bom humor.
Alguns sites e perfis são exemplares. Em muitos momentos, são ferinos. Em outros, raivosos.
Quando ferinos, são engraçados, espirituosos, bem humorados. Dá gosto ver, mesmo quando se é o alvo. Quem não respeita e até admira a inteligência pura? (rsrs)
Quando apenas destilam veneno, rancor, raiva, aí perdem a graça. Graça, de esplendor. E a outra graça também.
Curioso como os sentimentos, nessas ocasiões, se misturam e transbordam.
As ações e reações são fundamentadas em pressupostos que poderiam ser resumidos na velha máxima “se eu faço, é o bem; se outro faz, é o mal”.
Julgamentos são realizados a céu aberto, em plena rede social, por julgadores implacáveis de plantão nos comitês virtuais.
Falou mal de Marconi? Merece o fogo dos infernos. É oposição e ponto.
Falou mal da oposição? Está vendido. Abominável homem, ou mulher, da situação.
Em boa parte das vezes o ‘falar mal’ nem é falar mal. É discordar, apontar espertezas, dar o contraditório, e até mesmo ter opinião contrária. Com lado ou sem lado.
Não importa. “Falou mal, ‘cacete’!”
Ordem visceral. Cumprimento vital.
A ordem é cercar todos os veículos, fechar as portas para quem não está a favor ou desafina no coro das bajulações.
Esse são os primeiros ‘inimigos’ a serem eliminados. Contrariam interesses estabelecidos; advogam na contramão de futuro particular promissor.
Mais curioso fica quando a patrulha é feita a ferro e fogo em via de mão única.
Quer dizer: quem critica, não enxerga o que faz. Vê vidro à frente sem perceber o que há: espelho.
Quem carimba, não vê o tamanho da mancha na própria testa.
Quem acusa, não percebe o próprio crime.
O tendencioso só vê isenção em si mesmo. Dois pesos, duas medidas de consciência.
“Ditadura é quando você manda em mim; democracia é quando eu mando em você”, ensina Millor Fernandes, com fino bom humor.
Tradução para estes tempos em Goiás: “Quando eu faço política, é jornalismo; quando outro faz jornalismo, é política.”
Quem sabe, amanhã
Houvesse mais humor em Goiás, jornalismo seria jornalismo, política seria política, o jogo seria jogo, a guerra eleitoral seria uma metáfora e, no final das contas, venceria o melhor, para o bem do povo. Goiás seguiria em paz, até a próxima disputa.
Porque sempre vence o melhor: o que seguiu a melhor estratégia, o que fez a melhor campanha etc.
O melhor para o povo? Não necessariamente. Na prática, eleição é uma coisa, governo é outra. O povo escolhe, o povo aguenta as consequências. Democracia não é fácil.
Há uma frase do jornalista Batista Custódio, criador do Diário da Manhã, que é um ‘beijinho no ombro’ aos mal-humorados: “Essas vestais da rua de cima, conheço todas como putas na rua de baixo.”
A frase carrega a história de Batista. Ele sabe o que diz, o que faz com que provavelmente pisque um olho antes de sorrir cheio de razão para quem merece ouvi-la.
Ante o desespero em tempos de guerra, melhor divertir-se com tudo. Contra a maldade dos ‘campanheiros’ zangados, nada melhor que humor, um bom humor.
Amanhã Marconi Perillo voltará a fazer foto com a presidente Dilma (PT), para contrariedade de Gomide, que seguirá em caminhadas pisando em estrelas para explicar o inexplicável: o apoio indireto da presidente ao seu, e dela, maior adversário; Vanderlan Cardoso percorrerá o Estado com suas romano-goianas curriatas; Iris comandará movimentos populares em bairros e cidades em busca de ‘intindimento’ com os jovens; e os outros candidatos continuarão a falar grosso, mas para si mesmos.
Amanhã.
Quem sabe, amanhã, o mal desaparecerá da terra!
Ou Goiás seja como a Papelaria Tributária: onde cada um tem o seu papel.
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