Arthur Barcelos
Arthur Barcelos
Apaixonado por futebol e geopolítica, é o especialista de futebol internacional da Sagres e neste espaço tem o objetivo de agregar os dois temas com curiosidades e histórias do mundo da bola.

A Copa mais odiada da história

Quando a bola rolar no próximo domingo (20), às 13h, no estádio Al Bayt, o Catar será o centro das atenções do mundo durante um mês. Primeiro país do Oriente Médio a receber uma Copa do Mundo de futebol, o emirado foi escolhido para sediar o Mundial de 2022 diante de muita polêmica e reprovação.

Entre as críticas da escolha da Fifa para a pequena península no Golfo Pérsico, com quase 3 milhões de habitantes, receber um dos principais eventos esportivos do mundo, há a preocupação com a violação de direitos humanos e leis que restringem a liberdade das mulheres e criminalizam a homossexualidade.

A própria definição do Catar como sede da Copa de 2022 esteve envolvida em acusações de corrupção, em uma época de escândalos no órgão que regulamenta o futebol mundial. A escolha, que aconteceu em 2010, foi apontada pela Justiça dos Estados Unidos através de subornos, tanto da Rússia, que recebeu o Mundial de 2018, como do Catar.

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Sem se referir às questões sociais, Joseph Blatter, ex-presidente da Fifa e responsável por liderar a eleição do Catar como sede do Mundial deste ano, admitiu que “o Catar foi um erro. A escolha foi ruim. É um país muito pequeno. O futebol e a Copa do Mundo são grandes demais para isso”.

Os aspectos logístico e esportivo do evento no emirado são dois dos tantos argumentos contrários à sua realização. Ao invés dos meses de junho e julho, como tradicionalmente, durante o período de férias da temporada europeia, o calendário teve que se adaptar às questões climáticas do Oriente Médio, demasiado quente no meio do ano.

Com um ajuste complicado para as principais ligas europeias, que cessaram seus jogos apenas a uma semana do início da competição, a preocupação pelo nível técnico do torneio é justa. No meio da temporada europeia, enquanto alguns jogadores se pouparam, outros tiveram o azar de sofrerem lesões a poucos dias da convocação final.

Para muitos analistas, este será o Mundial com menor intensidade, fato também condicionado pelas altas temperaturas e secura na região, apesar das arenas super tecnológicas catarenses, que prometem um clima agradável para atletas e espectadores, em contraste com o calor desértico.

Foto: Divulgação/Fifa

Por falar em tecnologia, a Fifa promete que esta seja a sua primeira Copa do Mundo totalmente neutra em emissões de carbono. Depois de fracassar nas últimas duas edições, a entidade se comprometeu, juntamente com a organização local, a construir estádios com estruturas renováveis, e com certificados de sustentabilidade de design verde.

De toda forma, órgãos e entidades ambientais contestam a ideia de um Mundial neutro em carbono, ainda mais em um país que dependerá tanto do consumo energético para manter uma capacidade inédita, com milhões de visitantes. Sem mencionar o futuro dos estádios, diante de uma liga local ainda incipiente e sem o apoio popular.

As principais críticas ao Catar, no entanto, vão muito além de questões esportivas ou ambientais. Em 2019, o jornal britânico The Guardian relatou as condições precárias que os operários imigrantes envolvidos na construção do país para o Mundial estavam submetidos. Segundo a investigação, milhares morreram desde o início das obras.

O relatório também aponta para dezenas de imigrantes mortos diretamente ligados às construções dos estádios, grande parte delas ignoradas pelo comitê responsável pela administração do evento no Catar. Inclusive, o país rejeitou os pedidos de ONGs para criar um fundo de indenização para os operários mortos ou feridos.

Segundo a organização local, as acusações de violações de direitos humanos dos trabalhadores servem para “descreditar o Catar com alegações deliberadamente mentirosas e motivadas por racismo”. Para o emir Tamim Bin Hamad Al Thani, “o Catar é submetido a uma campanha sem precedentes que nenhum país-sede jamais enfrentou”.

Foto: Divulgação/Fifa

Em meio a manifestações de federações nacionais contra as leis opressoras para mulheres e homossexuais, a Fifa pediu para as seleções focarem no futebol, e que não “arrastem a batalha ideológica e política que existe”. A Dinamarca, por exemplo, utilizará uniformes desbotados, em protesto aos trabalhadores mortos durante as obras.

Já a Holanda abrirá as portas da sua preparação para imigrantes, de forma a “atrair atenção para as condições de trabalho no Catar”. Segundo Louis van Gaal, treinador neerlandês, “vamos ao Catar para sermos campeões, mas é claro que olhamos mais do que só o futebol. Como time, achamos importante encontrar essas pessoas”.

Especulada para ser uma das atrações na abertura, a cantora inglesa Dua Lipa desmentiu os boatos e afirmou, em sua conta no Instagram, que “estarei torcendo pela Inglaterra de longe e espero visitar o Catar quando cumprir todas as promessas de direitos humanos que fez quando ganhou o direito de sediar a Copa do Mundo”.

A realização de uma Copa em um país em contexto político-social complicado não é novidade para a Fifa, como acontecera na Itália dominada pelo regime fascista de Benito Mussolini em 1934 e a Argentina reprimida pela ditadura militar liderada pelo implacável Jorge Rafael Videla, ou mesmo um Brasil em ponto de ebulição em 2014.

Se o evento servirá para o Catar evoluir suas políticas sociais, só o tempo dirá, mas, a uma semana do ponto de partida, as expectativas não são boas para o futuro do povo catari.

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