A fragilidade da democracia brasileira, em “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa. 

Nos primeiros minutos, você pode pensar que o filme da diretora Petra Costa, recém-lançado na plataforma Netflix, seja uma espécie de textão de Facebook. Já com a liberação do trailer, “Democracia em vertigem” (2019) evidencia uma participação direta e pessoal – familiar, inclusive – da diretora. O que, de cara, desagradou alguns.

Afinal, documentário não tem que ser imparcial?

A resposta é… depende da proposta. Existem centenas de tipos de documentário e, a bem da verdade, a arte não deve ser limitada por fórmulas, rótulos, classificadores. Pelo contrário, as fórmulas e rótulos devem vir depois, numa tentativa de entender a visão artística – que é livre! Alguns dos primeiros documentários da história, por exemplo – “Nanook, o esquimó” (1922) e “Moana”(1926) – são praticamente encenações criadas por Robert Flaherty (considerado como um dos pais do cinema documentário, ao lado do russo Vertov) para retratar o estilo de vida “selvagem”.

Petra deixa sempre claro que seu documentário tem uma costura pessoal. Mas os fatos que ela escolhe para compor essa colcha são inegáveis, de acesso público, amplamente noticiados. E, pouco a pouco, ela revela o porquê de sua escolha.

O espectador menos compromissado, ou mais desatento, não vai enxergar muita novidade. Entretanto, apesar dos inúmeros filmes já produzidos a respeito do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff e das manifestações populares de 2013, é a primeira vez que alguém coloca todas as cartas sobre a mesa. Aos que acreditam que a queda de Dilma foi consequência de um golpe, não há absolutamente nenhuma novidade no que Petra conta, e serve como uma massagem no ego. Aos que acreditam que a ex-presidente apenas recebeu de volta as consequências da sua falta de habilidade política, por não ter penetração em um sistema podre corroborado por seu próprio partido, submetendo-se a um processo de impedimento previsível dentro desse contexto… vai começar a refletir um pouco mais sobre essa convicção.

Aqueles que acham que os fins justificam os meios, que o importante era tirar o PT e colocar o Lula na cadeia, bem… esses poderiam facilmente figurar entre os patéticos personagens que permeiam o filme. Porque as peças que Petra usa em seu quebra-cabeças sempre estiveram aí, para todo mundo ver, e mostram que a análise PRECISA ser mais profunda.

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Um país dividido. (Foto: divulgação)

Em que pese a narrativa apresentada pela diretora não seja nenhuma novidade, o seu chamado “lugar de fala”  traz o tempero especial. Porque Petra Costa não é só a diretora do filme. Ela é neta de um dos fundadores da construtora Andrade Gutierrez. E filha de Marília Andrade, militante de esquerda da época da ditadura, presa e torturada. Seus laços familiares alcançam o próprio Aécio Neves, personagem na trama. Sua própria família, com histórias divididas entre a direita e a esquerda, permeia a construção da política nacional, dos esquemas de corrupção, negociatas e a formação da democracia no Brasil.

A camada autobiográfica, portanto, é imprescindível para que esse documentário se destaque. Pode-se dizer que Petra tem ligações com dois grupos fracassados da história recente: a direita empresária chafurdada na corrupção escancarada pela Operação Lava-Jato, e a esquerda militante que viu seu sonho de poder desmoronar primeiro com a flexibilização ideológica para ascender ao poder, depois pelas rasteiras tomadas após os conchavos. Chega-se a pensar que era inevitável que Petra fizesse seu filme, pela proximidade que tem dos fatos.

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A diretora, narradora e personagem Petra Costa. (Foto: Bruno Lasevicius. Divulgação)

Uma das proposições centrais da obra, entretanto, é perceber o quão frágil é nossa democracia, nossas instituições e o quão danificado está o tecido social. O quanto as oligarquias – grupos dominantes no poder, quase sempre ligados a grandes e poderosas famílias, inclusive a de Petra – sempre estiveram presentes em nossa história, afastando as discussões mais importantes do povo. E o quanto ainda temos que trabalhar, pessoal e socialmente, para que esse amálgama social comporte as diferenças, ao mesmo tempo em que funcione como expressão respeitada do poder popular.

Por tudo isso, “Democracia em vertigem” é um documentário pesado, triste, pessimista. Mas essencial. Para olhos críticos, entretanto.