Vencer a Covid-19 tem sido o principal desafio da humanidade em2020. No momento há uma intensa corrida contra o tempo: laboratórios farmacêuticos, universidades, centros de pesquisa e governos do mundo inteiro trabalham para viabilizar a vacina contra o coronavírus, dando uma solução eficaz e segura ao problema. No Brasil o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) protagoniza a “Neorevolta da Vacina” e não resolve o problema.
Antes de entendermos a “neorevolta”, vamos a “Revolta da Vacina”. Trata-se de uma rebelião popular contra a vacina anti-varíola, ocorrida no Rio de Janeiro, em novembro de 1904. Naquele período, as ruas da cidade estavam acumuladas de lixo, se tornando um ambiente muito propício para proliferação do vírus da Varíola. Também se multiplicavam ratos e mosquitos transmissores de doenças fatais como a peste bubônica e a febre amarela.

O então presidente da República, Rodrigues Alves, nomeou o engenheiro Pereira Passos para prefeito e o médico Oswaldo Cruz para Diretor da Saúde Pública. Com isso, iniciou a construção de grandes obras públicas, o alargamento de ruas, avenidas e o combate às doenças. Barracos foram demolidos e as pessoas ficaram revoltadas após serem deslocadas para os morros.

Na outra ponta houve uma campanha de saneamento e limpeza. Oswaldo Cruz foi contratado para combater as doenças. Ele impôs vacinação obrigatória contra a Varíola, para todo brasileiro com mais de seis meses de idade. Políticos, militares de oposição e a população da cidade se opuseram à vacina.

A campanha de saneamento realizava-se com autoritarismo, onde as casas eram invadidas e vasculhadas. Não foi feito nenhum esclarecimento sobre a importância da vacina ou da higiene. Assim, a insatisfação da população contra o governo foi generalizada, desencadeando “A Revolta da Vacina”.

O movimento rebelde foi dominado pelo governo, que prendeu e enviou algumas pessoas para o Acre. Em seguida, a Lei da Vacina Obrigatória foi modificada, tornando facultativo o seu uso. Mais de um século depois, a desinformação patrocinada pelo governo continua gerando uma “neorevolta da vacina”. Desta vez o foco não é a Varíola, mas sim a Covid-19.

Seis vacinas contra a Covid-19 estão em fase final de desenvolvimento no mundo todo. Quatro estão em testes no Brasil, com autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Uma das mais conhecidas no Brasil é a CoronaVac, desenvolvida em conjunto por sete instituições, com destaque para a parceria entre a empresa chinesa Sinovac Biotech e o Instituto Butantan, em São Paulo.

A outra é desenvolvida pela Astrazeneca e Universidade de Oxford. O imunizante será fabricado pela Fiocruz em Bio-Manguinhos, no Rio de Janeiro, a partir de abril de 2021. O governo federal disse que contará com 100 milhões de doses no primeiro semestre de 2021 e mais 110 milhões na segunda metade do ano.

Bolsonaro desautorizou nesta quarta-feira (21), o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que anunciou acordo com o governo de São Paulo para a compra de 46 milhões de doses da Coronavac. Ao responder ao comentário de um internauta que pediu que a vacina não fosse comprada porque ele tem 17 anos e diz querer ter “um futuro, mas sem interferência da ditadura chinesa”, Bolsonaro negou a compra.

O presidente afirmou que, para seu governo, “qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser COMPROVADA CIENTIFICAMENTE PELO MINISTÉRIO DA SAÚDE e CERTIFICADA PELA ANVISA” e que “o povo brasileiro NÃO SERÁ COBAIA DE NINGUÉM”. O governador de São Paulo, João Doria ponderou que “não é razoável adotar o negacionismo e afastamento dos princípios da saúde para proteger a população”. Segundo ele, “não é a ideologia, a política ou o processo eleitoral que salvam, é a vacina”.

Bolsonaro se “revolta” contra a vacina chinesa. Por trás, uma alegação ideológica absurda movida por seguidores. A China é um importante parceiro comercial do Brasil, mas Bolsonaro despreza e move de forma desnecessária uma briga com o país asiático. Além disso, a colocação se mostra incoerente. O presidente não apresentou um plano de enfrentamento nacional e constantemente critica prefeitos e governadores, principalmente em medidas relativas a fechamento de atividades. Cada um agiu para onde o nariz apontou, sem um plano conjunto.

A incoerência dá o tom da “neorevolta”. Para a vacina do Butantan a exigência de comprovação científica, mas não para o uso da cloroquina como tratamento da Covid-19, que não tem eficácia comprovada para esta finalidade. “Não se justifica um bilionário aporte financeiro num medicamento que sequer ultrapassou sua fase de testagem. Diante do exposto, minha decisão é a de não adquirir a referida vacina”, afirmou o presidente em uma publicação.

A “Neorevolta da Vacina” tem como pano de fundo o mesmo negacionismo e despreparo do Estado no início do século XX. O governo brasileiro mostra que o tempo passou, mas a falta de projeto de nação não. Além disso, vale ressaltar que há uma disputa política entre Bolsonaro e Doria. Os dois erram em politizar um assunto de interesse público. A preocupação é de um protagonismo por trazer a vacina contra a Covid-19 para o país e um reflexo eleitoral para o pleito de 2022. A “Neorevolta da Vacina” não é por acaso.