Uma tese de doutorado concluiu que o acesso à saúde no Brasil é desigual e piora conforme idade, gênero e orientação sexual da população. Pela faixa etária, a limitação é principal entre aqueles com mais de 50 anos, enquanto que nos dois últimos a vulnerabilidade é maior para o grupo que se identifica como LGBTQIA+.

De acordo com o estudo, esse acesso desigual à saúde ocorre, inclusive, dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Autor da tese de doutorado, o médico Milton Roberto Furst Crenitte apresentou o trabalho na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).

Ainda conforme o profissional, o estudo descobriu que a desigualdade é uma barreira para esses grupos de acesso à saúde. “Ser uma pessoa 50+ LGBT no Brasil confere um risco para a pessoa ter um pior acesso à saúde”, explica, em entrevista ao Jornal da USP.

A tese de doutorado

A tese de doutorado ouviu cerca de 7.000 pessoas, todas com mais de 50 anos, sendo que aproximadamente 5.000 destas não se identificam como LGBTQIA+. Esse grupo apresentou as piores avaliações de qualidade do acesso à saúde. Sendo assim, isso implica na diminuição da realização de exames preventivos, como papanicolau e mamografia.

“Definir acesso à saúde é tão complexo quanto definir o que é saúde. Mas, uma coisa que a gente já sabe é que acessar a saúde vai muito além do que a pessoa entrar pela porta da unidade do posto de saúde ou do hospital”, diz Crenitte.

Para o médico, acesso à saúde vai desde a capacidade de a pessoa de chegar ao local e se ela é bem atendida. Além disso, como ela percebe a necessidade de buscar esse atendimento, às questões socioeconômicas, de racismo ou outros preconceitos.

Avaliação

Milton Roberto Furst Crenitte - Foto: Arquivo pessoal
(Médico Milton Roberto Furst Crenitte concluiu que o acesso à saúde no Brasil é desigual | Foto: Arquivo pessoal)

O Ministério da Saúde criou um Índice de Desempenho do SUS em 2012, que é uma pontuação que vai de 0 a 10: zero sendo a pior nota e dez a melhor. De acordo com esse índice, os pesquisadores conseguiram pontuar os grupos, LGBTQIA+, idosos e pessoas que não se identificam como parte da comunidade. “Esse foi o principal indicador de que ser LGBT no Brasil confere o pior acesso à saúde”, diz o médico.

Dentre os grupos, as notas não são tão diferentes. A tese descobriu é que existem realidades distintas dentro e fora do grupo LGBTQIA+, principalmente entre pessoas brancas não LGBT e pessoas pretas LGBT. “É bem interessante também a gente entender essa questão interseccional, de sobreposição das discriminações”, ressaltou.

“A pessoa já parte do pressuposto que sofre dois preconceitos, um por ser mais velha na nossa sociedade etarista e outro por ser LGBT na nossa sociedade lgbtfobica”, diz. Outros preconceitos também se sobrepõem, como o racismo, o elitismo e o capacitismo. “Isso mostra essa importância de a gente discutir as barreiras e desigualdades para pensar em eliminar desigualdades sociais e as injustiças sociais”, lembra o médico.

SUS

O atendimento por meio do SUS é muito importante, mas a tese notou essa desigualdade no sistema público também. As diferenças no atendimento acontecem por conta de aspectos multifatoriais. As duas questões mais importantes, salientadas por Crenitte, são o medo de sofrer discriminação e as experiências prévias negativas.

Quando a pessoa sabe que não vai ser bem recebida em todas as etapas do atendimento, ela nem procura o serviço. Isso torna difícil a promoção da saúde, tanto para os idosos quanto para pessoas dentro da comunidade LGBTQIA+. Além disso, como o estímulo à prática de exercícios físicos, formas de controlar a pressão alta, o estresse, o diabetes, entre outros.

“É importante a gente acabar com essas barreiras, seja no treinamento dos profissionais na sala de espera, seja no treinamento da recepção, para ser uma recepção humanizada, para que essa pessoa se sinta à vontade de voltar a frequentar uma unidade, que vai fazer a prevenção e a proteção da saúde dela”, diz.

Outra questão é a orientação sexual, que muitas vezes não é perguntada nos questionários pré-atendimento ou na anamnese, mas deveria, diz Crenitte. Trazer a realidade das pessoas trans, que dentro da comunidade LGBTQIA+ são os mais vulneráveis, é muito importante. “A grande questão para a população trans é a exclusão da cidadania e não garantia de direitos básicos, como respeito ao nome social e respeito a sua identidade”, lembra.

*Esse conteúdo está alinhado com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU 03, 05 e 10
– Saúde e Bem Estar
– Igualdade de Gênero
– Redução das Desigualdades

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