Norberto Salomão
Norberto Salomão
Norberto Salomão é Advogado, Historiador, Professor de História, Analista de Geopolítica e Política Internacional, Mestre em Ciências da Religião e Especialista em Mídia e Educação.

Acordo Mercosul-União Europeia: assimetrias e incertezas

Entre a segunda metade do século XVII e a primeira metade do século XVIII, as relações entre Portugal e Inglaterra se estreitaram. Esse processo ocorreu no contexto do fim da União Ibérica e posterior expulsão dos holandeses do Nordeste brasileiro.

A expulsão dos holandeses levou à crise do comércio português de açúcar, pois os holandeses já tinham assimilado as técnicas de cultivo da cana-de-açúcar e passaram a desenvolver a produção de açúcar nas Antilhas. Assim, o açúcar produzido no Brasil passou a ter a forte concorrência do açúcar holandês.

Os portugueses não tinham condições financeiras de enfrentar essa concorrência. Dessa forma, recorreram à empréstimos junto à Inglaterra. O problema é que esses empréstimos sempre vinham vinculados à acordos que garantiriam vantagens comerciais aos ingleses. O mais famoso desses acordos foi o Tratado de Methuen, de 1703, também conhecido como “tratado de panos e vinhos”.

O Tratado de Methuen pactuava que os tecidos de lã ingleses entrariam em Portugal com isenção de impostos, em troca, os vinhos portugueses importados pela Inglaterra também teriam isenção.

O problema é que produtos primários concorrem em desvantagem com os produtos industrializados. Assim, o acordo viabilizou a entrada massiva de produtos ingleses em Portugal e em suas colônias e acabou asfixiando as possibilidades de desenvolvimento da indústria portuguesa.

O tratado durou de 1703 até 1836. A dependência, tanto econômica quanto militar, de Portugal em relação à Inglaterra tornou-se cada vez mais intensa. Além disso, as terras portuguesas foram disponibilizadas, predominantemente, para o cultivo extensivo de uva, visando a produção vinícola. Esse fato prejudicou a produção de outros produtos e levou à escassez de alimentos em terras lusitanas.

Mas, você pode estar pensando: “qual a relação entre esse relato histórico e as questões que envolvem o acordo entre o Mercosul e a União Europeia?”

Bem, a questão é percebermos que há uma histórica relação colonialista, que ainda está presente na postura dos europeus em relação aos países latino-americanos.

O presidente Lula tem sido um duro crítico das condições adicionais propostas pela União Europeia para fechar um acordo com o Mercosul. Ele reitera a sua firme intenção em assinar esse pacto, que já se arrasta desde 1999, mas considera como inaceitáveis as ameaças de sanção pelo bloco europeu e os termos desiguais que levariam os países do Mercosul a serem meros exportadores de matérias-primas.

Outro aspecto muito criticado é a possibilidade de abertura das licitações públicas a empresas estrangeiras. Assim, sob a liderança do Brasil, o Mercosul considera essas condições profundamente assimétricas.

Para além dessas questões, ainda existem as desavenças internas do Mercosul. Em 4 de julho, durante a 62ª Cúpula do Mercosul, em Puerto Iguazú (Argentina), o presidente Lula assumiu o comando rotativo do Mercosul, substituindo o argentino Alberto Fernandez. Nos discursos das lideranças dos países participantes revelaram-se pautas comuns como: a expansão de acordos comerciais, o uso de uma moeda comum para importações e exportações e a proteção ambiental nos territórios sul-americanos.

Apesar das pautas comuns, o Uruguai, do presidente Lacalle Pou, fez questão de apresentar suas insatisfações. Francisco Bustillo, chanceler uruguaio, afirmou que a prioridade de seu país é avançar com o Mercosul nos acordos comerciais, mas, caso isso não se viabilize em tempo hábil, o Uruguai pode fazer acordos bilaterais, principalmente com a China, e até mesmo abandonar o bloco.

Outra questão que gera polêmica no bloco é a possibilidade de readmitir a Venezuela, suspensa de 2016 por caracterizar-se por um governo não democrático.
Com relação ao acordo com a União Europeia, os membros do Mercosul reconhecem que há várias vantagens, pois formariam uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, representando cerca de 25% da economia global com um mercado de 780 milhões de pessoas.

Mas, há assimetrias que envolvem as condições do acordo. O Mercosul é, predominantemente, um Exportador de commodities e importador de bens industriais e de tecnologias. Assim, um dos riscos desse acordo é cristalizar o bloco sul-americano como um desprezível coadjuvante na cena da indústria internacional. Na realidade, o argumento de reciprocidade dos europeus guarda a malícia de seus profundos interesses unilaterais.

Um ponto bastante combatido pelos membros do Mercosul diz respeito a abertura do mercado para as compras governamentais. Caso essa condição seja aceita, pode prejudicar intensamente o setor de pequenas e médias empresas que atendem demandas de estados e municípios e não teriam condições de concorrer com empresas de capital estrangeiro. Sem dúvida isso afetaria a possibilidade de geração de empregos na região do bloco.

Outro desafio a ser superado para que o acordo se viabilize é a questão agrícola. Os produtores da União Europeia, destacadamente os franceses, temem a concorrência dos produtos do Mercosul. Assim, usam o argumento da sustentabilidade ambiental como escudo. Em 2019, foi estabelecido o European Green Deal (Pacto Ecológico Europeu) reforçando o projeto de avançar cada vez mais para efetivar uma política sustentável para economia do bloco.

Diante de tudo isso, apesar de todos esses anos de negociação, chegar a um acordo que possa abarcar os interesses divergentes parece ainda muito distante de acontecer. Mas, é certo que os países do cone sul devem estar muito atentos para que não se tornem reféns de um acordo que possa perpetuar um passado colonialista e estabelecer uma nova espécie de “pacto colonial”.

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