A depressão pós-parto acomete cerca de uma a cada quatro mães no Brasil. Apesar de comum, a condição ainda enfrenta barreiras como a desinformação e preconceitos. Entre as consequências, está o adoecimento psíquico e fortalecimento de sentimentos ligados à culpa, impotência, medo e vergonha.

O dado é resultado de estudo publicado pela pesquisadora Mariza Theme, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, ligada à Fiocruz.

De acordo com ela, a segunda pesquisa sobre o tema está em andamento e a previsão é de que em 2024, haja a publicação de dados atualizados sobre o tema. Ao todo, a pesquisa conduz a escuta de uma amostra de 24 mil mulheres.

Reconhecimento

“De forma geral, indivíduos com problemas emocionais sofrem com o grande estigma desses transtornos. Particularmente entre as puérperas, este estigma tem uma dimensão muito maior, dado ao papel esperado pela sociedade que o nascimento de um filho é um momento de grande alegria e expectativas positivas”, explica a pesquisadora da Fiocruz.

Nesse sentido, a presença de estigmas afeta a compreensão de que é possível, e permitido, buscar por ajuda. Isso porque o senso comum de que as mães “instantaneamente” devem saber o que fazer, ainda é intrínseco de modo geral.

A doutora em Saúde Pública ressalta que a instituição elaborou um estudo com gestantes e puérperas a fim de entender as principais razões para não terem buscado ajuda após se sentirem deprimidas.

Dessa forma, foi possível perceber que os estigmas sociais, o medo e a percepção externa estão entre as causas predominantes.

“Muitos medos estão envolvidos, desde o que a sociedade e a família podem pensar sobre elas e seu papel como mãe, o medo de perder a guarda dos filhos”, completa.

A psicóloga e estudiosa da Psicologia da gestação, parto e puerpério há quase duas décadas, Josie Zecchinelli, é a fundadora e gestora do Instituto Maternidade Consciente. Ao explicar os desafios do reconhecimento, destaca que o autoconhecimento pode se tornar um aliado vital durante o curso do tratamento.

“Esse reconhecimento de sermos humanas, de que vamos falhar, mas também de que há muito na sociedade, na cultura, nas famílias e na nossa vida íntima que infelizmente, não contribui para que possamos viver esta fase da vida com menos turbulências”, sugere.

Vulnerabilidade

Um conceito ainda mais amplo do que o de depressão pós-parto é o de depressão perinatal, visto que os sinais do quadro depressivo podem aparecer ainda durante a gestação. Ademais, especialistas destacam que todas as mulheres estão suscetíveis a desenvolverem o quadro. Entretanto, existem grupos considerados mais suscetíveis aos sintomas depressivos:

  • Baixas condições socioeconômicas
  • Baixa escolaridade
  • Gravidez não planejada
  • Multiparidade (mães com 2 ou mais filhos)
  • Vítimas de violência pelo parceiro na gestação
  • Pior atenção ao parto
  • Violência obstétrica
  • Histórico prévio de depressão

“Sem dúvida, a pior condição de parto e nascimento é um fator de risco para depressão pós-parto. Por sua vez, a violência obstétrica é fator de risco para transtorno de estresse pós-traumático que está fortemente associado à depressão pós-parto”, explica a pesquisadora Mariza Theme.
“Qualquer tipo de estressor, seja o ambiente familiar conflituoso, um ambiente com violências ou negligências, dificuldades financeiras, traumas psicológicos, dificuldades com o bebê como internações, por exemplo, podem ser impactantes e gerar algum tipo de adoecimento mental. São os chamados fatores de risco”, ressalta Josie Zecchinelli, do Instituto Maternidade Consciente.

Romantização

A ideia do que “deveria” ser a maternidade e a idealização de momentos como a amamentação, por exemplo, são apenas alguns exemplos daquilo que passa a fazer parte do imaginário das mães ao redor do mundo.

Por um lado, a quantidade de informação presente em redes sociais e em comunidades especializadas em assuntos ligados à maternidade, pode ser uma boa ferramenta, um recurso inacessível anteriormente.

Todavia, ao passo que aumenta o acesso aos depoimentos de outras mães, também se eleva as “fontes” para a comparação, o que facilmente pode acarretar em sentimentos de frustrações. A ideia de que a mãe “ao lado” é sempre melhor.

“Eu não entendia bem e não sabia o que era depressão pós-parto. Foi uma mudança radical na primeira gestação. Após o parto, alguns meses depois, comecei a me sentir mal e queria me afastar de todo mundo”, conta Rosana Sodré, mãe de uma criança de quase 5 anos, um de 2 e o mais novo, com oito meses.

Para ela, a maternidade veio repleta de sentimentos aparentemente contraditórios. Amava a filha, mas não se sentia pronta para cuidá-la. Queria ser “suficientemente boa”, mas não sabia por onde começar. No meio dos sentimentos em conflito, ainda sentia culpa e vergonha em externalizar os sentimentos. Assim, era difícil pedir ajuda.

“Eu tinha muito medo de tudo. Ficava com medo de não dar conta. Cogitei até a hipótese de dar a minha filha. Eu pensei ‘meu Deus, eu amo a minha filha, mas eu não vou conseguir dar conta de tudo’”, relembra.

Autocobrança

Como “dar conta” de ser a mãe perfeita? De forma inconsciente, esse parece ser o questionamento insistente entre os devaneios do puerpério. “Eu comecei a me questionar a todo tempo, eu não queria mais viver ou existir por conta disso. Ao mesmo tempo que eu queria que ela estivesse bem, eu achava que não estava dando o meu melhor”, explica Rosana.

Os sinais da depressão pós-parto podem variar a cada caso. Nem sempre os sintomas são totalmente perceptíveis para as pessoas ao redor.

“A depressão pode envolver tristeza, perda do prazer nas coisas que antes sentia satisfação e alegria, irritabilidade, dificuldades para dormir e comer, e pode haver outros sintomas mistos, de outros tipos de transtornos, como a ansiedade, por exemplo, o que é bastante comum e pode dificultar perceber o quadro depressivo”, explica a responsável pelo Instituto Maternidade Consciente.

“Eu acredito que toda mãe tem um pouco de super-heroína então, às vezes, as mães têm uma habilidade ruim de acharem que dão conta de tudo e isso acaba as impedindo de procurar ajuda. Acabam protelando e acham que aquilo é algo passageiro ou banal”, explica a também psicóloga Amanda Andrade.
Ela explica que o processo terapêutico é o lugar onde as mães podem se sentir ouvidas e acolhidas, especialmente por alguém que não irá julgá-las, o que é justamente a reação temida por muitas mães que ainda não buscaram por auxílio.

“Eu não tinha conhecimento sobre a depressão pós-parto e nem conhecia ninguém que tivesse passado por isso”, recorda Rosana Sodré.

Após um período enfrentando os sintomas sozinha, ela conta que resolveu procurar ajuda em um posto de saúde, próximo a onde morava. No lugar, encontrou um funcionário que respondeu as suas primeiras perguntas e recomendou que entrasse em contato com outros especialistas.

Diagnóstico

”Passei por uma psicóloga, precisei passar por uma psiquiatra. Comecei a tomar medicações para me ajudar. Tive um grande apoio da minha família e de pessoas mais próximas que eu comecei a conversar”, relembra.

“Quando eu me vi nessa situação, me senti mais péssima ainda, envergonhada, não tinha coragem de conversar sobre isso com ninguém. E ao mesmo tempo, me perguntando o porquê disso passar pela minha cabeça”, explica.

Apesar de alguns sintomas ainda permanecerem, Rosana afirma com certeza: a ajuda profissional foi essencial para retomar a se sentir bem consigo mesma. Rosana voltou a encarar os sintomas na sua segunda gestação, entretanto, agora conseguia enxergar novos caminhos e manter uma postura anti isolamento.

“Eu já sabia identificar os sinais e vinha fazendo uso da medicação, então por um lado foi mais fácil porque eu estava fazendo tratamento tanto com um psicólogo, como com um psiquiatra”, diz.

“Um lugar onde ela pode se abrir sem reservas e conversar sobre esse momento difícil da maneira mais aberta possível”, é assim que a psicóloga Amanda Andrade define o atendimento terapêutico.

O tempo do tratamento também não segue padrões rígidos. Segundo os especialistas, cada caso precisa ser avaliado frente às próprias particularidades. Por isso, é importante que as mães não se sintam pressionadas a apressar os próprios resultados.

“Depois da ajuda desses profissionais que eu passei a entender que aquilo ali não era exatamente de mim. Mas, que era um problema que eu estava enfrentando e que eu precisava sim de ajuda”, afirma Rosana.

Rede de apoio

No puerpério, a rede de apoio é uma peça fundamental, mesmo nos casos onde não há evidências de depressão pós-parto. Entretanto, quando há os sintomas da depressão pós-parto, o apoio é considerado essencial no próprio contexto de tratamento. 

Nesse sentido, família, amigos ou mesmo grupos com outras mães, tornam-se primordiais. O Instituto Maternidade Consciente nasceu com o propósito de compartilhar informação com bom embasamento sobre os desafios mentais e emocionais do período perinatal.

Hoje, são feitas campanhas informativas nas redes sociais, cartilhas e livros, além de uma agenda de palestras e outros eventos. Assim, o projeto oferece grupos para mães e gestantes, e também atua no eixo da educação, com cursos que visam preparar profissionais da saúde para lidarem com as temáticas. 

“Rede de apoio é composta por pessoas à volta de uma mãe, de um pai, gestantes ou no pós-parto, que sejam pessoas que possam oferecer o apoio direto a necessidades dessa mulher, dessa família, e prover também escuta, acolhimento e suporte em vários níveis”, explica a gestora. 

Hoje, Rosana tenta oferecer apoio para amigas ou pessoas próximas que na gestação, começam a ser inundadas pelas dúvidas que um dia também já precisou enfrentar. Para ela, todas deveriam ter acesso ao atendimento psicológico e as informações sobre casos de depressão, logo nos primeiros meses de gestação.

“Deveria existir um psicólogo para ajudar. Principalmente àquelas mulheres que estão sozinhas naquele momento. Que foram deixadas pelos seus companheiros, ou foram julgadas pela família. Às vezes, as pessoas julgam ou porque é nova, ou porque não é casada”, reflete.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 3 – Saúde e Bem-estar.

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