Muitas pessoas não sabem o que é uma agrofloresta. No entanto, esse sistema de produção de alimentos é o mais saudável, tanto para o ser humano quanto para a natureza. Isso porque eles são uma alternativa sustentável à forma de produção atual, que envolve grande área desmatada e uso de químicos no controle de pragas e no solo,  como os agrotóxicos e os fertilizantes.

Especialistas que estudam esse meio de produção afirmam que ele é interessante e importante para a realidade dos tempos atuais. Um deles é o engenheiro agrônomo e professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) do Paraná, Carlos Hugo Rocha. O especialista avalia que a importância das agroflorestas está relacionada com as mudanças climáticas e com os desafios que elas já estão impondo e vão continuar a impor para a agricultura como o mundo conhece.

Horta (Foto: Sagres Online)

“Os sistemas agroflorestais tem como princípio o trabalho com um plantio de uma floresta associada à produção de alimentos. E a ideia das agroflorestas pode ser aplicada de diferentes maneiras e adaptada às diferentes realidades. Mas elas prestam um papel extremamente importante como alternativa que se apresenta para a agricultura convencional e os modelos agrícolas que temos como referência hoje”, explicou Rocha.

O engenheiro também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, uma organização que reúne profissionais de diferentes áreas do conhecimento e contribui com a proteção da biodiversidade e defesa da conservação da natureza brasileira. Carlos Hugo analisou que a agrofloresta é uma ponte entre produzir alimentos e promover a conservação da natureza. 

Introdução de químicos

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Carlos Hugo Rocha lembrou que o modelo da produção agrícola atual no mundo teve início no século XX e é a referência de toda a agricultura no Brasil. “É importante considerar que a agricultura convencional que a gente tem é fruto da Revolução Verde e que foi adotada em larga escala no mundo, primeiro nos países do hemisfério norte, como Estados Unidos e toda Europa, e a partir dos anos 60 se espalharam por todos os outros continentes e chegou à América Latina”, contou.

A Revolução Verde mudou as práticas agrícolas em todo o mundo, principalmente nos países em desenvolvimento. Ela foi marcada por um alto investimento em pesquisas tanto de universidades quanto pelas próprias empresas do setor. E com isso substituiu os métodos tradicionais de agricultura para uma maior industrialização do manejo e a introdução de químicos.

“Esse modelo de agricultura tem dois insumos fundamentais que o torna o altamente contraditório para o século XXI. Se ele foi extremamente importante para a segunda metade do século XX e proporcionou uma grande quantidade de alimentos e, a partir daí, a humanidade não passa mais fome por falta de alimentos – a fome está associada a outros problemas estruturais e questão de divisão de renda principalmente,  então esse foi o grande trunfo da revolução verde”, destacou Rocha. 

Limitações da prática

Lavoura de trigo no município de Ibirapuitã, RS (Foto: Embrapa)

Apesar da importância para suprir a deficiência de alimentos no século passado, Carlos Hugo afirmou que a humanidade “não pode  perder de vista as limitações da Revolução Verde”, pois ela precisa de insumos como fertilizantes e agrotóxicos. O engenheiro agrônomo explica que os fertilizantes vêm de fontes que não são renováveis, por isso a limitação. Além disso, o insumo básico associado à produção desses insumos é o petróleo. 

“A produção de fertilizantes é dependente do petróleo. E a energia gasta para produzir fertilizante, seja uréia ou para produzir produtos químicos, tanto como fórmulas energéticas ou como bases de cadeias de moléculas que vão virar fertilizantes ou agrotóxicos, ela é dependente do petróleo. E assim a gente tem uma contribuição muito grande da agricultura em escala global para produção dos gases do efeito estufa”, pontuou Carlos Hugo.

Agrofloresta

Agloforesta (Foto: Dronemetria/imagens aéreas/Parque Florata)

A Revolução Verde foi muito importante no século XX, mas Rocha avaliou que o atual momento do planeta exige outros meios de produção. “Essa dependência e versatilidade da agricultura da Revolução Verde, com essa dependência dos inputs químicos que são problemáticos para o século XXI, torna necessário que a gente encontre métodos mais sustentável de produção. E e a agrofloresta entra nessa perspectiva”, afirmou.

Os sistemas agroflorestais ainda são uma novidade. O engenheiro agrônomo disse que há experiências desse sistema no Brasil e no mundo e destacou que o nosso país tem um potencial muito grande para esse meio de produção. “Uma vantagem relativa do Brasil é o clima tropical e subtropical e isso favorece esses sistemas agroflorestais”, disse.

As agroflorestas são, então, uma agricultura ainda embrionária. Diferente do setor orgânico, esse meio de produção não tem um processo de certificação, sendo utilizadas instruções normativas regionais. Portanto, esse modelo de manejo ainda está sendo testado e adaptado em experiências de sistema agroflorestal. Carlos Hugo explicou um possível motivo de não existir essa certificação  nacional.

“Os sistemas agroflorestais são desenvolvidos e adaptados de acordo com a realidade de cada ecossistema. A ideia é imitar a natureza, ou seja, usar a natureza como o modelo. Então a natureza é o espelho no qual você procura adaptar o seu manejo para essas condições. O processo em si é isso. É essa dinâmica de interpretar e procurar desenvolver a agricultura nessa perspectiva”, disse.

Diferentes ecossistemas

Floresta
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A realidade de cada ecossistema é importante para respeitar a flora regional de cada agrofloresta. O Brasil, por exemplo, possui oito Biomas listados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e cada um é constituído por características próprias. Esses Biomas são: Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa.

“A realidade regional do Paraná é de propriedade voltada para o cultivo de soja, principalmente. Então tem a soja, o milho e as agriculturas de inverno. E também é uma região com bastante cultivo de aveia, com particular plantio de inverno para a cobertura do verão. Como poderia ser feito isso na agricultura do Cerrado que é diferente? Seria com um princípio diferente”, apontou.

É importante que uma agrofloresta crie diversidade em vegetação e que seja coberta de árvores nativas. Segundo Rocha, isso diversifica a paisagem e ao mesmo tempo faz com que ela cumpra o seu papel fundamental que é a reciclagem de excesso de nutrientes, que iriam diretamente para o lençol freático.

Pesquisa e investimento

Colheita de milho, colheita de grãos
Foto: CNA / Wenderson Araújo / Trilux

Já existem estudos e trabalhos acadêmicos sobre sistemas agroflorestais. Assim, Carlos Hugo Rocha afirmou que  há um interesse científico acadêmico pelo potencial das agroflorestas, porém a maioria desses levantamentos são encontrados em língua inglesa. Para o engenheiro agrônomo o maior desafio é “sistematizar ou criar uma linha de pesquisa que favoreça o desenvolvimento desse sistema numa perspectiva otimista”.

A implantação da Revolução Verde foi realizada na perspectiva da pesquisa, extensão e formação de técnicos. Rocha afirmou que houve um maciço investimento público na formação de cientistas, engenheiros agrônomos e técnicos. “Se a gente tivesse uma parcela desse interesse e investimento nos próximos 50 anos, teríamos uma agricultura no Brasil completamente diferente. Seria muito mais ecológica e inclusiva socialmente por conta da perspectiva de democratizar o acesso a terra e pequenas propriedades, por exemplo”, destacou. 

A perspectiva desse sistema de produção para o Brasil é promissor e vantajoso. O engenheiro agrônomo apontou uma “expectativa fantástica” de evolução das agroflorestas do Brasil. Seja para o desenvolvimento sustentável ou para a melhor distribuição de renda no país.

“A concentração de renda e terras é o que leva a essa estagnação socioeconômica justamente porque ela não é inclusiva. Mas um aspecto importante é que nós subsidiamos o uso de agrotóxicos no Brasil. Existe uma isenção de impostos, como  o ICMS e outros, para a venda dos agrotóxicos com a desculpa de que isso iria baratear o custo dos alimentos. Mas isso é uma meia verdade e é uma discussão mais profunda”, explicou o especialista.

Um exemplo

A produtora rural Sílvia Pinheiro adotou o sistema agroflorestas em sua propriedade, e, segundo Silvia, a biodiversidade é tão grande que evita muitas pragas e dá mais saúde para os vegetais (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Carlos Hugo disse que essa isenção chegava a R$ 1 bilhão em valores para o estado de São Paulo entre 2016 e 2017 e que “isso é maior que o valor do orçamento da Secretaria do Meio Ambiente do Estado naquele ano”. 

O especialista explicou que são dados que não estão facilmente disponíveis e que os de São Paulo só vieram a público por meio de uma investigação do Ministério Público.“Se São Paulo é  R$ 1 bilhão daria para chutar que seria razoável que a isenção do Paraná representasse R$ 800 milhões”, disse Rocha fazendo uma analogia com os dados. 

“Com esses R$ 800 milhões a gente poderia contratar algo em torno de 6.700 técnicos agrônomos para trabalhar no Paraná inteiro fazendo o contrário. Como por exemplo o manejo integrado de pragas para diminuir o uso de agrotóxicos e incentivar a extensão para agroflorestas. Ou seja, isso daria 15 profissionais formados por municípios do Paraná que poderiam ser mantidos com esse recurso”, contou Rocha.

Segurança alimentar

Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável é o objetivo número 2 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas para um mundo desenvolvido e sustentável. Desta forma, as agroflorestas se apresentam como uma alternativa para a produção de alimentos e conservação das árvores para a agricultura no futuro e já agora. 

ODS
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU

Segundo a lei federal de criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), segurança alimentar e nutricional é o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso às demais necessidades essenciais. A base da legislação são práticas alimentares que garantem a saúde, diversidade cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

Carlos Hugo Rocha ressaltou que o método da Revolução Verde contribuiu para a vasta produção de alimentos no século XX,  mas que também gerou a concentração de renda e terras. Além de contribuir e causar diretamente a poluição da água e do solo.  O especialista ressaltou ainda que esse modelo de produção depende de subsídios que podem ser transformados.

“É possível transformar esse tipo de subsídio em um novo subsídio verde e ecológico, em que um dos componentes que poderia e deveria ser incentivado em larga escala são os sistemas agroflorestais, pelo seu potencial. Mas para isso a gente precisa ter um tipo de pesquisa diferenciada, que exige uma perspectiva de trabalhar com comunidades e com agricultores”, concluiu.

Repense: Agrofloresta promove convivência saudável entre pessoas e natureza em área urbana

Leia mais: