O filme ‘Ainda Estou Aqui’, dirigido por Walter Salles, tem sido um fenômeno não apenas de bilheteria, mas também de impacto cultural e histórico. De acordo com a Agência Nacional do Cinema (Ancine), o longa já foi assistido por mais de 5 milhões de pessoas em 420 cidades brasileiras.
A produção reacendeu o debate sobre a ditadura militar (1964-1985), tema central da narrativa, e levantou questões sobre como o cinema pode contribuir para a preservação da memória histórica no Brasil. Em entrevista ao programa Pauta 1 do Sistema Sagres, a professora de história da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Sandra Rodart, destacou a importância da obra.
“O filme foi fundamental para que repensássemos a história e a maneira como ela é narrada. Como disse o historiador John Hewson, as pessoas aprendem por diferentes narrativas, e o cinema tem uma força única nessa transmissão de conhecimento”, afirmou.
O cinema como ferramenta de aprendizado histórico
O Brasil ainda não abriu todos os arquivos da ditadura, o que dificulta o acesso a informações completas sobre esse período. Assim, os relatos de sobreviventes e familiares de vítimas tornaram-se peças-chave para a construção da memória coletiva.
Ainda Estou Aqui, baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva, apresenta a história real de uma família devastada pela repressão do regime militar, permitindo que o público enxergue a ditadura de forma mais humana e emocional. “O filme coloca nome e rosto no sofrimento causado por esse período”, ressaltou Sandra Rodart.
“Ao retratar a história de uma família comum, ele nos lembra que a violência da ditadura não foi apenas contra políticos e intelectuais, mas atingiu pessoas comuns, estudantes, professores e trabalhadores.” A abordagem sensível da obra também é um diferencial.
“Talvez a violência explícita não esteja tão evidente como em outras produções, mas ela está lá, na tensão psicológica, na sensação constante de insegurança. A cena em que Eunice está presa, ouvindo a mesma música repetidamente, sem saber do paradeiro da filha e do marido, é de uma brutalidade imensa”, analisou a professora.
Uma nova forma de retratar a ditadura no cinema
O cinema brasileiro já abordou a ditadura militar em diversas produções, desde Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho, até O Que É Isso, Companheiro? (1997), de Bruno Barreto. No entanto, Ainda Estou Aqui adota um tom diferente, focado no drama familiar.
Essa escolha narrativa, de acordo com especialistas, contribui para que novas gerações se conectem com a história. “Os jovens muitas vezes têm o primeiro contato com esse tema na escola, onde os livros didáticos apresentam a ditadura de diferentes formas. O cinema traz uma perspectiva emocional, tornando o aprendizado mais marcante”, explicou Rodart.
Apesar de muitos insistirem que a ditadura militar no Brasil foi “branda” em comparação com outros regimes autoritários da América Latina, a professora refuta essa ideia. “Essa é uma fala horrível. Se um único pai de família tivesse sido morto ou desaparecido, já seria um episódio trágico. O filme escancara essa dor ao contar a história de uma família destruída pela repressão.”
Impacto e recepção do público
O sucesso de Ainda Estou Aqui demonstra que há um interesse do público brasileiro em revisitar sua própria história. Walter Salles, diretor do longa, destacou a importância desse reencontro.
“Ver os brasileiros voltando ao cinema para conhecer sua própria história é o maior prêmio que eu poderia sonhar”, afirmou. O filme reforça o papel da arte na construção da memória coletiva e na reflexão sobre o passado.
Para Sandra Rodart, esse tipo de narrativa é essencial para evitar que erros históricos se repitam. “A ditadura ainda ecoa no nosso presente. Entender esse período é fundamental para que possamos garantir que esses acontecimentos não se repitam no futuro.”
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 04 – Educação de Qualidade
Leia também: