O cinema brasileiro volta a ser destaque no Oscar com o filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, que concorre em três categorias: Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, com Fernanda Torres. Além disso, a produção também celebra uma trajetória de sucesso nos festivais internacionais, acumulando 39 prêmios em eventos como o Festival de Veneza, Globo de Ouro e Festival de Roterdã.
O longa, que narra uma história intensa ambientada entre as décadas de 1970, na ditadura militar, e 2014, não só resgata memórias e sentimentos por meio da narrativa, mas também envolveu um minucioso trabalho de produção artística. Entre os profissionais que contribuíram para essa construção cinematográfica estão três goianas: a diretora de arte Wilma Morais, a maquiadora Ana Simiema e a produtora de arte Michelle Carneiro.
Em entrevista ao programa Pauta 1 do Sistema Sagres, Wilma Moraes destacou o cuidado com a reconstrução histórica e o impacto da experiência. “Foi muito incrível ter acesso ao roteiro, às pesquisas e a todo o planejamento. O Walter já vinha há oito anos estudando e escrevendo o filme antes de começar as gravações. Durante a filmagem, o processo também foi muito longo, com oito meses de dedicação intensa”, contou.
Wilma também relatou o desafio de transição dos cenários entre o Rio de Janeiro e São Paulo, um aspecto crucial para a narrativa. “Aquela cena do filme em que a casa é esvaziada realmente aconteceu. Todo o mobiliário do Rio de Janeiro foi transportado para São Paulo, onde houve uma adaptação para refletir a mudança de época”, explicou.
Mais bastidores
Do mesmo modo, Michelle Carneiro, produtora de arte, revelou os bastidores da criação dos espaços que deram vida aos personagens. “A pesquisa foi fundamental. Quando entrei na produção, já havia um acervo extenso de fotos e entrevistas da família real que inspirou a história. Mas, além da reprodução histórica, nosso trabalho envolvia interpretar esses personagens e imaginar detalhes que pudessem contar mais sobre suas personalidades”, afirmou.
Ela ainda destacou a importância dos elementos simbólicos no design de produção. “O mobiliário modernista brasileiro foi muito utilizado, como a poltrona Mole e a cadeira Lúcio Costa, do Sérgio Rodrigues. Mas isso vai além da estética. Muitos arquitetos da época foram exilados ou perseguidos pela ditadura, então carrega um significado histórico”, explicou Michelle.
A casa onde se passa grande parte do filme foi um dos elementos centrais da narrativa. A equipe de arte recebeu até mesmo desenhos feitos por uma das irmãs da família para recriar os espaços com a maior fidelidade possível.
Cenário espontâneo
No entanto, a intenção do diretor de arte franco-argentino, que já havia trabalhado com Walter Salles em Diário de Motocicleta, era criar um cenário que não se destacasse de forma artificial. “O cenário não pode gritar ‘década de 70’. Ele tem que servir à cena e acompanhar a narrativa, sem roubar a atenção do espectador”, explicou Michelle.
Essa abordagem exigiu um cuidado especial até mesmo em detalhes como a movimentação de cortinas e a escolha de telefones para determinadas cenas. Para os atores, a imersão no ambiente também foi essencial.
“No escritório do personagem Rubens, por exemplo, cada gaveta continha objetos reais da época, como réguas de engenharia e calculadoras antigas. Isso permitiu que os atores se apropriassem do espaço de maneira mais autêntica”, destacou a produtora de arte.
Reconhecimento de Walter Salles
Um dos momentos mais marcantes da equipe de arte foi a recriação do escritório de engenharia. “Fizemos uma pesquisa imensa e encontramos um engenheiro aposentado que havia sido estagiário no escritório real. Ele tinha guardado documentos, contas feitas à mão, fotos e materiais da época, que usamos na cenografia”, revelou Michelle.
O empenho da equipe não passou despercebido. No último dia de filmagem, Walter Salles fez questão de agradecer pessoalmente. “Ele disse: ‘Muito obrigado, essa foi uma experiência incrível de cinema que eu vivi’. Isso foi muito gratificante para todos nós”, contou Michelle.
Com um trabalho minucioso e a dedicação de profissionais brasileiros, incluindo os talentos goianos, Ainda Estou Aqui não só representa o Brasil no Oscar, mas também reforça a qualidade e a profundidade do cinema nacional no cenário mundial. Agora, resta ao público torcer para que o longa conquiste a tão desejada estatueta dourada.
Mais que reconhecimento
O impacto dessa indicação, o crescimento do cinema em Goiás e os desafios enfrentados pela indústria também foram debatidos no Pauta 1, que ainda recebeu a professora de audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Thais Oliveira.
“A indicação de ‘Ainda Estou Aqui’ ao Oscar representa muito mais do que o reconhecimento de um filme. É um símbolo da força e da qualidade do cinema brasileiro”, afirmou Thais. De acordo com ela, a produção, além de sua narrativa envolvente, carrega um grande valor histórico.
“É um filme que toca o público e resgata memórias importantes do Brasil. Não é apenas uma questão técnica, mas também emocional”, destacou. A presença do cinema brasileiro em festivais internacionais tem se intensificado nos últimos anos.
Para Thais, esse reconhecimento internacional se deve, em parte, ao investimento público no setor. “Os incentivos governamentais foram fundamentais para essa retomada do cinema nacional. Produzir um longa-metragem exige um orçamento significativo, e o apoio financeiro faz toda a diferença”, explicou.
Inspiração para o cinema goiano
O crescimento do cinema goiano também foi um dos pontos debatidos. Goiás tem se destacado na produção cinematográfica, especialmente com curtas e, mais recentemente, com longas-metragens. Filmes como Oeste Outra Vez, de Érico Rassi, e A Ilha dos Ilus, da Mandra Filmes, são exemplos desse avanço.
“Há um aumento considerável na produção de longas-metragens em Goiás, impulsionado por editais e políticas de fomento. Isso não apenas fortalece a cena local, mas também gera oportunidades para novos talentos”, disse a professora. Além do reconhecimento internacional, a permanência do cinema nacional nas telas depende do engajamento do público.
Thais fez um apelo para que os espectadores valorizem as produções nacionais indo às salas de cinema. “Se o público não comparece, os filmes saem de cartaz rapidamente. É essencial que as pessoas assistam às produções brasileiras na primeira semana de exibição, garantindo sua permanência nas telonas”, enfatizou.
A expectativa para o Oscar é grande, e Thais acredita que há chances reais de vitória. “Acredito que pelo menos um dos três prêmios pode vir para o Brasil. Independente do resultado, a indicação já é uma vitória imensa para o nosso cinema”, afirmou. O evento ocorre durante o Carnaval, mas, de acordo com a professora, muitos brasileiros vão interromper as festividades para torcer por Ainda Estou Aqui e sua equipe.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 04 – Educação de Qualidade
Leia também: