Jessica Lima
Jessica Lima
Jornalista multimídia, escreve principalmente sobre temas ligados à educação e defesa dos direitos humanos.

Após decisão de Suprema Corte, EUA sinaliza mais um passo rumo às desigualdades

Inconstitucional. Essa foi a classificação dada às ações afirmativas que consideram a raça como um critério para a facilitação da entrada no Ensino Superior.

O “título” veio direto da Suprema Corte dos Estados Unidos (Supreme Court of the United States), tribunal que, em linhas gerais, decide se as leis e as ações do governo são constitucionais, além de descrever a amplitude e os limites do governo eleito.

“Guardiões da Constituição”, por assim dizer.

No entanto, a partir da decisão do dia 29 de junho, parecem guardar também parte do poder operado pelas desigualdades, em um país marcado historicamente por segregações raciais.

O que foi decidido?

A Suprema Corte dos EUA definiu, a partir de um longo documento com quase 240 páginas, que universidades americanas não poderão utilizar a raça dos candidatos durante o processo de admissão. A decisão vale tanto para instituições públicas como privadas.

Para contextualizar a decisão, os nomes de duas universidades aparecem em destaque: Universidade de Harvard (privada) e Universidade da Carolina do Norte (pública).

O país não possui um sistema de cotas, como o que temos no Brasil desde 2012 (Lei 12.711), porém, desde 1978, os juízes estadunidenses permitiram que as universidades incluíssem, em algumas condições, a raça dos candidatos entre os critérios de admissão.

Porém, agora esse precedente foi revertido. Entre as afirmações que defendem a decisão, aparecem declarações que afirmam que estudantes brancos e asiáticos estariam sendo alvos de discriminação.

Histórico

Não é a primeira vez que as ações afirmativas são contestadas no país. Em 2013, no caso conhecido como “Caso Fisher v. University of Texas”, após uma estudante branca afirmar ter sido injustiçada por não ser admitida pela Universidade do Texas e que a decisão violava a Cláusula de Igual Proteção da Décima Quarta Emenda da Constituição dos Estados Unidos.

Porém, em 2o13, a decisão foi a favor da Universidade, por 7 votos a 1. Um dos embasamentos para a decisão foi outro marco histórico quando o tema é ações afirmativas para o Ensino Superior no país – o caso Grutter v. Bollinger, em 2003. Na época, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu o caso por 5 votos a 4, em favor da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan.

Nos dois casos, há um consenso de que ações afirmativas atuam como uma ferramenta para minimizar os efeitos de séculos de desigualdade e opressão, e uma via para potencializar a diversidade entre os ingressantes.

E hoje?

Em levantamento feito pelo Washington Post, jornal norte-americano, em 2022, cerca de 7%5 dos cidadãos negros no país temiam que eles, ou alguém a quem amam, fossem vítimas de ataques por supremacistas brancos.

Entre as dezenas de afirmações presentes do documento com a decisão do Tribunal em 2023, é possível destacar a frase escrita pelo autor e presidente do tribunal, John Roberts, de perfil conservador, presente na corte desde 2005.

“O estudante deve ser tratado com base em suas experiências como um indivíduo, não com base na raça”.

A declaração vai na contramão de inúmeras discussões globais que reconhecem que mérito e “esforços” não se aplicam da mesma maneira quando o sujeito avaliado precisou atravessar obstáculos como racismo e ausência de melhores oportunidades.

“Muitas universidades, por muito tempo, fizeram exatamente o oposto. E, ao fazê-lo, elas concluíram erroneamente que o critério de avaliação da identidade de um indivíduo não são os desafios superados, as habilidades construídas ou as lições aprendidas, mas a cor de sua pele. Nossa história constitucional não tolera essa escolha”, é dito em outro trecho.

Students for Fair Admissions

Em tradução livre, “Estudantes por admissões justas”, o grupo foi o responsável por mover as duas ações judiciais que resultaram na decisão mais recente da corte.

Antes da decisão ampla, outros estados já haviam proibido que suas universidades considerassem a raça como um dos critérios de admissão. Um deles é o estado da Califórnia, que em 1996 oficializou a Proposição 209, proibindo a consideração da raça, etnia ou sexo em decisões de admissão, emprego e contratação em instituições públicas na Califórnia.

Em 2000, aconteceu o mesmo na Flórida. Em 2010, no estado do Arizona. Há pesquisas que demonstram que nesses estados, a diversidade de perfis entre estudantes têm diminuído, assim como o acesso a cargos mais altos e melhores remunerações.

Não é como se apenas uma vaga estivesse em jogo. Considerando que o acesso à Educação Superior, lá e no Brasil, ainda é uma dos principais caminhos para a ascensão social, a decisão pode afetar toda a jornada econômica de milhões de norte-americanos.

E não há “mérito” ou “força de vontade” que diminuam a veracidade deste fato. Assim, o conceito de “admissões justas” é, no mínimo, contestável.

Repercussões

“Um benefício para um estudante que superou a discriminação racial, por exemplo, deve estar conectado a sua coragem e determinação”, é dito em outro trecho.

Se procurarmos pelo significado da palavra “coragem” em um dos principais dicionários da Língua Inglesa, o Cambridge Dictionary, ela aparece como sendo “a habilidade de controlar o medo e a disposição para lidar com algo perigoso, difícil ou dedagradável”.
Todavia, seria a coragem um elemento forte o suficiente para ultrapassar séculos de construções permeadas pelo racismo e por desigualdades?

Diante de um contexto que envolve uma decisão dessa magnitude, o acesso à Educação Superior exige mais do que lapsos corajosos, mas as mínimas condições de equidade necessárias para avançar.

Após a decisão da Suprema Corte, muitas figuras políticas e personalidades estadunidenses se pronunciaram.

“As nossas mentes mais brilhantes devem ser valorizadas e é isso que este dia maravilhoso trouxe. Vamos voltar a tudo com base no mérito e é assim que deve ser!”, escreveu o ex-presidente republicano Donald Trump.

“Nossas faculdades são mais fortes quando são diversas racialmente (…) A decisão da Suprema Corte não é a última palavra”, contrasta o presidente Joe Biden.

Biden, em redes sociais, reitera seu posicionamento contrário à decisão proferida pela Suprema Corte (Imagem: Reprodução Twitter)

Barack Obama, presidente entre 2009 e 2017, afirmou que as ações afirmativas não são uma resposta completa, mas que possibilitam a chance de estudantes negros demonstrarem que merecem “um lugar merecido na mesa”.

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