As perspectivas judiciais relacionadas às mudanças climáticas estiveram em pauta num painel da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 28), em Dubai. Mas como é que as questões jurídicas se relacionam com os demais aspectos das mudanças climáticas? A pergunta é de Marcos Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da USP, que escreveu o artigo “COP 28: a barreira da distância entre a ciência e os outros domínios do conhecimento”.

O papel do judiciário

Buckeridge integrou a comitiva da USP que participou da COP 28, que ocorreu entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro. Mas o professor retornou com alguns questionamentos em relação ao papel do judiciário no combate as mudanças climáticas: Qual o papel da Suprema Corte nas questões climáticas? Ela é crucial? Além disso, o docente se perguntou sobre a relação do judiciário com os outros aspectos das mudanças climáticas?

Os questionamentos foram inspirados nas colocações dos juízes brasileiros que participaram do painel. Marcos Buckeridge acredita que as Cortes são de fato cruciais no combate às mudanças climáticas, mas destacou no artigo a falta de efetividade do judiciário brasileiro em relação às queimadas na floresta Amazônica e no “massacre” que a ciência sofreu recentemente no país.

“Isto denota que a Corte é importante sim, mas que sua ação, assim como de todo o judiciário, tem um limite. Talvez um trabalho conjunto entre o Supremo Tribunal Federal e os cientistas possa ajudar”, disse.

Efetividade das leis

As discussões na COP 28 identificaram uma distância entre o STF e o dia a dia das pessoas. Marcos Buckeridge exemplifica as decisões judiciais sobre a Amazônia, quando uma lei criminaliza as queimadas, mas os cidadão ignoram o judiciário e seguem com as atividades.

“É preciso investigação, ação policial, prisões, julgamento e punições. Estes processos, pelo menos no Brasil, são tão longos que a floresta inteira poderá ser queimada antes mesmo que alguma ação efetiva puna os perpetrantes. Pior, eles poderão não ser punidos se o governo mudar e passar a protegê-los, como já aconteceu antes”, advertiu o professor.

Problemas, opiniões e soluções

Buckeridge aponta que as Conferências das Partes (COPs) têm um problema: reúnem pessoas, governos, empresas e instituições “dispersas em suas diferentes opiniões”. No entanto, aponta ele, o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) já indica um plano de ação através da ciência em três grupos. 

O Grupo 1 busca as evidências de mudanças climáticas e se elas têm relação com as atividades humanas. O seguinte (Grupo 2) é responsável por compilar as informações do primeiro e estudar a literatura científica para identificar os impactos das mudanças climáticas. O terceiro grupo, então, aponta as possíveis soluções para evitar os impactos identificados.

“No contexto formado pelo trabalho do IPCC, dois termos se tornaram chave para entender como abordar as mudanças climáticas: mitigação e adaptação. A primeira consiste em evitar as emissões de gases do efeito estufa e a segunda trabalha na busca por soluções para reparar os danos”, explicou.

“No ponto em que estamos, ainda que seja essencial continuar reunindo e disponibilizando informações, a ciência já apresentou seu caso. As mudanças climáticas estão em curso. Há tecnologias disponíveis e o problema pode ser atacado”, argumentou.

A ciência e a Corte

Para Marcos Buckeridge “qualquer caminho produtivo tem que ter como base a ciência”. Então, adaptação, transição, tecnologias e sustentabilidade estão entre os principais caminhos, mas todos se direcionam para a questão do financiamento.

 “Os países mais pobres reclamam que não têm como custear os desastres, que já estão acontecendo, conforme relatórios do IPCC.  Este problema era previsto, uma vez que os eventos extremos impactam cada vez mais os mais pobres e geram prejuízos financeiros sem precedentes por todo o planeta”, acrescentou o professor.

Buckeridge considera as questões econômicas, mas aponta as judiciárias como as questões centrais. Portanto, argumentou no artigo, é necessário que as Cortes de todos os países consigam abarcar os processos “internamente e entre si”. 

“Juízes estão preocupados com os processos de litigação climática, que começam a ocorrer em várias partes do mundo. Claramente, há uma descontinuidade na comunicação e compreensão dos juízes sobre a ciência e vice-versa. Tal diálogo precisa começar o mais rápido possível”, afirmou. O artigo na íntegra está publicado no Jornal da USP.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática e o ODS 16 – Paz, justiça e instituições eficazes.

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