Em apenas dez dias de setembro, o país registrou 37.492 focos de incêndio, mais que o dobro registrado no período em 2023, quando o Programa Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), registrou 15.613 focos. As cidades estão sofrendo efeitos como baixa qualidade do ar e muito calor. E segundo o especialista em mudanças climáticas e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), Philip Martin Fearnside, o cenário pode se agravar. “As cidades vão sofrer ainda mais com fumaça e ondas de calor”, disse.
O Distrito Federal amanheceu coberto por fumaça na segunda-feira (16) por causa de um incêndio que atingiu o Parque Nacional de Brasília no domingo (15). A situação afetou as pessoas que vivem em torno do parque, a exemplo da Universidade de Brasília (UnB), que cancelou as atividades presenciais no dia, e da Secretaria de Educação do DF, que orientou as escolas próximas ao local a suspender as aulas por causa da fumaça e da fuligem.
Segundo dados do Inpe, pelo menos 11 estados e o Distrito Federal registraram aumento nos focos de incêndio. A situação que começou em agosto colocou setembro na possibilidade de “calor excepcional”, com temperaturas previstas de 40°C a 45ºC em algumas áreas do país, segundo a MetSul Meteorologia.
Eventos climáticos
Os eventos climáticos extremos estão ocorrendo e é preciso ações imediatas para combater os problemas. No caso do Brasil no momento, a maior expectativa é que a chuva chegue para ajudar a apagar os focos de incêndios pelo país. Mas Philip Martin Fearnside explicou que o maior problema é que os eventos se tornam cada vez mais comuns e as ações em curso são para adaptação a eles.
“Infelizmente, quase toda a atuação do governo é para uma melhor adaptação, ou seja, para conviver melhor com essas mudanças. Embora isto seja importante, mais importante ainda é a mitigação da mudança climática, ou seja, a luta para fazer com que não aconteça. Apesar de discurso neste sentido, a atuação do governo, com a exceção importante do Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, é na direção oposta, aumentando as emissões”, afirmou.
O especialista em mudanças climáticas avaliou que as ocorrências não são surpresas, pois estão diretamente ligadas às mudanças nas temperaturas dos oceanos causadas pelo aquecimento global. “A rapidez e extensão das mudanças surpreendem, mas são o que se espera como impactos do aquecimento global”, afirmou.
“Embora estas mudanças estejam ocorrendo mais rapidamente do que eram esperadas, não são “surpresas” no sentido deste termo na área de ciência do clima, onde significa o surgimento de eventos indicando processos no sistema climático real que não estão incluídos nos modelos de clima. A ocorrência de mais “surpresas” é provável com a continuação do avanço do aquecimento global antropogênico”, acrescentou.
Alteração do clima
Já tem pouco mais de um ano que o clima no mundo vem passando por mudanças mais rápidas e eventos extremos mais evidentes. A mudança do fenômeno La Niña para o El Niño em junho do ano passado chegou alterando o cenário, principalmente na América do Sul. Ao mesmo tempo, o mundo passou pelo aquecimento das águas do Atlântico Norte e ondas de calor subsequentes.
Por consequência, o que está ocorrendo no Brasil é parte do que está acontecendo no mundo todo.
“Estamos com vários recordes climáticos no Brasil, assim como está acontecendo em outras partes do mundo. Mas isto não deve ser visto como uma catástrofe avulsa que acontece uma vez e depois voltamos ao “normal”. Os modelos indicam um aumento grande de eventos climáticos extremos com a continuação do aquecimento do planeta”, disse Fearnside.
Clima até dezembro
O inverno brasileiro está sendo marcado por uma intensa seca em várias partes do país e muito calor. A primavera chega no dia 22 de setembro, e com ela, de acordo com o Climatempo, o fenômeno La Niña deve se intensificar entre outubro e novembro. E, então, o clima vai mudar outra vez.
“As temperaturas da água no Oceano Pacífico já voltaram à faixa “normal”, terminando o El Niño em si, embora possa ter efeitos que demoram para parar. Então, é previsto um esfriamento do Pacífico, causando um evento La Niña, mas isto provavelmente não ocorrerá a tempo para salvar a Amazônia da continuação da seca este ano. Eventos La Niña causam chuva acima do normal na Amazônia e seca no sul do Brasil”, explicou o especialista.
Os efeitos do aquecimento global alteram o clima em todo o mundo, provocam mais eventos climáticos extremos e quebra de recordes históricos em relação às temperaturas. Philip Martin Fearnside afirmou que esse é o novo cenário do clima mundial e para ele ainda “deve piorar”.
“A lição é que precisamos tomar ações radicais agora para diminuir as emissões de gases de efeito estufa no limite necessário para manter a temperatura média global dentro do limite de 1,5 graus acima da média pré-industrial, atualmente acordado sob o Acordo de Paris”, finalizou.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 13 – Ação Global Contra a Mudança Climática.
Leia mais: