A Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), que é a agência de clima dos Estados Unidos, anunciou na quinta-feira (8), o retorno do fenômeno El Niño no Pacífico. O boletim semanal da agência divulgado na segunda-feira (5) já havia indicado que a temperatura da superfície do mar no pacífico equatorial era de 0,8°C.

Essa temperatura foi medida na região Niño 3.4, localizada no pacífico equatorial central, que é a área usada oficialmente para definir se existe um El Niño clássico de impacto global. Assim, a NOAA ratificou que a atividade medida é um El Niño que trará grandes impactos para o mundo.

As consequências serão sentidas regionalmente de formas diferentes no Brasil, conforme explicou o gerente do  Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas do Estado de Goiás (Cimehgo), André Amorim. A preocupação para Goiás será a irregularidade de chuvas em todo o estado.

“Nós podemos ter sim chuvas neste período de estiagem, mas nada muda, ele continua sendo um período de estiagem normal. Mas nós podemos, por exemplo, começar as chuvas no finalzinho de setembro e depois em outubro ter chuvas muito irregulares e em novembro chuvas abaixo da média.

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Gerente do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo), André Amorim
Gerente do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas de Goiás (Cimehgo), André Amorim

De acordo com Amorim, o El Niño é o aquecimento anômalo das águas do pacífico equatorial. E como consequência, esse aquecimento promove mudanças e altera as correntes de vento que percorrem o globo todo. 

“O El Niño foi deflagrado porque o oceano pacífico alcançou 0.7 graus, então ele está mais do que meio grau acima da média. Toda vez que acontece isso, ele estando acima, ele é El Niño e estando meio grau abaixo, é La Niña”, destacou Amorim.

As condições normais da temperatura no pacífico é que os ventos alísios a oeste do Equador levem a água quente da América do Sul para a Ásia. Por meio de um processo denominado ressurgimento, no meio do caminho, a água fria sobe da parte mais profunda do oceano e substitui a água quente. No entanto, na região equatorial, o pacífico possui três fases: El Niño (quente), neutralidade e La Niña (fria). Nos últimos anos tivemos uma estabilidade com o esfriamento dessa água.

“Fazendo uma pequena retrospectiva, tivemos três anos de La Niña consecutivos. Então tínhamos o La Niña, depois ficava em um pequeno período de neutralidade e voltava La Niña novamente. E no caso desse ano nós saímos do La Niña, entramos em neutralidade e agora estamos em El Niño” destacou.

Mudanças

O El Niño começou a ser medido há mais de 40 anos, mas o gerente do Cimehgo afirmou que ele sempre esteve presente. Segundo André Amorim, a cada série de El Niño melhoramos a percepção dos efeitos do fenômeno, pois temos condições diferentes de lidar com a situação atualmente. 

“Lá atrás, numa data bem longínqua, ele acontecia e as pessoas não sabiam o que era. Hoje não, hoje temos equipamentos que podem medir a temperatura da água, então isso facilita bastante”, contou.  

Com a alteração das correntes de vento que percorrem todo o planeta, os efeitos são sentidos também em todo o mundo. Por isso, a classificação do fenômeno é importante para entender quais serão as mudanças e em que medidas elas podem ocorrer.

Há dois tipos de classificação para o El Niño: o costeiro, que aquece a água do oceano mais perto dos litorais do Peru e do Equador e o clássico ou canônico, que gera um aquecimento maior na região do equador e muda a direção das correntes de vento. O tipo identificado pelo NOAA na última semana foi o clássico, e ele deve mudar o clima nos próximos meses, gerando extremos de seca e chuva.

Efeitos

André Amorim exemplificou as correntes de vento como as frentes que entravam no sul do país. Ele disse que são correntes que funcionam como bloqueio ou como uma situação para impulsionar. Essa explicação é importante para compreender o que o El Niño vai causar no Brasil. A primeira coisa para entender é que os efeitos do fenômeno não serão imediatos.

“Apesar de ter sido deflagrada a questão da temperatura (no dia 8), a natureza não responde de imediato. Então, o efeito do El Niño nós veremos para o mês de julho. Ele já vai influenciar no finalzinho desse mês, mas no próximo mês com mais ênfase. Então, julho, agosto e setembro nós teremos temperaturas mais elevadas, essa é uma característica”, disse.

Não há uma regra para o retorno do El Niño estar ocorrendo este ano. Amorim destacou que o El Niño tem uma duração um pouco menor que o La Niña, que perdurou nos últimos três anos. “Geralmente ele tem duração de dois anos e demora uns cinco ou sete anos para voltar, mas não tem uma regrinha básica”.

Preocupação

Enchente
Enchente (Foto: Wri Brasil/site)

O El Niño vai mudar o padrão do clima que vivenciamos nos últimos anos. Sua presença vai gerar benefícios e problemas diferentes em todas as regiões do mundo. No Brasil, internamente, as regiões também vão conviver com o fenômeno de maneiras opostas.

“Nós estamos com o La Niña que prejudica a Região Sul do país. Mas agora a Região Sul volta a ter água novamente, pois deve ter chuvas. Então falar sobre efeitos positivos é meio complicado. O bom é que tenha chuva para todo mundo e não esses efeitos sobe e desce”, destacou Amorim.

A principal preocupação com o El Niño é justamente esses extremos. O gerente do Cimehgo explicou que enquanto uma parcela da população do globo se favorece com o fenômeno a outra se desfavorece em alguma medida. No entanto, destacou ele, não há sinais positivos na presença tanto do El Niño quanto do La Niña.

 “No final das contas tem gente sofrendo por conta de falta de água ou excesso de chuva. Então, a gente faz uma avaliação que o melhor é quando está neutro, temos uma situação melhor se não estamos sofrendo influências. Mas toda vez que tem algum fenômeno, especialmente o El Niño, ele traz temperaturas mais elevadas. Então os efeitos, na verdade, são mais negativos por conta do El Niño”, disse.  

Brasil

Calor Goiânia
Foto: Kamylla Rodrigues

Goiás não tem uma situação clássica ou bem padronizada quando está sob efeito do El Niño e do La Niña. Então, a cada série dos fenômenos o estado enfrenta situações diferentes. O que vai ocorrer por aqui vai depender também de como o clima vai ficar em outros lugares do país, especialmente na Região Norte.

“Na Região Sul do Brasil, que estava com seca, vai voltar a chover e nas Regiões Centro e Norte do país vamos ter problemas com questões de chuva. Serão chuvas muito irregulares e que podem trazer problemas especialmente no período chuvoso para a agricultura”, pontuou.    

Já são quatro anos que o Sul do país está passando por uma seca, mas com o El Niño a situação da região vai mudar. Entretanto, a presença do fenômeno para o Sul também deve trazer problemas. “Vai ter muita chuva no Rio Grande do Sul e isso também pode trazer problemas porque chuva em excesso ou seca em excesso é um problema. Então, no caso, vai ter mais chuvas em excesso”, afirmou.

Goiás

O clima goiano é diferente do Sul do país e podemos sentir pelo tempo. Então, se houver excesso de chuvas naquela região, por aqui o extremo oposto será o período da seca. “Para a parte Centro-Norte do país, pegando boa parte de Goiás, a Região Nordeste e parte da região Norte como a amazônica, a tendência é de seca”, afirmou.

“Isso preocupa porque pode aumentar os números de focos de queimadas e muitas consequências advêm disso, principalmente a dos rios voadores, porque a umidade que chega aqui no estado de Goiás quando sobe uma frente fria, aquela conexão que tem com a região amazônica, ela é muito forte”, explicou.

Boa parte das chuvas em Goiás ocorrem por causa dessa umidade que vem da Região Norte. Por isso, conforme André Amorim, se a região amazônica vai ter um aspecto mais seco, isso preocupa pois pode afetar as chuvas por aqui. “Porque o estado de Goiás depende das frentes frias e da umidade da Região Norte do país, e este depender, realmente traz consequências graves”.

Consequências

guia agronegócio
Agricultura. (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)

A principal consequência do El Niño a curto prazo são as temperaturas mais elevadas já entre julho e setembro. A longo prazo, o estado de Goiás vai sentir essas consequências também na parte agrícola e no abastecimento dos rios.

“A preocupação é que numa época de plantio ou até que as chuvas voltem com uma certa irregularidade, nós vamos passar por esse período de estiagem e vamos continuar com essa situação. E o que preocupa é porque havendo seca na Região Norte do país a umidade da Amazônia não vai chegar com tanta facilidade”, disse. 

A previsão atual do NOAA é que a presença do El Niño será certa até pelo menos o início de 2024. Com isso, devemos ver cenários de secas e chuvas intensas e temporais. Entre outras consequências, a CNN Brasil informou que o fenômeno deste ano deve provocar um rombo de R$ 14,8 trilhões na economia global até 2029.

As preocupações são diversas, mas o gerente do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas do Estado de Goiás, André Amorim, afirmou que, por enquanto, todas são ainda genéricas. 

“Certas situações preocupam e a gente pode ter um quadro de seca se instalando, mas a gente vai delineando isso aí ao longo do tempo. Então, ao falar de hoje para o futuro vamos falar da maneira mais genérica. Há preocupação sim, altas temperaturas e um ambiente mais seco”, avaliou.  

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 13 – Ação contra a mudança global do clima.

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