O Censo Demográfico 2022 mostrou o crescimento da presença de pretos e pardos no ensino superior nas últimas duas décadas. Os dados apresentados do recorte de cor ou raça apontam que a população com 25 anos ou mais com nível superior completo que se declara preta aumentou de 2,1% em 2000 para 11,7% em 2022. Em 2010, o percentual era de 5,2%. Entre a população parda os percentuais foram de 2,4% (2000), de 5,7% (2010) e de 12,3% (2022). Contudo, a secretária de inclusão da Universidade Federal de Goiás (UFG), a professora Luciana Dias, afirmou que esse aumento não representa equidade.

“Me chama muita a atenção esse crescimento cinco vezes mais pessoas negras, que é esse conjunto que aproxima pretos e pardos, em 22 anos de políticas de ações afirmativas. E quando a gente fala cinco vezes mais dá a impressão que a gente está falando de um aumento significativo. Ele é significativo, mas ele está muito longe de representar uma situação de equidade, de justiça social e de redistribuição de fato desse bem que é a universidade”, afirmou.

A professora está à frente da Secretaria de Inclusão (SIN) da UFG, que atua diretamente na formulação de políticas para ampliar o acesso e a permanência de pretos e pardos no ensino superior. Para efeito de comparação dos percentuais, entre os brancos o acesso foi de 9.9% (2000), de 16,6% (2010) e de 25,8% (2022).

Luciana Dias celebrou o aumento. No entanto, ela questionou os dados e ressaltou a necessidade de equiparar os números. “Se a gente voltar a 22 anos atrás, a presença negra na universidade na condição de estudante não ultrapassava 1% . Então a gente tem cinco vezes mais de 1%. Então, a gente tem um longo trabalho pela frente ainda a ser executado para que a gente alcance uma situação de equidade racial de fato no acesso a esse bem tão valoroso que é a universidade”, argumentou.  

O desafio da inclusão no ensino superior

Os avanços da população negra no ensino superior são significativos, sobretudo desde a aprovação da lei de cotas em 2012. Mas o acesso está ligado em toda a estrutura de desigualdade racial na educação e na realidade socioeconômica do país, e ainda persiste apesar do crescimento. O fato gera outro problema para essa faixa da população, que ao entrar numa universidade, muitas vezes não consegue permanecer.

Luciana Dias disse que a discussão ficou por muito tempo presa em políticas de ingresso como as cotas raciais, mas destacou que a universidade tem um desafio maior para incluir de fato a população parda e preta no ensino superior.

“Inclusão não pode ser entendida somente como ingresso. Se numa política pública de inclusão está garantido somente o ingresso, se a permanência não é pensada, essa inclusão é parcial. O desafio da universidade é pensar a inclusão nessa chave ampliada. Nesse sentido, inclusão é ingresso, é permanência e é também diplomação. Porque uma inclusão que não garante a saída desses estudantes com o diploma na mão para encarar o mercado de trabalho também é uma inclusão parcial”, ressaltou.  

Estudantes pretos e pardos (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)
Estudantes pretos e pardos (Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Articulação de toda a sociedade

Outro ponto importante para a secretária de inclusão da UFG é gerar nos estudantes pretos e pardos o sentimento de pertencimento porque são pessoas que historicamente foram excluídas da universidade e consequentemente de acessar os espaços de pensar criticamente e construir a sociedade em que vivem. 

“Essas pessoas precisam construir o sentimento de pertencimento a essa casa. São pessoas que muitas vezes são as primeiras da sua família a entrar numa universidade na condição de estudante para fazer o seu curso superior. Essas pessoas muitas vezes quando chegam na universidade não se sentem pertencentes a esse lugar e esse sentimento tem um impacto no rendimento desse estudante. Então, é fundamental que uma universidade que pense políticas de inclusão pense também em políticas e ações concomitantes que possam gerar esse sentimento de pertencimento. Ele é absolutamente findamental”, disse.    

O desafio da inclusão é de toda a sociedade, porque depois da formação superior a população preta e parda enfrenta as mesmas barreiras no mercado de trabalho. Para a professora da UFG, é preciso também mudar a mentalidade de que políticas públicas partem das instituições e são elaboradas e executadas somente por elas.

“O que a gente precisa é de uma articulação entre todas as instituições de toda a sociedade para transformar a sociedade como um todo. Pensa comigo, a sociedade brasileira é uma sociedade de base discriminatória, o brasileiro é especializado em discriminar. Se somente uma instituição pensa em políticas de inclusão, acessibilidade, ações afirmativas, a transformação acontece somente nesta instituição. Então é fundamental um trabalho articulado envolvendo todas as instituições”, afirmou. 

Luciana Dias é a secretária de inclusão da UFG (Imagem: Sagres TV)
Luciana Dias é a secretária de inclusão da UFG (Imagem: Sagres TV)

UFG criou política própria antes da lei de cotas 

Luciana Dias ressaltou a posição de vanguarda da UFG na criação de cotas para a população que era excluída das universidades. Enquanto muitas universidades começaram a reservar vagas com a lei de cotas em 2012, a UFG já fazia a política com o Programa UFGInclui desde 2008. O programa de inclusão e permanência é uma ação afirmativa que reserva uma vaga em cada curso de graduação da UFG para indígenas e negros quilombolas.

“O impacto que isso tem hoje é absolutamente importante, a gente tem uma universidade que tem uma alteração  que eu costumo chamar de alteração estética, isso porque a gente consegue verificar uma mudança numérica, a gente tem uma presença muito maior e muito mais diversificada na universidade desde as primeiras experiências de políticas de ações afirmativas. Então a gente tem hoje na UFG uma quantidade significativa de estudantes negros, que é esse conjunto de pretos e pardos, indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, a gente tem políticas públucas para mães” contou.

Por fim, a secretária de inclusão da UFG disse que é perceptível que política pública de com recorte racial inseriu a universidade numa esteira de transformação e que outros recortes da sociedade, para além da cor e raça, começaram também a se beneficiarem. 

“São políticas públicas para pessoas em situação de migração forçada, para pessoas trans, para indígenas e quilombolas. Todas essas cotas que a universidade adota hoje decorrem dessa primeira experiência que são as políticas públicas ou as cotas raciais e outras experiências de políticas públicas com recorte racial para pessoas negras”, finalizou. 

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). Nesta matéria, o ODS 04 – Educação de Qualidade.

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