Produzir conhecimento científico é uma profissão formalizada no Brasil desde a criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em 1951. Mas o país ainda precisa romper com os padrões educacionais e de produção acadêmica, necessidade ressaltada por pesquisadores como o indígena Gersem Baniwa, que aponta em seus estudos a existência de modelos impostos de colonização de territórios, povos e culturas. 

Gersem Baniwa é natural de São Gabriel da Cachoeira (AM). Ele é graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Amazonas (1995), mestre em Antropologia Social (2006) e doutor em Antropologia (2010) pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente é professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

O pesquisador afirma que é preciso superar a “epistemologia colonial”, base de conhecimento da cultura colonial. Assim, ele defende uma educação intercultural, um diálogo entre saberes sem hierarquia. Um exemplo dessa educação, então, é a valorização da cultura indígena em que aprender e o que fazer com o conhecimento é mais importante que o conteúdo. Gersem Baniwa é um dos precursores da educação indígena no Brasil e, para Mirna Anaquiri, “é uma referência importantíssima na educação”.

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Pesquisadores

A Lei nº 1.310 de 15 de Janeiro de 1951 criou o CNPq e, assim, estabelece que a finalidade do conselho é “promover e estimular o desenvolvimento da investigação científica e tecnológica”. E além disso determina a concessão de recursos para pesquisa, formação de pesquisadores e técnicos, cooperação com as universidades brasileiras e intercâmbio com instituições estrangeiras.

No nosso cotidiano os avanços em pesquisas podem passar despercebidos aos nossos olhos e ou não refletimos sobre eles, mas não diante das nossas atividades. Existem pesquisas na área de tecnologia, estudos antropológicos e biologia, por exemplo. Porém, provavelmente, a associação imediata que fazemos com pesquisadores e sua importância seja mais percebida na medicina, no desenvolvimento de remédios e vacinas.

Quando foi criado, CNPq possuía um espaço de “estado-maior da ciência, da técnica e da indústria”. Desta maneira a missão do conselho era construir possibilidades seguras para pesquisas científicas e tecnológicas do país. Portanto, os profissionais pesquisadores são essenciais para o desenvolvimento do país.

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Ensino superior

A carreira de pesquisador é muito comum, desde os profissionais de laboratórios até os que estão presentes em indústrias de inovação. Desta forma, a possibilidade de ser um pesquisador começa a partir de uma graduação em ensino superior, nível de formação que sucede o ensino médio, que é a última fase da educação básica. É por isso que uma grande parte dos avanços em pesquisas no Brasil estão ligados ao espaço que esses profissionais possuem nas universidades públicas do país.

Mirna Kambeba Omágua-Yetê Anaquiri pertence aos povos Kambeba Omágua do Amazonas. A trajetória da pesquisadora começou no curso de licenciatura em Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás (UFG), em 2009, a partir da reserva de vagas do Programa UFGInclui para estudantes indígenas. 

A educadora se graduou e começou a lecionar na rede municipal de ensino de Goiânia. Sua carreira como cientista então seguiu a partir de 2016 com o início no mestrado, finalizado em 2017, também a partir da reserva de vagas para pessoas indígenas na pós-graduação. Sendo então a primeira mestre indígena da UFG. E com a entrada no doutorado em 2018 e a conclusão da tese em 2022. 

Acesso à universidade

Representantes das comunidades quilombolas, indígenas, escolar e universitária celebraram a conquista do mestrado de Mirna (Foto: Secom UFG)

O UFGInclui é um programa de inclusão e permanência criado como proposta de ação afirmativa pelo Conselho Universitário da Universidade Federal de Goiás, no dia 1º de agosto de 2008. 

O programa reserva então 1 vaga em cada curso de graduação da UFG para serem disputadas por indígenas e negros quilombolas oriundos de escolas públicas. Assim como, define que 15 vagas do curso de Letras: Libras sejam destinadas a candidatos surdos. Por isso, Mirna Anaquiri destaca que a reserva de vagas para indígenas possibilitou sua caminhada como pesquisadora. 

“A minha trajetória só é possível na academia a partir da reserva de vagas, isso é uma coisa muito importante porque as cotas raciais e étnicas é uma forma de trazer oportunidades para os povos indígenas acessarem o ensino superior. E essas cotas são importantes por uma questão histórica que o país tem de dizimação de povos indígenas, de escravização de povos indígenas”, contou. 

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Educadora de arte

Cientista, Mirna Anaquiri é pesquisadora da área de educação e arte. Então destaca que é muito importante abrir espaço na literatura para ouvir e conhecer as narrativas dos povos indígenas.

“Se durante muitos anos as comunidades e as pessoas indígenas foram tratadas como objetos de pesquisa, agora, na contemporaneidade, a gente tem levantado uma discussão forte no movimento indígena para dizer que quem vai contar a nossa própria história somos nós”, declarou.

Mirna reforçou que é muito importante ler autoras e autores indígenas. Assim, a professora de  artes visuais luta, em suas pesquisas, contra os “estereótipos que são impregnados com os povos indígenas”.

“Eu proponho construir outras visualidades e eu tenho uma relação muito forte com a arte e a educação, porque eu sou uma educadora da área de arte”, disse. Mirna já contou sobre sua história diversas vezes. Assista na edição do Vida no Campus do Mundo UFG.

Pesquisadores indígenas

A docente ressalta que é importante valorizar e conhecer os pesquisadores indígenas, no entanto, a pesquisadora destaca, com ênfase, o trabalho das mulheres. Segundo ela, é importante conhecer e ouvir as narrativas das próprias escritoras. E ela ainda indica então o trabalho de uma página do instagram que se chama Leia Mulheres Indígenas, que destaca uma diversidade de autoras indígenas. 

“Eu quero falar da pesquisadora Eunice Perkodi Tapuia que é uma referência muito importante para mim enquanto pesquisadora, cientista, mulher indígena do Povo Tapuia, que é um povo indígena do estado de Goiás. A Evelin Tupinambá, que é uma estudante pesquisadora da geografia. E também a Sandra Benites que é do campo da antropologia e tem trabalhado muito forte com as artes. E ainda a Naine Terena”, destacou.

Mirna afirma que sempre utiliza autores indígenas em suas pesquisas para pensar as comunidades indígenas, a coletividade, a pesquisa, a arte e a educação. E ainda citou que aprende muito com o professor Cristóvão Tsereroodi Tsoropre, que pertence ao povo A’uwe Uptabi. Por fim ressaltou que Gersem Baniwa é uma referência importantíssima na educação. Conheça portanto outros pesquisadores indígenas e suas áreas de atuação.

Cristóvão Tsereroodi Tsoropre

Cristóvão Tsereroodi Tsoropre
Cristóvão Tsereroodi Tsoropre (Foto: Arquivo pessoal/Cristóvão Tsereroodi Tsoropre)

O Cristóvão Tsereroodi Tsoropre é pertencente do povo A’uwe Uptabi e foi o primeiro indígena a defender uma pesquisa de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Estadual de Goiás (PPGEO|UEG), em dezembro de 2022. O professor apresentou a dissertação “Pandemia da Covid-19 para o povo Xavante da aldeia de São Marcos (MT): relatos de um cacique”.

Na pesquisa ele relata a relação entre educação e saúde por meio de fatos vividos por ele e os demais moradores da aldeia de São Marcos, localizada no município de Barra do Garças, no Mato Grosso, durante a pandemia de coronavírus. Ele trabalha como Professor Intérprete da Língua Materna na Secretaria de Educação do Estado de Goiás (Seduc), em Aragarças, desde 2015.

Desde então, ele acompanha estudantes estudantes indígenas em escolas regulares. Desta forma, o estudo de Cristóvão detalha “os processos e consequências socioculturais da pandemia na aldeia e retrata o descaso com a saúde indígena”.

Andreza Silva de Andrade Baré 

Andreza Baré
Andreza Baré (Foto: Arquivo Pessoal)

A Andreza Silva de Andrade Baré é natural de São Gabriel da Cachoeira e cresceu na aldeia Cucuri, no alto do Rio Negro, no Amazonas. Formada em Jornalismo, a pesquisadora é   mestre em comunicação pela Universidade de Brasília (UnB) e é doutoranda pela mesma universidade.

Baré destaca que adora comida indígena e levou o gosto pessoal para a carreira acadêmica. No mestrado estudou a trajetória da Pimenta Baniwa, desde sua produção na aldeia ao consumo e a representação midiática na alta gastronomia. A pesquisadora está pesquisando o tema também no doutorado que está em andamento, com o título “Comemos, logo resistimos. O consumo de comida indígena, representações midiáticas e resistência”.

Gersem Baniwa 

Foto: Patrícia da Veiga

O Gersem Jose dos Santos Luciano, também conhecido como Gersem Baniwa, é considerado um dos precursores da educação indígena no Brasil. Natural de São Gabriel da Cachoeira (AM), é graduado em Filosofia, mestre em Antropologia Social e doutor em Antropologia e doutor em Antropologia Social. Atualmente é professor do curso de Licenciatura Específica Formação de Professores Indígenas da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

O escritor escreveu os livros “Educação para manejo do mundo – entre a escola ideal e a escola real no Alto Rio Negro” (2004) e “Educação Escolar Indígena no século XXI: encantos e desencantos” (2019). O cientista estuda educação indígena e o tema compõe suas pesquisas de mestrado e doutorado, com críticas à forma de ensino dos não indígenas para os indígenas.

Edson Kayapó

Edson Kayapó
Edson Kayapó (Foto: Reprodução/Youtube)

O Edson Kayapó é pertencente ao povo Mebengokré (Kayapó) do Amapá. O pesquisador é doutor em educação e especialista em história e historiografia da Amazônia. Escritor premiado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e também pela UNESCO, é autor dos livros ‘Projetos e presepadas de um curumim na Amazônia’ e ‘Um estranho espadarte na aldeia”.

Kayapó pesquisa questões relacionadas à Amazônia e aos povos indígenas. E, assim, foi também coautor de ‘Um estranho espadarte na aldeia’, uma coletânea de dez histórias contadas por escritores de diferentes nações indígenas.

Aline da Silva Lima

Aline Kayapó (Foto: Reprodução/Youtube)

A Aline da Silva Lima, também conhecida como Aline Kayapó, é graduada em Licenciatura Plena em Matemática. A pesquisadora é especialista em Educação Matemática. Lima estuda, então, os saberes interculturais como metodologia e prática pedagógica, como propostas para formação de professores indígenas, sobretudo no ensino da Matemática.

Na mesa de abertura do pré IX Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas (ENEI), em 2021, Aline Kayapó afirmou que “a ciência bebe na fonte milenar e ancestral dos nossos saberes”. Ela ressaltou também a necessidade de os indígenas estejam na academia e tenham acesso a ciência para se posicionarem no cenário acadêmico. 

“É importante que a gente produza um conhecimento científico que caminhe de acordo com nossas epistemologias ancestrais e que não fira a nossa dignidade, porque já estamos cansados disso. Isso é metodologia e para isso é necessário coragem. Coragem para pensar numa forma de publicação, de uma nova categoria de análise do método. Não podemos aceitar que nosso saber seja reduzido à irracionalidade”, disse a pesquisadora.

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