EMERSON VICENTE – SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O novo marco legal do saneamento básico, aprovado em junho de 2020, prevê a universalização dos serviços sanitários para 99% da população brasileira até 2033. Mas, quando se observam os números de áreas rurais e mais isoladas, a meta se revela muito longe de ser atingida.

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Das 31 milhões de pessoas desse universo, segundo dados da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), somente 22% têm saneamento básico adequado. Algo em torno de 5 milhões de pessoas nem acesso a banheiro têm.

“Desde a época do Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico) e agora com o novo marco, não fica muito claro quem é o responsável pelo saneamento rural. É a prefeitura? É a concessionária, seja pública ou privada? Isso acaba trazendo uma lacuna muito grande”, diz Luana Siewert Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil.

Para Renata Furigo, coordenadora-geral do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento), a questão rural tem as suas peculiaridades e não há uma ação do Estado.

“É preciso definir de que rural está se falando. Pode ser uma comunidade quilombola, pode ser uma comunidade indígena, pode ser uma comunidade de 400 pessoas vivendo em um local isolado do município ou uma propriedade familiar. Tem um espectro muito grande”, diz a coordenadora.

“E para todo esse espectro tem que dar soluções. Tecnologias de saneamento são inúmeras. Existem as tecnologias sociais, que a meu ver são as mais adequadas para essas áreas isoladas, mas também pode haver estratégia de saneamento coletivo.”

Segundo Renata, a burocracia também impõe obstáculos que impedem uma progressão no desenvolvimento de políticas públicas voltadas para as populações dessas áreas.

“Foi feito o plano nacional de saneamento rural, no final de 2019, mas ele está engavetado. Quando há um plano nacional, ele vira lei e todo mundo segue naquele período de vigência até a sua revisão. Esse plano não está sendo adotado”, diz a coordenadora do Ondas.

A engenheira Letícia Beatriz de Lima, pesquisadora da Unesp (Universidade Estadual Paulista), desenvolveu um trabalho voltado para 210 famílias da zona rural de Ilha Solteira, a 660 km de São Paulo, com soluções de baixo custo para tratamento de água e esgoto.

“Moradores faziam o lançamento do esgoto da cozinha no quintal. Ficava aquela poça, com resto de alimentos. Tinha criança, cachorro rodando por ali. Fiquei espantada com uma situação tão comum nos domicílios que fui”, diz Letícia.

Foram desenvolvidos quatro sistemas de tratamento, dois para água e dois para esgoto. “Escolhemos dentro dos dois tratamentos de água o Sodis, feito com radiação solar. Outro tratamento foi o clorador com filtro de carvão ativado desenvolvido pela Embrapa. Para tratamento de esgoto, utilizamos a fossa séptica biodigestora [tratamento do esgoto baseado em processos biológicos] e o sistema alagado construído [uma vala preenchida com meio filtrante, como pedra e brita].”

Segundo a pesquisadora, a construção do sistema foi financiada por meio do Profágua –programa de pós-graduação stricto sensu em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos recomendado pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) do Ministério da Educação.

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“Os moradores não tiveram nenhum custo e a mão de obra foi trabalho voluntário meu, de dois funcionários da prefeitura e dos moradores.”

O 14º Ranking do Saneamento, divulgado em março deste ano pelo Instituto Trata Brasil, mostra o quanto a ausência de investimentos e políticas públicas ainda refletem nos indicadores.

Dados do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) apontam que hoje, em todo o país, 55% da população têm acesso à rede de esgoto e 84,1%, ao atendimento com rede de água.

Historicamente, os municípios com melhor saneamento básico são dos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Já os piores, se concentram na região Norte, em algumas cidades do Nordeste e do Rio de Janeiro.

As cinco piores cidades do ranking são: Belém (PA), Rio Branco (AC), Santarém (PA), Porto Velho (RO) e Macapá (AP) –esta, capital do Amapá, com apenas 37,5% da população com acesso à água e 10,7% com esgoto tratado.

“No Brasil, em 2020, investimos R$ 64 por ano por habitante, independentemente de ser público ou privado. Isso dá uma média de R$ 15 bilhões ao ano que precisariam ser investidos. Mas o Brasil é muito desigual. Enquanto em São Paulo tem um investimento de R$ 116 por ano para habitante, no Acre são R$ 10. Em Rondônia são R$ 13”, diz Luana Pretto, presidente executiva do instituto.

A cidade de Santos, no litoral paulista, figura como a mais bem colocada no ranking de saneamento, com 100% da população tendo acesso a água e 97% do esgoto tratado.

“Saneamento é a política básica para outras políticas como saúde, sustentabilidade como um todo”, diz o prefeito Rogério Santos (PSDB). “Neste ano alcançamos o índice de 7,4 [por mil nascidos vivos] de mortalidade infantil, o menor da história da cidade. Isso é diretamente ligado à melhoria no saneamento básico.”

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