Nesta quinta-feira (2) a Rede Globo de Televisão anunciou o rompimento do contrato assinado com a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj), com a anuência da grande maioria dos clubes participantes (apenas o Flamengo não assinou), para a transmissão dos jogos da competição. O rompimento foi justificado por uma ação que a Globo entende como a quebra dos termos acordados no contrato, o que equivale dizer que houve quebra contratual.

O documento assinado com a Ferj assegura a Globo e somente a ela o direito de transmitir os jogos. No mesmo documento há explicação que a transmissão só poderia ser realizada se os dois clubes do jogo escolhido para ser transmitido tivessem dado a anuência, através da assinatura no contrato, recebendo pela autorização o valor proposto pela emissora.

O entendimento jurídico era de que só as emissoras do Sistema Globo de Comunicação podem transmitir com imagens, os jogos do Campeonato Carioca e que eles não poderiam transmitir nenhum jogo em que o Flamengo estivesse envolvido, pois o Clube não aceitou a proposta, deixando de assinar o termo de anuência. Não ter os jogos transmitidos pela Globo, não significa, de acordo com o contrato assinado com a Ferj, tutora da competição, que o Flamengo possa transmitir seus jogos, mesmo porque tem um adversário em campo que não deu esta autorização ao clube rubro-negro.

Aí entrou a astúcia do Flamengo, que buscou na briga travada entre o Sistema Globo de Comunicação e o presidente Jair Bolsonaro, a oportunidade para fazer o que é de interesse do clube, desconsiderando o que interessa ao futebol brasileiro como um todo. A diretoria do clube, procurou o presidente da República, através do seu presidente, Rodolfo Landim, e conseguiu junto ao chefe do Executivo federal, a edição da Medida Provisória 984, que determina que os direitos de transmissão dos jogos em todo o Brasil são do clube mandante do jogo.

Na medida provisória foram cometidos dois grandes absurdos: 1- Desconsidera que a promotora da competição, Ferj, seja a dona dos direitos da mesma, como estabelece a Lei Pelé. O campeonato é da Ferj, à qual o Flamengo, para estar presente no seu calendário de eventos, precisa estar filiado e ele está; 2- Altera a vigência de um contrato com ele em andamento, o que contraria a Constituição Brasileira, que estabelece que os contratos assinados, só podem ter regras alteradas em duas situações – quando as partes concordam mutuamente, ou quando o contrato atual findar e um novo for elaborado.

Neste caso a Globo não foi ouvida, a Ferj não teve força para fazer valer sua prerrogativa de dona do campeonato e o Flamengo transmitiu, na quarta-feira (1º), a partida diante do Boavista, através do seu canal no YouTube. Como era de esperar, neste momento de proibição de presença de torcedores nos estádios e com o apelo da marca Flamengo, a transmissão foi vista por mais de 2 milhões de pessoas.

O presidente do Flamengo disse que está fazendo valer o poder popular que o Flamengo tem e nenhuma mente sensata nega este poder. Mas não existe poder em nenhum clube de futebol, se não houver dados comparativos e estes dados estão justamente nos dados dos adversários que este clube tem. A designação de mandante do jogo, não define quem é o dono do jogo, já que sendo este uma disputa por uma competição organizada por uma instituição promotora, é esta instituição a legítima proprietária da competição. O termo “mandante do jogo” dá a uma das equipes o direito de jogar no estádio em que aponta como local para jogar, quando for a equipe da coluna um, na tabela. Cabe a esta equipe a preparação do estádio e a responsabilidade pelos acontecimentos ali ocorridos, durante o jogo.

Como a Globo negociou com a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro e pagou pelo direito de transmitir o seu campeonato, só a ela pertence este direito. O Flamengo ou outro clube qualquer tem o direito de autorizar a transmissão ou de transmitir os jogos somente quando for ele o organizador da competição, e assim mesmo somente as partidas em que tiverem envolvidas duas equipes que tiverem aceitado o valor oferecido pela empresa interessada na transmissão.

Resumido a ópera do contrato em questão: só a Globo tem direitos para transmitir jogos do Campeonato Carioca e este direito não lhe assegura o poder de transmitir jogos do Flamengo, que não poderão ser transmitidos por mais ninguém. A MP 984 é uma aberração e a Globo tem toda razão para se posicionar como se posicionou.

Há muitos riscos para o futuro do futebol brasileiro se a MP 984 for transformada em lei e virar regra definitiva. Será o fim de muitos clubes nacionais e isto além de quebrar a tradição do principal esporte nacional, reduzirá milhares de empregos e prejudicará o país na revelação de jogadores, prejudicando diretamente a qualidade da Seleção Brasileira.

Isto precisa ser pensado, inclusive pelo presidente da República, que fala sempre que faz aquilo que é melhor para o Brasil, e nem sempre o que é o melhor para o Flamengo será o melhor para o Brasil.