Belém, capital do Pará, no Brasil, sediará a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em 2025, colocando a Amazônia no epicentro das discussões globais sobre o clima. De acordo com Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), em entrevista exclusiva ao Sistema Sagres, essa escolha representa um marco estratégico tanto para o Brasil quanto para o mundo.
“O Brasil tem um DNA ligado à biodiversidade e às florestas. Nosso país possui um perfil ambiental próprio, apoiado em uma Constituição ecológica e em um território que favorece essas discussões”, afirma Bocuhy. Ele destaca que a Amazônia, com 56% do território brasileiro, é central na proteção global das florestas e no combate às mudanças climáticas.
Bocuhy ressalta que o Brasil, apesar de ser o oitavo maior produtor de petróleo e gás do mundo, não age como um petroestado. “Diferente de países da OPEP, o Brasil não defende a continuidade da matriz do petróleo. Isso nos coloca em uma posição de maior neutralidade nos conflitos de interesse que marcam as conferências climáticas.”
Ainda conforme ele, essa postura fortalece o potencial do Brasil em liderar acordos internacionais e atrair investimentos para a preservação da Amazônia. “A floresta amazônica é um dos maiores sumidouros de carbono do mundo e desempenha um papel crucial no equilíbrio climático, influenciando o sistema hídrico da América do Sul e a refrigeração de regiões como o Caribe e o Equador.”
“Esquizofrenia ambiental”
No entanto, sediar a COP30 terá uma série de desafios que vão além da logística para o Brasil. Sendo assim, Bocuhy destacou os entraves que o país precisa superar, incluindo contradições em sua política energética e ambiental. “O principal problema que o Brasil tem é a sua indefinição do que ele é”, afirma.
De acordo com ele, o país vive uma “esquizofrenia ambiental”, oscilando entre seu DNA ecológico e a busca pela expansão como grande produtor de petróleo. “Por um lado, temos florestas, biodiversidade, uma matriz hidroelétrica limpa. Por outro, estamos perseguindo o caminho de ampliar a exploração petrolífera, inclusive na Foz do Amazonas.”
Nesse sentido, essa dualidade pode comprometer a liderança do Brasil em negociações climáticas na COP30, cujo foco é a eliminação do uso de combustíveis fósseis. “A meta da Petrobras é passar do oitavo para o quarto maior produtor de petróleo do mundo. Como o Brasil vai defender a eliminação de combustíveis fósseis com esse perfil?”, questiona o especialista.
Prioridades da COP30
Entre os principais temas, Bocuhy destaca a questão do financiamento climático. “Na última conferência, economistas apontaram a necessidade de US$ 1,3 trilhão para ajudar países em desenvolvimento a descarbonizarem suas matrizes energéticas. No entanto, apenas US$ 300 bilhões foram disponibilizados. O Brasil precisa lutar por um aumento desses valores, pois é um dos principais destinatários.”
Além disso, outro ponto crítico é a revisão das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), que representam os compromissos de redução de emissões de cada país. “As NDCs são fundamentais para construir cenários globais e planejar ações de adaptação climática.”
Deve-se revisar também a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. “Embora seja uma meta segura segundo a ciência, ela não reflete a realidade projetada para o futuro. Precisamos de previsões mais realistas para planejar adequadamente e evitar medidas insuficientes”, explica Bocuhy. “A França já se prepara para enfrentar um aquecimento de 3,5 a 4 graus até 2100. Não adianta repetir o mantra de que vamos limitar o aumento a 1,5 grau, porque isso não será alcançado”, afirmou
Eventos extremos e vulnerabilidades
Outro destaque é a implementação de sistemas de alerta precoce para prevenir desastres em comunidades vulneráveis. “Muitas vezes, as populações não sabem como agir diante de eventos extremos. Um sistema eficaz pode salvar vidas e reduzir impactos.”
Bocuhy também alerta para o conceito de pré-vulnerabilidade. “As mudanças climáticas intensificam problemas em áreas já ocupadas de forma desordenada, como encostas sujeitas a deslizamentos ou regiões inundáveis. Essa é uma questão de gestão territorial, que precisa ser enfrentada para mitigar desastres.”
Para Bocuhy, a COP30 será uma oportunidade de consolidar o Brasil como líder global no combate às mudanças climáticas, destacando sua responsabilidade na preservação da Amazônia e na construção de um futuro mais sustentável. “A Amazônia é um patrimônio ambiental extraordinário. É nosso dever garantir sua proteção para o benefício do planeta.”
Mundo à beira de um colapso climático
Além dos desafios internos, Bocuhy alerta que o mundo se encontra próximo de pontos de não retorno em diversos ecossistemas, como o Ártico e a Amazônia. “O derretimento do permafrost no Ártico está liberando metano, um gás até 40 vezes mais agressivo que o carbono. Esse processo gera um efeito dominó que desestabiliza outros ecossistemas, como as correntes marítimas e a Amazônia”, explica.
Para Bocuhy, a chave para enfrentar as mudanças climáticas está na transformação econômica. “É preciso mudar para uma economia livre de carbono, baseada no capital natural”, disse. Ele explica que o capital natural considera florestas, ecossistemas equilibrados e oceanos como patrimônios essenciais para a sobrevivência humana.
“Isso deve ser mais valorizado do que a simples transformação de recursos naturais em commodities.” A transição para uma economia sustentável foi discutida pela ONU desde 2005 e ganhou força na Conferência Rio+20, em 2012. “Esse é o coração do dragão, o ponto de inflexão positivo que a humanidade precisa perseguir”, concluiu Bocuhy.
A capacidade do Brasil de se posicionar como líder na transição para um modelo sustentável será um dos principais pontos em discussão. “O mundo não pode mais esperar. O Brasil precisa decidir que papel quer desempenhar na história climática global”, diz Bocuhy.
Políticas ambientais
De acordo com Bocuhy, o país ainda enfrenta desafios significativos em suas políticas ambientais e no modelo econômico vigente. “Para alcançarmos um protagonismo real na COP30, o Brasil precisa, antes de tudo, focar na descarbonização da economia”, afirma Bocuhy.
Ele explica que essa transformação envolve todas as esferas da sociedade, desde o governo até o setor empresarial. “É preciso adotar um sistema produtivo que emita o mínimo de carbono possível e repensar atividades como a agropecuária e a mineração, buscando um equilíbrio ambiental.”
Ainda conforme Bocuhy, o atual modelo econômico brasileiro, altamente dependente de atividades extrativistas, é um reflexo histórico que precisa ser superado. “Ainda vivemos uma economia semelhante à das capitanias hereditárias, baseada na exploração intensiva dos recursos naturais. Essa dependência não apenas destrói nossas florestas e recursos hídricos, mas também impede o avanço em direção a uma economia diversificada e tecnológica”, critica.
Participação social
Além de mudanças estruturais na economia, Bocuhy defende a participação ativa da sociedade na construção e implementação de políticas públicas. “Os estudos internacionais mostram que a melhor forma de construir políticas sustentáveis é com a participação da população. Isso garante não apenas maior percepção social, mas também um controle constante da execução dessas políticas”, argumenta.
Ele cita o Acordo de Escazú, recentemente ratificado pelo Brasil, como um marco nessa direção. “Esse acordo promove o acesso à informação e a participação social, fortalecendo o controle social para assegurar boas práticas ambientais. É uma ferramenta essencial para alcançarmos maior transparência e eficácia.”
Apesar dos avanços locais, o cenário internacional representa outro desafio. Bocuhy aponta que a conjuntura global, marcada por crises econômicas e conflitos geopolíticos, dificulta a cooperação entre as nações. “A crise econômica na Europa, a corrida armamentista e o retorno de líderes negacionistas, como Donald Trump, enfraquecem o multilateralismo colaborativo, essencial para acordos climáticos”, avalia.
Ele destaca que a dependência de matrizes fósseis, impulsionada por conflitos como os da Ucrânia e Gaza, agrava a situação. “Quando os países priorizam seus próprios interesses energéticos e militares, o diálogo global em prol da sustentabilidade perde força.”
Responsabilidade da atual edição
Além disso, Bocuhy destaca que o Brasil, ao contrário dos “petroestados” que sediaram edições anteriores, possui o potencial de conduzir na COP30 uma agenda mais alinhada com a proteção ambiental. “Quando um petroestado coordena uma conferência, ele domina a agenda. Já ficamos nas mãos de países como Egito, Emirados Árabes Unidos e Azerbaijão, que possuem economias altamente dependentes do petróleo. O Brasil pode ser a exceção, desde que mantenha uma postura firme e coerente com seus compromissos ambientais”, afirmou.
Segundo ele, o Brasil tem a chance de liderar uma nova fase das negociações climáticas, mas enfrenta o desafio de evitar posturas dúcias, especialmente devido ao seu interesse crescente como exportador de combustíveis fósseis. Uma das questões centrais para a COP30, de acordo com Bocuhy, é a necessidade de estabelecer um protocolo para evitar conflitos de interesse nas negociações climáticas.
“O coordenador de uma conferência para eliminação do petróleo não pode ser um país cuja economia depende majoritariamente do petróleo. Isso é como colocar a raposa para tomar conta do galinheiro”, alertou. Ele enfatiza que a instalação de um protocolo de conflitos de interesse poderia tornar as conferências mais democráticas e eficazes.
Envolvimento das comunidades locais
Outro ponto de destaque é a inclusão das comunidades locais no Brasil, especialmente as populações indígenas e quilombolas, na formulação das políticas climáticas discutidas na COP30. Bocuhy ressalta que a Amazônia possui não apenas grandes cidades como Belém e Manaus, mas também comunidades espalhadas por vastos territórios.
Essas populações enfrentam desafios como falta de acesso à informação, transporte e recursos financeiros. “O Brasil tem a obrigação de consultar essas comunidades de acordo com os protocolos estabelecidos. Seus anseios precisam ser levados à conferência, para que as decisões não sejam apenas protestos externos sem impacto nas políticas governamentais”, afirmou.
Bocuhy também destacou o papel das conferências como catalisadoras de atenção e consciência global. “Por pior que sejam os resultados, eventos como a COP geram discussão e conscientização. Elas são fundamentais tanto para mobilizar a opinião pública quanto para pressionar os tomadores de decisão”, explicou. Contudo, ele alerta para a necessidade de resultados concretos. “A conferência não pode se limitar a postergar soluções. É preciso avançar no combate às mudanças climáticas.”
Desafio acumulado
A COP-30 também herda uma agenda sobrecarregada devido à falta de progresso em edições anteriores, como a COP-29. “Existem questões postergadas, como perdas e danos e as metas dos NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). Essa conferência carrega o passivo das decisões insuficientes das últimas décadas”, apontou Bocuhy.
Além disso, ele critica a falta de unidade no discurso do governo brasileiro. “Você tem um discurso do setor de energia que é diferente do setor de meio ambiente, e o mesmo ocorre com o setor de agricultura. O Brasil precisa de um discurso unificado que integre todas essas áreas sob uma perspectiva ambiental”, concluiu.
*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação Contra a Mudança Global do Clima
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