A partir de junho deste ano, a população de Goiânia começará a pagar a chamada “taxa do lixo”, oficialmente denominada Taxa de Limpeza Pública (TLP). Prevista por legislação federal e confirmada pelo Tribunal de Justiça de Goiás, a cobrança já provoca polêmica na capital goiana. Entre os principais questionamentos estão os critérios adotados para o cálculo do valor, a justiça social da medida e o real destino dos recursos arrecadados.

O valor da taxa será calculado anualmente com base no tamanho do imóvel e pode variar entre R$ 258 e R$ 1.600 por ano. A medida é obrigatória mesmo para quem produz pouco lixo ou não utiliza diretamente o serviço de coleta. O não pagamento pode resultar em penalidades.

Em entrevista ao programa Pauta 1, do Sistema Sagres, o advogado ambiental e promotor de justiça aposentado Marcelo Celestino criticou os critérios escolhidos pela prefeitura de Goiânia. “É um critério que não leva em consideração a quantidade real de lixo produzido. Cobrar com base no tamanho do imóvel pode ser injusto com quem tem uma casa grande, mas produz pouco resíduo”, afirmou.

Celestino ponderou que, apesar da importância da gestão adequada dos resíduos sólidos para a saúde pública, é preciso garantir que a arrecadação tenha destinação transparente. “O lixo é uma das maiores causas de doenças no mundo. Só em Goiás, mais de 11 mil pessoas morreram por falta de saneamento em 2024. Mas não podemos usar a taxa como uma forma de tapar buracos financeiros da administração”, alertou.

De acordo com ele, a legislação permite incentivos e isenções para famílias de baixa renda e imóveis avaliados em até R$ 175 mil. “A lei prevê a possibilidade de isenção. Mas o maior desafio é garantir que a cobrança seja justa e voltada realmente à melhoria dos serviços de limpeza urbana e não para cobrir déficits da Comurg [Companhia de Urbanização de Goiânia]”, explicou.

Durante o mesmo programa, foi exibida uma declaração do prefeito Sandro Mabel, feita em prestação de contas à Câmara Municipal. Segundo ele, a adoção de uma taxa integral como prevê o marco legal do saneamento básico seria impraticável. “Se a taxa de lixo fosse implantada como manda a legislação, a cidade teria que pagar R$ 1 bilhão. Seria como criar um novo IPTU”, disse o prefeito.

Mabel alegou que a prefeitura já reduziu os gastos com o lixo para R$ 700 milhões e que pretende chegar a um custo de R$ 250 a R$ 300 milhões. “Enquanto não chegarmos a esse patamar, a Prefeitura vai continuar pagando. Vamos passar para o consumidor só aquilo que é justo, como é feito em outras cidades. Não podemos cobrar mais do que R$ 100 milhões da população”, afirmou.

Ainda segundo o prefeito, a Prefeitura fará um aporte de R$ 190 milhões na Comurg, sendo a primeira parcela no valor de R$ 3,7 milhões, para cobrir passivos trabalhistas e equilibrar as contas da empresa pública.

A discussão sobre a taxa também reacende o debate sobre a gestão de resíduos e o papel da população. Para Celestino, o foco deve ser na educação ambiental e em políticas públicas que promovam a redução da geração de lixo. “Não adianta apenas cobrar. É preciso criar mecanismos de incentivo à redução de resíduos e investir em reciclagem. Senão, a taxa vira apenas mais um tributo, sem retorno à sociedade”, concluiu.

Celestino avaliou que a cobrança é prevista em lei e necessária para o cumprimento das obrigações ambientais e de saúde pública, mas que sua aceitação pela população dependerá diretamente da eficiência da gestão.

A discussão também abordou o fato de que Goiânia está entre as poucas capitais brasileiras que ainda não cobram a taxa. Para Celestino, o principal fator de resistência da população à nova cobrança é a falta de confiança nos serviços prestados. “A aceitação por parte da população pressupõe um requisito de honestidade, de eficiência”, destacou.

“Se a população está pagando e vê que o lixeiro está passando, recolhendo de forma correta, não derramando lixo no chão, passando com regularidade, ela aceita. Mas, do jeito que está, com o caminhão do lixo mais sujo que limpo, não dá.”

Além da cobrança, ele destacou a necessidade de repensar a forma como os resíduos são tratados no município. “Nós temos que começar a ter essa preocupação na reciclagem correta, no reaproveitamento, na redução da produção de lixo. Senão, vamos continuar com os mesmos problemas de contaminação do solo por descarte irregular.”

O aterro sanitário da cidade, alvo de decisão judicial recente que suspendeu suas atividades por 30 dias, foi citado como exemplo da urgência em se investir em alternativas mais sustentáveis. “O principal é ter uma política de reciclagem eficiente, e não simplesmente enterrar o lixo no aterro sanitário”, afirmou Celestino.

Outro ponto abordado foi a isenção da taxa para imóveis de até R$ 175 mil, desde que seja o único bem da família. Embora as famílias isentas também produzam resíduos, ele reforçou a necessidade de educação ambiental como contrapartida. “Tem que ter educação nas escolas, principalmente, para que a criança leve para casa e corrija os pais. Mostrando que aquilo ali é prejudicial à saúde deles.”

Para ele, a cobrança da taxa precisa vir acompanhada de uma política ambiental severa e eficaz. “Não basta simplesmente transferir quem paga o lixo. Tem que haver uma política de educação ambiental forte nas escolas, para corrigir condutas que acarretam danos à sociedade.”

Quanto ao destino dos recursos arrecadados, Celestino explicou: “Essa arrecadação vai ser destinada para a coleta do lixo, a varrição de rua e a destinação no aterro sanitário. Mas, assim como você paga IPVA e tem direito a uma rodovia adequada, aqui também tem que haver investimento em educação ambiental, redução e reaproveitamento do lixo.”

Por fim, Celestino defendeu mecanismos de fiscalização e transparência sobre a aplicação da taxa. “A fiscalização é feita pelo Tribunal de Contas, pelo Ministério Público, pela Defensoria e pela sociedade civil. O povo tem que fiscalizar. E tem como ser fiscalizado”.

Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas: ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis e ODS 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes.

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