(Foto: divulgação)

Seja na literatura, na música ou no cinema, o amor de mãe nem sempre é retratado de forma real e pé no chão, o que leva a imagens distorcidas ou excessivamente romantizadas do que seja esse sentimento. Lastreados nessa premissa, o diretor Gustavo Pizzi e sua grande parceira no projeto, a atriz, roteirista, diretora e produtora Karine Teles, escreveram o roteiro do longa “Benzinho” (2018), que faturou 4 prêmios nessa 46a edição do Festival de Cinema de Gramado (Melhor atriz para Karine, melhor atriz coadjuvante para Adriana Esteves, melhor filme pelo júri popular e melhor filme pelo júri da crítica). Comentamos sobre o filme no Cinemateca do dia 30.08, quinta passada.

A obra traz Irene, vivida de forma sensível e verdadeira por Karine, às voltas com os pequenos e grandes problemas da rotina doméstica, tendo que carregar nas costas as estruturas físicas e emocionais da sua pequena-grande família: o marido Klaus (Otávio Müller), o filho mais velho Fernando (Konstantinos Sarris), o do meio Rodrigo (Luan Teles), e os dois gêmeos (Francisco Teles Pizzi e Arthur Teles Pizzi). Não bastasse isso, a irmã de Irene, Sônia (Adriana Esteves) também dá as caras com o pequeno Thiago (Vicente Demori), pedindo apoio após ser vítima de maus tratos pelo ex-marido. 

As coisas começam a sair dos trilhos, entretanto, quando o filho mais velho de Irene, Fernando, recebe um convite de última hora para ir jogar handebol profissional na Alemanha. É o gatilho para uma montanha-russa de sentimentos – da mãe, e nossos também.

Irene é a mulher da vida real – com toda a carga que isso traz. E a alma do filme está na interpretação de Karine. Conversei com a atriz carioca, e você confere o resultado a seguir.

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A atriz Karine Teles, que interpreta a personagem Irene, em cena do longa “Benzinho”(2018) – (Foto: Divulgação)

João Paulo Tito – “Benzinho” traz um olhar reflexivo e muito próximo sobre a relações familiares, principalmente quanto ao papel de mãe. Em tempos em que as relações pessoais passam por um período de transição difícil, com as redes sociais e a internet ora facilitando, ora dificultando bastante o convívio, você  acha que o filme contribui para a melhoria dessas relações? Em que medida?

Karine Teles – Eu espero que o filme toque as pessoas e que de algum jeito percebam a complexidade, a dificuldade e a intensidade que existe nesse trabalho tão menosprezado que é o de criar os filhos com amor e presença. Trabalho que na imensa maioria das casas ainda é só da mulher e mesmo quando os pais são amorosos como o Klaus do nosso filme, a carga mental e física é toda da mulher. Irene é uma mulher como milhões de outras, dessas que passam por nós na rua e nem notamos, mas são essas mulheres que seguram a onda sozinhas de criar as novas gerações. Precisamos urgentemente rever esse modo de viver. O peso de prover e ficar longe dos filhos também é muito danoso aos homens. Essa experiência de ter filhos e criá-los é riquíssima e quando compartilhada, além de ficar um pouco mais leve, faz bem para todos os envolvidos. Um homem que está perto do seu filho no dia a dia, cresce sentimentalmente e um filho que cresce com um pai amoroso e presente e ativo, jamais será um homem violento ou preconceituoso. Trabalho de formiguinha, mas acredito que estamos evoluindo nesse sentido.

João Paulo Tito – A sua elogiada atuação em “Que horas ela volta?” (2015), da Anna Muylaert, trouxe às telas uma mãe apaixonada, egoísta, por vezes autoritária e com uma pitada de hipocrisia, o que despertou discussões acaloradas em diversos meios sobre a relação doméstica. A Irene, de “Benzinho”, também é uma mãe apaixonada, mas bem diferente da Bárbara. O quê você trouxe da experiência e da personagem de 2015 para compor sua personagem em “Benzinho”? Foi fácil ajudar na construção de ambas as personagens? Afinal, as mães são mesmo todas iguais?

Karine Teles – Não fiz nenhuma relação entre a Bárbara e a Irene na hora de construir a mãe de “Benzinho”, até porque o roteiro do filme é de 2013 (antes de “Que horas ela volta?”). Não vejo a Bárbara como uma mãe apaixonada, a vejo como uma mulher presa num papel social específico que a priva de viver a maternidade amorosa ou o afeto e a empatia por outras pessoas. A Bárbara foi um desafio grande porque praticamente nada dela tinha a ver comigo. A construção partiu do avesso, de como eu me senti quando era maltratada por chefes, quando sofri preconceito por ser diferente e de inúmeras conversas com a Cléo que trabalha comigo, ajudando com meus filhos. Ela me contou muitas histórias de patrões como a Bárbara, que me ajudaram a compor aquela mulher. Já Irene, saiu de dentro de mim – eu sou roteirista do filme junto com o Gustavo – ela é uma mulher muito parecida comigo emocionalmente, uma mãe muito próxima do tipo de mãe que eu sou, afetiva e emocionalmente – as outras características da Irene – seu passado, sua vontade de terminar os estudos, a correria pra dar conta de tudo, são elementos que fomos adicionando a ela como uma espécie de homenagem às nossas mães, nossas avós, nossas amigas e muitas mulheres que são assim no nosso país. Me identifico muito mais com Irene. Eu não acho que todas as mães sejam iguais, mas acho que a maioria é mais parecida com a Irene do que com a Bárbara, felizmente no que se refere a capacidade de amar e infelizmente na carga dura que temos que carregar sozinhas.

João Paulo Tito – Como foi retomar a parceria com Gustavo Pizzi nas telas, oito anos após o premiado “Riscado” (2010)?

Karine Teles – Na verdade demorou 8 anos entre o lançamento de um filme e outro, mas trabalhamos juntos durante todo esse tempo, em outros projetos e na criação dos nossos filhos – somos separados e temos guarda compartilhada. Começamos a trabalhar no roteiro de “Benzinho” em 2012, e em 2013 demos início ao projeto. Filmamos em 2016 e o filme estreou em 2018. Cinema é uma coisa que demanda tempo e trabalho.

João Paulo Tito – No mercado cinematográfico americano, vemos um crescente questionamento sobre a valorização da mulher, com movimentos como o #MeeToo e o Time’s Up e demandas cada vez mais intensas por papéis femininos fortes e funções equiparadas no set. Como atriz, roteirista e produtora, como você vê o mercado brasileiro em relação a esse tema?

Karine Teles – Acho que estamos nos movimentando neste sentido também. Já percebo mudanças em muitas produções, mas ainda estamos muito longe de uma igualdade nesse sentido, mas estamos caminhando.  Tanto a indústria cinematográfica, quanto o mercado de trabalho e a política precisam muito mudar! Esse modelo velho de mundo não se sustenta mais. É urgente evoluir.

João Paulo Tito – Quais os seus próximos projetos? Onde podemos esperar te ver novamente?

Karine Teles – Vou fazer uma série com Gustavo para o Canal Brasil, chamada “Gilda”. Fiz “Bacurau” de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles (em finalização), “Hebe” de Maurício Farias (também em finalização), e estou filmando “Antes Tarde” de Gustavo Rosa de Moura. Tenho um roteiro pronto chamado “Princesa”, que eu vou dirigir e tem produção da Tati Leite (que é uma das produtoras do Benzinho) e de Thiago Macedo Correia (“Arábia”, “Temporada” e “Ela Volta na Quinta”, entre outros). Além disso, pretendo fazer novas temporadas do meu solo no teatro, “Os últimos dias de Gilda”, de Rodrigo de Roure, com direção de Camilo Pellegrini.