A cidade de Belém, capital do Pará, recebe em 2025 a 30ª edição da COP – Conference of the Parties – realizada pela ONU – Organização das Nações Unidas – que reúne todos os seus países – membros para uma avalição da situação das mudanças climáticas no planeta.

A primeira edição da Conferência aconteceu em 1994 em Berlim, na Alemanha. Dois anos antes, o Brasil sediaria a ECO 92, também com a organização da ONU, quando 197 países assinaram um tratado para estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera.

No cronograma das Organizações das Nações Unidas, depois do Egito no ano passado (COP 27), os Emirados Árabes recebem o evento em 2023 (COP 28). Já a sede para 2024 (COP 29) ainda não está definida, ao passo que no Brasil, a confirmação aconteceu no último mês de maio.

“As conferências do clima têm sido realizadas em países autoritários como o Egito e agora nos Emirados Árabes. Então a sociedade civil se manifesta para possíveis acordos e isso não tem sido possível. A última vez que foi possível, foi em Glasgow, na COP 26. Então a mudança para o Brasil é um cenário muito positivo, pois somos uma democracia participativa, esse o primeiro ponto”, ponderou o Carlos Bocuhy, ambientalista, presidente do Proam – Instituto Brasileiro de Proteção ambiental.

Em entrevista para o sagresonline.com.br, Carlos Bocuhy, professor e mestre em gestão ambiental, destacou os pontos positivos do Brasil ser sede do COP 30 daqui há dois anos. Ao mesmo tempo, alertou para aquilo que entende ser a “lição de casa” para as nações mais poluidoras do planeta.

“Para o Brasil é fazer cumprir a lei, nossa Constituição Ecológica, contra a criminalidade cometida na Amazônia, como o desmatamento, garimpo ilegal, enfim, o crime organizado, que começa desde o tráfico de armas, passando por atividades lucrativas, como extração de madeira e ouro”.

Confira a entrevista completa com o ambientalista Carlos Bocuhy.

Essa edição da COP 30 tem um significado diferente por que será na Amazônia?

“São três aspectos. O primeiro deles é que as conferências do clima têm sido realizadas em países autoritários como o Egito e agora nos Emirados Árabes. Então a sociedade civil se manifesta para possíveis acordos e isso não tem sido possível. A última vez que foi possível, foi em Glasgow, na COP 26. então a mudança para o Brasil é um cenário muito positivo, pois somos uma democracia participativa, esse o primeiro ponto. O segundo ponto, é que os Emirados Árabes e o Egito, são países ligados a produção de petróleo, atividade econômica muito forte nesses países, que acaba sendo prejudicial porque interfere no processo decisório. Então o Brasil, um país detentor de florestas, de biodiversidade, passa a ser um elemento muito positivo nesse processo. Além do mais, vai nos obrigar a fazer a lição de casa, como conter o desmatamento, cumprir os acordos feitos em Paris, assim considero a vinda da COP para o Brasil como muito positiva. Desde a questão democrática, até a influência do anfitrião e até mesmo pelo perfil brasileiro”.

Por que a ONU aceita realizar a COP em países autoritários como o Egito e Emirados Árabes?

“Existe um protocolo de candidaturas das nações que praticamente é um acerto entre os países que participam do evento. Por uma questão diplomática, a ONU nunca diz não e ainda não interfere na soberania dos países. Então, isso leva para uma má escolha, inadequada, em função da necessidade urgente de alcançarmos os objetivos de enfrentamento de uma emergência climática. Assim, os países mais democráticos, com energia mais limpa, vocacionados pra isso, serão sempre melhores anfitriões e acabam produzindo melhores frutos”

Diante desse cenário, é preciso separar a política da questão climática?

“Não tenha dúvida. Hoje o grande problema que estamos enfrentando é a falta de paz. Isso significa o seguinte: sem um estado de paz, com uma guerra fria tomando conta do mundo, você tem negociações baseadas na manutenção das matrizes fósseis dos países maiores, dos maiores emissores, porque querem garantir a hegemonia política, o seu PIB, a produção armamentista, que gera cerca de U$ 3,5 trilhões por ano, então o mundo nesse estado de guerra, acaba não sendo pró ativo no sentido de não buscar os objetivos maiores da sociedade. Pra você ter uma ideia: U$ 3,5 trilhões representam um valor tão elevado, porque pra resolver o problema climático, são necessários U$ 200 bilhões por ano, ou seja, menos de 10% do que é gasto com material militar, então, dinheiro tem, mas é uma questão de priorização. Esse estado de beligerância, atrapalha toda negociação”.

E os Estados Unidos, maior potência mundial. Como influência em todas as negociações sobre o clima?

“Os Estados Unidos, por sua própria dinâmica, são um problema climático, pois 50% das emissões de gases americanas, vêm do próprio serviço público, que também, em grande parte, são emitidos pelas bases militares. Na China, a mesma coisa, com a questão do carvão, além da Índia. O Brasil está na 5ª ou 6ª colocação e deveriam estar fazendo a questão de casa, né. Então essa corrida armamentista, encabeçada pela China e os Estados Unidos, eles acabam provocando um desiquilíbrio da negociação climática. Infelizmente essa é a realidade.

Na primeira resposta, o senhor falou em “dever de casa”. No caso do Brasil, que vai sediar a COP, o que seria?

“É fazer jus ao seu DNA ambiental. Primeiro lugar, porque o Brasil tem uma Constituição Ecológica, feita em 1988. O país ainda é detentor da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia. Também é dono da maior biodiversidade do planeta. Assim, fazer a lição de casa para o Brasil é fazer cumprir a lei, nossa Constituição Ecológica, contra a criminalidade cometida na Amazônia, como o desmatamento, garimpo ilegal, enfim, o crime organizado, que começa desde o tráfico de armas, passando por atividades lucrativas, como extração de madeira e ouro. A expectativa é que o Brasil, sediando a COP, possa ser um estímulo para que que a política de contenção do desmatamento seja positiva. Pra nós, fazermos a lição de casa, é reconhecer o nosso próprio DNA ambiental”.

O senhor está animado com a atual política ambiental brasileira? Acha que a COP pode influenciar para mudanças?

“É uma política de consertar as coisas, já que no período Jair Bolsonaro, aconteceu a destruição dos procedimentos ambientais que nós tínhamos, inclusive na questão da legislação normativa. Colocar a casa em ordem é um exercício extraordinário. Por outro lado, o governo Lula, ainda enfrenta no Congresso Nacional muito focado em uma estratégia negacionista na priorização do agronegócio, sem fronteiras. Esta composição política é preocupante, mesmo com a presença de Marina Silva, que mesmo no ministério, precisa ter força política pra fazer valer sua posição. Você percebe que na tentativa de exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, houve uma manifestação das forças conservadores, que acham que é um bom negócio explorar petróleo no maior estuário do mundo. Isso prejudica toda política ambiental do Brasil do ponto de vista da imagem, já que os riscos associados são muito elevados. essas decisões que o Brasil está tomando, como por exemplo, financiar o gasoduto daqui até a Argentina, prejudicando os índios Mapuche; estimular o mercado de automóveis, de transporte individual, que é uma questão antagônica para a questão ambiental e climática. O discurso do governo é correto, adequado com a gestão ambiental, mas na prática, isso não está acontecendo. Então é preciso fazer esse salto do discurso para a prática”

Está claro que necessitamos de uma economia sustentável?

“Esse é o ponto. Como você transforma a estrutura de um país para um modelo sustentável? Você muda o modelo econômico. A economia funciona com duas cabeças, com governo e o setor econômico, que acabam se alinhando. É preciso que se mude o modelo do país para algo sustentável e, ao mesmo tempo, que você consiga fazer uma aplicação da lei. Por exemplo, uma mudança na economia na Amazônia, que é uma região que está entrando em uma fase de “não retorno”, com a floresta colapsando em função da destruição. Uma mudança rápida para conter o desmatamento não dá tempo, por isso precisamos aumentar a fiscalização contra a criminalidade. Então esse é o grande enigma: ter uma fiscalização eficaz, envolvendo inteligência, todos os órgãos responsáveis, e de outro lado, um modelo de desenvolvimento que eleve ao aumento da confiança sobre os bens ambientais, que são uma riqueza essencial para a biotecnologia”.

A realização da COP no Brasil pode ser uma “virada de chave” para aumentar a produção de energia limpa ou renovável?

“A capacidade de influência do Brasil é muito positiva. Lideramos os países em desenvolvimento e fazemos a diferença na ponte entre os grandes países – que ficam patinando na hegemonia política – e os menores que ficam prejudicados pelo aquecimento global. O Brasil faz essa diferença, mas não plenamente, se os grandes poluidores, entre eles o Brasil, não assumirem o seu papel de eliminar as suas emissões. Somos um contribuinte com as queimadas e é importante a gente entender que já não existe mais reservas de carbono admissíveis na atmosfera. Já estamos entrando na fase de 1,5 graus, que é o limite de segurança de aquecimento. Além disso, o que pode acontecer, é que a partir desse momento você começa a ter problemas complicadíssimos na área de agricultura, economia e abastecimento. É preciso que mundo caminhe para um clima de paz, sem guerra fria. Em que seja trocada a corrida armamentista, por coisas mais importantes e fundamentais para a sociedade humana, que é a sobrevivência. Sustentabilidade é, em última instância, sobrevivência”.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 13 – Ação contra mudança global do clima.

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