Um coral que se desenvolveu em água de lastro de embarcações ancoradas no Brasil na década de 80 produz uma toxina capaz de exterminar o protozoário causador da doença de Chagas, o Trypanosoma cruzi. A descoberta é de pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz, da Universidade Federal do ABC (UFABC) e do Centro de Biologia Marinha da Universidade de São Paulo (Cebimar-USP).

Leia mais: Adiados pela pandemia, projetos de combate à doença de Chagas serão retomados em Goiás

O coral-sol, espécie invasora, originária do Indo-Pacífico, já se espalhou por mais de 3,5 mil quilômetros (km) da costa brasileira e é considerada uma ameaça à diversidade biológica por destruir outras espécies de corais, se reproduzir rapidamente e não ter um predador natural.

Coral-sol (Foto: André Tempone)

Os resultados do estudo, apoiado pela Fapesp, foram descritos em artigo publicado na revista ACS Omega, da Sociedade Americana de Química.

O projeto coordenado pelo pesquisador do laboratório de novos fármacos para doenças negligenciadas do Instituto Adolfo Lutz, André Gustavo Tempone Cardoso, que teve o primeiro contato com o coral-sol na década de 1990, ao mergulhar em Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ). O estudo foi conduzido durante o doutorado de Maiara Romanelli Silva, primeira autora do artigo e orientanda de Tempone.

De acordo com o pesquisador, agora o estudo está na fase de testes in vitro, um ensaio realizado fora de um organismo vivo e envolve normalmente células, tecidos ou órgãos isolados.

“É a fase em que fazemos a síntese química desse composto para que não tenhamos que devastar. A síntese química nada mais é que do que a cópia idêntica e fiel àquele composto que o coral produz. Uma vez feito isso, temos que aumentar a quantidade desse composto para testes nos animais”, afirma Tempone, em entrevista à Sagres.

Já estudos conduzidos pelo pesquisador João Henrique Ghilardi Lago, professor da UFABC, permitiram elucidar a estrutura da molécula e identificá-la como um alcaloide indólico 6-bromo-2 de metilaplisoposina.

“O que nós buscamos é a inspiração na natureza dessas moléculas. A própria evolução já otimizou quimicamente essas moléculas há milhões de anos, mas nós precisamos ainda fazer otimizações para que ela possa circular no organismo por um tempo adequado, porque muitos compostos que a gente testa circulam por uma hora, duas horas”, argumenta Tempone.

Segundo Tempone, em todo o planeta são cerca de 7 milhões de pessoas infectadas com Chagas. A maioria esmagadora dos pacientes, cerca de 90%, só descobre que está com a doença na fase mais delicada, em que os medicamentos disponíveis não conseguem ser tão eficazes.

Doença negligenciada

A doença de Chagas é uma das 18 classificadas como negligenciadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Segundo Tempone, esse é o principal desafio em relação à indústria farmacêutica na hora de sugerir a criação um medicamento a partir da descoberta científica.

“A gente romantiza muito a indústria farmacêutica querendo que a indústria vá buscar novos compostos para essas doenças. A indústria farmacêutica é, na verdade, como uma indústria de carro, que fabrica o carro para que seja vendido em larga escala. Ela vai fazer novos fármacos para que sejam vendidos em larga escala e, obviamente, atingir uma população que tenha capacidade e condições financeiras de adquirir aquele produto”, argumenta.

De acordo com o pesquisador, é preciso encontrar parcerias com a iniciativa privada e o poder público para a elaboração do medicamento a partir da descoberta do coral-sol.

“Existe essa necessidade do governo fomentar políticas para que possa estimular as empresas a trabalhar em parceria com o setor acadêmico. A gente não consegue fazer nada se não for em colaboração”, afirma. “A fase que estamos agora é de parcerias, de busca de colegas que possam compor essa equipe de estudo para essa nova fase”, acrescenta.

Segundo Tempone, o Brasil é privilegiado pela sua biodiversidade, o que favorece descobertas como esta, ainda que o coral-sol não seja uma espécie natural da costa brasileira.

“Se a gente não tiver política de investimento, ela acaba sendo uma pedra bruta. Um fármaco possui alto valor agregado, e a gente tem de transformar essa biodiversidade em produtos com alto valor agregado. Para isso é preciso dar esse novo passo na ciência brasileira”, conclui.

Com informações da agência Fapesp

Leia mais