Se você assistiu ao filme Planeta dos Macacos: A Origem, de 2011, vai se lembrar da cena final em que um vírus se espalha rapidamente pelo planeta. Assim como ocorreu com a Covid-19, passageiros, sem saber que estavam infectados, levam a doença de um aeroporto ao outro, como uma rede.

Um estudo desenvolvido na Escola Politécnica (Poli) da USP e publicado no site Jornal da USP, mostra, de forma muito semelhante ao ocorrido no filme, como a Covid-19 se espalhou. O cenário, no entanto, é o Brasil.

O trabalho demonstrou as conexões entre 5.569 cidades e analisou o impacto das redes produzido pelo transporte aéreo no início da disseminação da pandemia da Covid-19 pelo país.

Em Goiás, por exemplo, o primeiro caso de Covid-19 ocorreu no dia 11 de março de 2020, 14 dias depois do primeiro caso confirmado no Brasil pelo Ministério da Saúde. Segundo o MS, tratava-se de um paciente em São Paulo com histórico de viagem para a Itália, região da Lombardia.

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O estudo compara as redes criadas pelas malhas rodoviária e aérea e verifica que os aviões diminuíram as distâncias entre as cidades em 70%. Este fator, segundo o trabalho, acelerou o alcance da doença.

Confira o esquema a seguir

Estudo demonstrou as conexões entre 5.569 cidades brasileiras e analisou o impacto das redes produzidas pelo transporte aéreo no início da disseminação da pandemia de Covid-19 (Fotomontagem: Jornal da USP/Fotos: Freepik e Pxhere)

Os pesquisadores se basearam no modelo do mundo pequeno, desenvolvido por Duncan Watts e Steven Strogatz e publicado na revista Nature, em 1998.

O modelo apresenta as conexões entre as pessoas como uma rede em que todas estão separadas umas das outras por poucos passos (os nós).

Publicado na Scientific Reports, o artigo dos pesquisadores da Poli, “The impact of Brazil’s transport network on the spread of COVID-19”, considerou as cidades brasileiras como os nós que se ligam a cidades vizinhas por vias terrestres. Além disso, considerou as cidades com aeroportos e voos frequentes entre elas.

Giovanna Cavali cursa o MBA em data science no Programa de Educação Continuada da Escola Politécnica (Pece-Poli) da USP (Foto: Jornal da USP)

“Quando você pensa em uma pandemia, é importante pensar no contato entre as pessoas. É aí que entra a rede, porque os indivíduos vão passar a doença para as pessoas a quem estão conectados”, explicou Giovanna Cavali Silva.

Transporte aéreo e rodovias

De acordo com o estudo, pelas rodovias as conexões diretas entre as cidades sofrem redução e os passos são maiores para alcançar outras regiões. Assim, em casos de disseminação de doenças, a transmissão da Covid-19 ocorre para as cidades vizinhas.

Já pelas linhas aéreas, considerando conexões entre cidades de regiões diferentes, por exemplo, o alcance da transmissão da doença é muito maior. Seguindo o modelo do mundo pequeno, o artigo reduziu 27 nós rodoviários para sete nós aéreos.

A análise se deu através de softwares de processamento de dados e utilizou o modelo SIR (Suscetível, Infectado, Recuperado), usado para simulação de epidemias.

O estudo contém dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do repositório de dados públicos Brasil.io. Este último acompanhou os números da pandemia no país.

“As simulações foram feitas por cidades e não por pessoas, ou seja, cada cidade teve uma probabilidade de ser infectada”, destaca Evandro Saidel Ribeiro, professor do Pece.

O primeiro passo dos pesquisadores foi construir uma rede de acordo com as posições geográficas. Depois, dividiu os municípios entre os que possuem aeroportos internacionais, locais e os sem transporte aéreo.

Na simulação, os caminhos do transporte rodoviário (gráfico 1) demoram aproximadamente 100 semanas para alcançar mais de 4 mil cidades. Já a simulação aérea (gráfico 2) acontece em 28 semanas e alcança todas as cidades brasileiras (Imagem: Cedida pela pesquisadora)

Pandemia

De acordo com dados das Secretarias Estaduais de Saúde, 99% das cidades brasileiras estavam infectadas pelo coronavírus na 20ª semana epidemiológica, o que se aproxima da simulação do gráfico 2.

Ao adicionar as possibilidades aéreas, a distância entre os nós caiu em 70%.

“As cidades estão agrupadas àquelas em seu entorno, mas ao adicionar uma conexão aérea, os grupos não são desfeitos e a distância diminui drasticamente”, aponta Ribeiro.

Prevenção

Segundo os pesquisadores, a diminuição do número de nós entre as cidades é propícia para a disseminação de doenças infecciosas. Para evitar novas epidemias, é necessário voltar as atenções para o transporte aéreo.

“Logo no começo da pandemia já é possível detectar os focos [de disseminação] das doenças, e eles serão os aeroportos. É uma rede extremamente conectada, onde infecções saem do controle epidemiológico”, diz Giovanna Silva.

Por isso, nesses casos, são necessárias medidas drásticas para impedir a dispersão dos vírus, como redução do número de voos em cidades mais afetadas ou até o fechamento dos aeroportos. O acompanhamento e a intervenção governamental nesse tipo de transporte são essenciais para prevenir ocorrências de pandemias.

Com a globalização e em um país em desenvolvimento, como o Brasil, “é muito bom ter uma rede conectada para passar informações. Mas frente a uma doença altamente contagiosa como a covid-19, ela se torna uma fragilidade. O mundo conectado pode representar um risco global”, diz a pesquisadora.

*Com informações da repórter Julia Custódio, do Jornal da USP

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