A educação é um direito de todos. Essa frase não é diferente quando o público-alvo se refere aos alunos com deficiência, seja física ou intelectual, ou para estudantes com outras características, como é o caso de alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Para muitos, a educação inclusiva ou a chamada educação especial, permanece sendo somente um assunto para quem é diretamente afetado pelas mudanças.

Apesar do suporte advindo de leis como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 1996, ou leis mais específicas como a que tornou-se conhecida como Lei do Autista (Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista) de 1990, ainda se verificam discussões atuais que se fazem necessárias em meio a uma sociedade que mantém ativo o discurso de exclusão em diferentes setores.

Educação em debate

A discussão em torno da educação inclusiva ganhou novas repercussões nacionais em 2020, quando o então presidente Jair Bolsonaro emitiu o decreto 10.502 que previa, entre outros pontos, a criação de classes especializadas em escolas regulares e de escolas destinadas a receberem o público da educação especial.

Na época, diferentes posições preencheram o debate sobre as mudanças. Alguns estudiosos viam na medida um possível passo de retrocesso para o desenvolvimento de uma escolarização igualitária.

O decreto, que já estava suspenso por medida do Supremo Tribunal Federal (STF), foi revogado por meio de publicação no Diário Oficial da União (DOU), em janeiro de 2023, assinado pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Ministro da Educação, Camilo Santana.

Educação como dever

Veja o que diz a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), conjunto de normas e alterações que entrou em vigor em 2016:

“A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem”, pontua a legislação.

Assim, a educação inclusiva abrange o conceito de uma educação integral. Além disso, a LBI expressa ainda o entendimento de que a educação de qualidade à pessoa com deficiência é dever do Estado, família, comunidade escolar e sociedade.

Educação inclusiva deve ser prioridade de todos os envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, afirma representante da Seduc (Foto: Sagres Online)

Segundo o Gerente de Educação Especial da Seduc de Goiás, Weberson de Oliveira, um dos desafios para a implementação da inclusão é a própria cultura.

“A inclusão é uma ação que deve vir de todos. O segmento de inclusão existe devido a existência de barreiras individuais”, afirma Oliveira.

O papel de incluir

Antes da educação inclusiva integrar as pautas das principais legislações do país, alunos com deficiência permaneciam presos a opções limitadas.

Embora possa se observar inúmeros progressos, como a criação do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e a obrigatoriedade de matrícula por parte das escolas regulares, os dados mostram que ainda há um longo caminho a ser percorrido.

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), com dados divulgados em 2019, cerca de 67,6% da população com deficiência contava somente com o ensino fundamental completo como nível de escolaridade. Enquanto que para pessoas sem deficiência, o número correspondeu a 30,9%.

Rita Luz em evento sobre acessibilidade na OAB do Rio de Janeiro, em março (Foto: Arquivo Pessoal)

Enquanto que a integração apresenta uma ideia de inserção, a postura da inclusão reflete um posicionamento mais profundo. É o que aponta a advogada e membro da Comissão da Pessoa com deficiência e acessibilidade da OAB de Mato Grosso do Sul, Rita Luz.

“A inclusão pressupõe o reconhecimento e a valorização da diversidade, assim como a adoção de medidas que propiciem o acesso daqueles que estão em condição de desigualdade em relação aos demais”, define a advogada, que também possui deficiência visual.

Para ela, é papel da sociedade modificar-se para que se criem mecanismos de inclusão que atuem em prol da equiparação de oportunidades.

Professores da inclusão

“Nos machuca muito quando chegamos em uma escola para fazer uma formação, e sempre faço a mesma pergunta: ‘levante a mão os professores da inclusão’, e apenas três professores levantam a mão. Aí me pergunto: se vocês não são professores de inclusão, o que vocês são?”, destaca o Gerente de Educação Especial, Weberson de Oliveira.

Em entrevista, o representante da Seduc de Goiás afirmou que a secretaria investe seus esforços para que haja o fortalecimento do Atendimento Educacional Especializado, por meio de salas de recursos multifuncionais. Dessa forma, essas salas atendem alunos da educação especial no contraturno das aulas regulares.

Além disso, Weberson de Oliveira defende que professores tenham em mãos o Plano de Desenvolvimento Individualizado (PDI). Segundo ele, esse plano seria feito no momento de ingresso do aluno na escola, a fim de orientar a criação de atividades personalizadas.

“Não é fácil, é muito difícil trabalhar com educação especial, mas é o que precisa ser feito. Não podemos criar uma rota alternativa. Uma rota alternativa seria sair da inclusão”, pontua.

Formação docente

Para a coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Inclusão e Educação Especial (GEPIEE) e professora na faculdade de Educação na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Carina Maciel, a formação de professores e o número de alunos por sala são exemplos de desafios persistentes na educação inclusiva.

“Muitas vezes, um profissional da educação especial atende a quatro ou cinco escolas. A formação de professores para educação inclusiva não precisa ser especificamente para quem faz o Atendimento Educacional Especializado. Nem mesmo somente para professores que tenham esse aluno que faz parte do público alvo da educação especial”, explica a professora, que também é mãe de aluno com deficiência intelectual.

Segundo ela, a formação continuada deve acontecer em períodos estratégicos em que o profissional esteja na escola. Não em períodos que antes seriam destinados ao seu descanso, como em feriados ou no turno da noite.

“A maior dificuldade não é ter um aluno com deficiência ou com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O maior problema é o número de alunos em sala de aula, porque o professor precisa de ações específicas para ensinar pessoas que têm formas diferentes de aprender”, explica a doutora em educação.

Escuta ativa

A partir do momento em que medidas são construídas para que a inclusão seja o alvo central do processo de aprendizagem, o trabalho em conjunto passa a ser indispensável.

“Estamos provocando as nossas universidades para que incluam na matriz curricular das licenciaturas disciplinas voltadas para a educação especial. O professor precisa flexibilizar, planejar e criar uma metodologia adaptada. E o profissional de apoio, é um apoio para o processo”, defende Weberson de Oliveira, da Secretaria de Educação de Goiás.

Segundo o Gerente de Inclusão, o profissional de apoio não deve servir como alguém para substituir o papel do professor regente, mas deve agir de modo a contribuir para a autonomia e desenvolvimento do estudante.

“O Estado precisa assumir um rol de atividades que concretizem o sistema educacional inclusivo. Por exemplo, se responsabilizar pelo projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, pela adoção de práticas pedagógicas inclusivas e pelos programas de formação inicial e continuada dos profissionais”, explica Rita Luz, advogada e pós-graduada em educação inclusiva.

Família na inclusão

A família é também parte central no processo de construção de uma educação inclusiva. A construção de um espaço de diálogos, não apenas com os familiares do aluno com deficiência, mas com as demais envolvidas no ambiente escolar. Essa abordagem faz parte dos pilares que devem sustentar uma escola marcada pelo acolhimento e inclusão.

“A escola que não leva em consideração a família do estudante é uma forte candidata a ser uma escola que não é inclusiva. É a família que possui as informações sobre os hábitos daquele estudante. Ela não pode ser o problema, mas parte das soluções possíveis”, aponta Weberson de Oliveira, da Seduc de Goiás.

Segundo Oliveira, é papel da escola promover debates que engajem a comunidade de estudantes a observarem o ambiente escolar com o olhar da inclusão.

“É o estudante que vê que está faltando a rampa, que de repente alguma está muito íngreme, ou que está faltando um trato melhor de um colega com o outro”, afirma.

Debate em movimento

Para a especialista em educação, Carina Maciel, a educação inclusiva deve ser enxergada como uma conquista, mas que ainda carece de maiores investimentos.

“No que se refere às pessoas com deficiência intelectual e aos estudantes com TEA, existe uma estigmatização principalmente porque envolve a questão comportamental. Existem estudantes com estereotipias que interferem de forma mais intensa na sala de aula. Precisamos de recursos diferenciados e que a rotina escolar seja adaptada”, defende.

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