Na tentativa de controlar a maior crise sanitária mundial dos últimos 100 anos, políticas de distanciamento social fizeram com que aulas presenciais em todo o mundo fossem suspensas durante os momentos mais agudos da pandemia do novo coronavírus. No Brasil, um país com dimensões continentais, o cenário é incerto nas cinco regiões. Em algumas localidades as aulas ficam no abre e fecha, enquanto em outras, a dificuldade de acesso à internet prejudica a vida de estudantes e de profissionais que vivem da educação.

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Além disso, a falta do ensino presencial causou uma paralisação na vida de jovens estudantes que estão em momento decisivo da vida, próximos do vestibular, quando escolhem um curso de graduação que pode se tornar sua profissão por toda a vida. Aliado a isso, alguns alunos precisam encarar de frente a crise, justamente em um período considerado crítico em relação a evasão escolar, que segundo o Observatório de Educação, é dos 14 aos 18 anos.

O abandono escolar pode ocorrer por diversos motivos. Jean Guilherme de Oliveira Souza, parou os estudos neste ano de 2021, na terceira série do Ensino Médio. O jovem detalhou que ainda tentou voltar após 2020, mas a necessidade de ajudar em casa falou mais alto. “Eu estudava e trabalhava meio período. Por causa da pandemia, tinha que escolher alguma coisa, ou ajudar em casa nas contas, na alimentação, na água e energia, aí eu decidi trabalhar”.

O ex-aluno conta que a situação financeira da família ainda foi agravada por um problema de saúde da mãe, costureira autônoma que precisou parar de trabalhar. Por isso, mesmo com uma rejeição inicial, a família aceitou a decisão de Jean, que prometeu voltar a estudar quando a situação se normalizar.

Jean agora trabalha em tempo integral e ajuda a família
com as contas da casa(Foto: Divulgação / Whatsapp)

“No início, minha mãe me apoiou e meu pai não gostou. Só que depois que ele viu que eu estava querendo ajudar. E ele falou assim: ‘Não, meu filho, quando voltar tudo ao normal, quando a pandemia passar, você volta e termina seus estudos, mas hoje você fez certo’. Ele falou que minha decisão foi certa em ajudar ele”, explicou.

Ensino remoto

O ensino remoto, mesmo após um ano de pandemia, ainda é visto com muitas dificuldades pelos professores. Seja com estudantes do Ensino Médio, que não conseguem manter o foco, com crianças da educação infantil, que ainda não dominam a tecnologia, ou até com jovens que não possuem acesso à internet ou conexão com qualidade o suficiente para possibilitar o aprendizado. A professora do Ensino Médio, que leciona Química, Renata Rocha da Silva, explicou que o uso da tecnologia ainda não é bem-feito pelos estudantes.

Renata Rocha é formada em química e está
há 11 anos como professora do Estado.
(Foto: Arquivo Pessoal)

“Então, apesar da juventude ter muito acesso à informação, eles têm uma facilidade muito grande de ter contato com o computador, não é algo que eles saibam fazer realmente. Eles não sabem buscar informação sozinhos, sem um auxílio, sem um direcionamento, eles não têm esse costume”, declarou.

Jean ainda relatou que teve dificuldades para lidar com o ensino remoto e que a preocupação com a aprendizagem foi mais um motivo da desistência. “Eu não me encaixei bem ao ensino online. Como eu trabalho aqui em casa, eu estudando aqui, chega um cliente, eu não posso perder ele, porque eu acabo perdendo dinheiro”.

Em Mozarlândia, no interior de Goiás, a professora Camilla Gonçalves Ferreira, contou que depois de um ano de pandemia, percebeu os alunos mais dispostos na aula remota, sinalizando para um novo costume. Ela explicou que os professores também tiveram que se reinventar. “Se as crianças estavam acostumadas a escrever em quadro e giz, nós também estávamos acostumados ao caderno, acostumados a fazer o planejamento escrito a mão”.

A saúde mental também é uma preocupação. O Instituo Ipsos revelou, após pesquisa, cedida à BBC, que 53% dos brasileiros declararam que o bem-estar mental piorou durante a pandemia. A professora de Química, Renata, contou que tenta juntar os exercícios técnicos da matéria com questionamentos pessoais em relação à vida do aluno para monitorar a saúde mental e deixar as aulas mais leves.

Evasão escolar

A última pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em 15 de julho de 2020, apontou uma taxa de 20,2% de jovens entre 14 e 29 anos que não completaram a Educação Básica. No cenário de pandemia, é provável que este número seja ainda mais alto. Afinal, em pesquisa conduzida pelo Datafolha foi constatado que 4 milhões de estudantes brasileiros, matriculados antes da pandemia, abandonaram os estudos apenas em 2020.

Diretora de uma escola pública em Hidrolândia, a professora formada em Educação Física Angelina Maria Pereira Martins, disse que viu tudo acontecendo muito rápido. A escola recebeu a notificação de que ficaria fechada por 15 dias, sendo que a instituição já havia preparado a semana de prova para finalização do primeiro bimestre. Na zona rural, com a maioria dos alunos sem acesso à internet, a maneira de atingir esses estudantes precisou ser reformulada. Com tanto a resolver, os profissionais precisaram conciliar a produção de conteúdo para os alunos junto com a organização do ano letivo. “A gente separou por ciclos, que do primeiro, segundo e terceiro anos do Ensino Médio, a gente não teve quarto bimestre. Então, 2020 foi um pouco atropelado”.

Angelina Martins é diretora de uma escola pública em Hidrolândia
(Foto: Arquivo Pessoal)

Com todo o planejamento feito, a escola evitou casos de reprovação, porém, os casos de evasão escolar começaram a aparecer. Além da insistência com o aluno para tentar evitar o abandono, a direção fez um termo de desistência, que precisa da assinatura dos responsáveis quando o aluno é menor de idade, assumindo que todos os serviços foram oferecidos.

Desigualdade

A diferença de estrutura sempre existiu entre todos os alunos, mas um dos efeitos da pandemia é o aumento da desigualdade, já que mais estudantes acabam tendo que fazer escolhas difíceis, enquanto outros, apesar do cenário complicado, mantêm um certo conforto. A professora do Ensino Médio, Renata Rocha, ressalta que há uma certa distância quando o assunto é conexão de qualidade e situação financeira. “Muitos alunos tinham a comida da escola para comer e agora estão pegando a cesta básica como único alimento”.

Hortência Silva acredita que os reflexos da pandemia
na educação ainda serão sentidos por muito tempo
(Foto: Arquivo Pessoal)

O alfabetizando enfrenta problemas estruturais e muitos precisam do auxílio dos pais para o aprendizado, porém a professora da Educação Infantil, Hortência Vieira Tomaz Silva, conta que recebe relatos de pais que não conseguem acompanhar os filhos, alguns pelo trabalho, outros por serem analfabetos. “Ele não tem paciência para ler, ele não tem tempo para ler ou às vezes não é nem alfabetizado”.

Lidando com o mesmo problema, a professora de Educação Infantil, Helena Oliveira dos Reis Gama, explicou que buscou cursos para ter mais domínio de tecnologia e para atingir também os pais que não são alfabetizados investiu na criação de vídeos.

A vestibulanda Giselle Souza Silva afirmou que no começo tudo foi difícil e que todos pensaram que as aulas remotas seriam por pouco tempo. “Foi bem difícil aceitar que a gente não podia voltar para a escola”. A estudante também relatou que o aprendizado online não se equipara ao da sala de aula.

Correndo atrás, Giselle decidiu pagar um curso particular para aumentar o aprendizado. Nas aulas, ela aproveita também para tirar dúvidas que permanecem após as aulas da escola.

Em casa, Moisés se prepara para o ENEM
(Foto: Arquivo Pessoal)

Moisés Henrique Ribeiro Rocha, estudante da terceira série do Ensino Médio e que se prepara para prestar vestibular este ano, foi mais um a afirmar que na sala de aula, o aprendizado é facilitado. Sobre a concorrência para o ENEM, Moisés mostrou preocupação em relação à diferença do ensino particular e do ensino público.

O estudante conta que também teve que escolher entre trabalho e estudos, mas que optou por permanecer na escola. “Mesmo estando desmotivado ou desanimado às vezes, eu sempre tento pensar no meu futuro. Eu pretendo me formar, pretendo ter um emprego, ter estabilidade financeira e emocional”.