Junior Kamenach
Junior Kamenach
Jornalista, repórter do Sagres Online e apaixonado por futebol e esportes americanos - NFL, MLB e NBA

Decisão do STF sobre pejotização pode mudar rumos do mercado de trabalho no Brasil

Uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF) reacendeu o debate sobre a pejotização no Brasil e colocou em pausa milhares de ações trabalhistas. O ministro Gilmar Mendes suspendeu os processos em tramitação que discutem o reconhecimento de vínculo empregatício em casos de contratação via pessoa jurídica.

A medida pode ter impactos profundos nas relações de trabalho e no futuro de milhões de trabalhadores. A prática da pejotização, cada vez mais comum em diversos setores da economia, envolve a contratação de profissionais como pessoas jurídicas — os chamados “PJs” — em vez de celetistas, o que significa menos encargos para as empresas, mas também a perda de direitos trabalhistas para os contratados.

“O STF agora suspendeu todas as ações que tratam sobre pejotização. Mas, recentemente, em outubro de 2024, ele havia permitido que pudesse acontecer a pejotização”, explicou a advogada trabalhista Esther Sanches, em entrevista ao programa Pauta 1, do Sistema Sagres. “As empresas aproveitaram o momento e transformaram a maioria de seus funcionários em pejotas. Com isso, os tribunais ficaram sobrecarregados e sem um entendimento claro sobre o que fazer com as ações em curso.”

O volume de processos confirma a relevância do tema. Nos dois primeiros meses de 2025, mais de 53 mil ações relacionadas ao reconhecimento de vínculo empregatício foram ajuizadas, segundo o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em 2024, pela primeira vez, as ações trabalhistas superaram as civis no STF, representando 42% do total.

O que é pejotização?

Mas afinal, o que é pejotização? De acordo com Sanches, trata-se de uma forma de contratação onde o trabalhador abre um CNPJ e presta serviço como se fosse uma empresa. A princípio, isso garantiria autonomia ao profissional. “Você vai decidir quando, como, onde e para quem vai trabalhar. Só que, na prática, muitas vezes esses profissionais mantêm uma rotina idêntica à de um funcionário CLT: têm horários fixos, recebem ordens e metas. Isso caracteriza vínculo empregatício, mesmo que formalmente estejam atuando como PJ.”

A discussão gira em torno da legalidade e da moralidade dessa flexibilização. Para as empresas, representa redução de custos com encargos trabalhistas. Para muitos trabalhadores, significa instabilidade. “No vínculo empregatício, você tem direito a férias, 13º salário, auxílio acidente, FGTS, seguro desemprego. No contrato PJ, você perde tudo isso. O risco do negócio, que antes era do empregador, passa a ser compartilhado com o trabalhador”, explicou a especialista.

O STF, diante da multiplicação de ações e da insegurança jurídica instalada, decidiu suspender temporariamente os julgamentos até que se estabeleça uma diretriz clara. A expectativa é de que a Corte defina parâmetros para diferenciar contratações legítimas por PJ de fraudes que mascaram vínculos empregatícios.

Uso equivocado

Ester Sanches explica que, apesar de haver casos legítimos de atuação como PJ, a prática tem sido amplamente usada de maneira equivocada. “Eu não acho que seja o melhor caminho para o trabalhador, de fato. Eu acredito que, para você ser PJ, você tem que receber pelo menos um salário melhor, estar num nível de carreira bem superior”, afirmou.

De acordo com ela, a escolha por esse modelo exige muito mais do que apenas aceitar um novo contrato. “A pessoa precisa ser organizada para ela ser PJ. Precisa ter uma estrutura financeira para continuar recolhendo o INSS, para garantir sua previdência. E se sofre um acidente, por exemplo? Quem vai arcar com isso?”, questiona.

O cenário se complica diante da insegurança jurídica. Com a atual paralisação no STF sobre o tema, a dúvida agora é sobre qual instância será responsável por julgar esses casos: a Justiça do Trabalho ou a Justiça Comum. “A Justiça do Trabalho é mais célebre do que a Comum. Mas quem vai provar que existe vínculo? É o empregado. Ele que vai precisar mostrar que há fraude, que não tem autonomia, que só trabalha para um contratante”, aponta a advogada.

Ester defende que o regime CLT ainda é a melhor alternativa para o trabalhador médio brasileiro. “Nós, brasileiros, não temos a cultura de organização financeira. A nossa cultura caminha para uma modernização, mas a gente não pode ser totalmente drástico. De repente, tudo é moderno, todo mundo é PJ, sem obedecer as leis, sem dar respaldo. Isso já acontece com o Uber, por exemplo, e o trabalhador não tem nenhuma garantia”, criticou.

Experiência pessoal

Ela relata ainda a própria experiência ao retornar ao Brasil após morar na Europa. “Quando voltei, estava entrando esse processo de PJtização. Foi muito parecido com o que vivi lá, mas aqui você perde muitos direitos que crescemos acostumados a ter. Mesmo ganhando um pouco mais, sem estrutura financeira e sem organização, esse modelo se torna um risco.”

Outro ponto de atenção é o prazo legal para recontratação como PJ após demissão em regime CLT. “Todo mundo acha que pode demitir todo mundo agora e contratar como PJ. Não é assim. A CLT exige um intervalo de 18 meses para evitar essa manobra e proteger o trabalhador”, lembra.

Apesar de reconhecer que há espaço para o modelo em alguns setores e níveis de carreira, a advogada reforça a necessidade de cautela. “PJ não é errado. Mas deve ser usado com moderação, e apenas onde o serviço de fato se enquadre. Não dá para dizer que é PJ quando tem cheiro de CLT. Isso é fraude, e precisa ser combatida.”

Aspecto psicológico

Por trás do discurso de autonomia e flexibilidade, cresce também uma série de impactos psicológicos, emocionais e sociais ainda pouco discutidos. “É uma falsa liberdade, é uma falsa sensação de flexibilidade”, alerta o psicólogo Junny Marcos. De acordo com ele, a promessa de ser “dono do próprio tempo” e “empreendedor de si mesmo” esconde um contexto de sobrecarga, insegurança e vulnerabilidade.

“A carga horária passa a ser ilimitada, já que não há mais nenhuma proteção que determine quanto tempo se pode trabalhar continuamente”, explicou. O resultado, conforme o psicólogo, é o adoecimento mental. “Isso nos leva a quadros de estresse, ansiedade, depressão e burnout. O trabalhador PJ, por não ter amparo legal, fica à mercê dessas pressões sem qualquer rede de proteção”.

Além da saúde mental, há também um abismo jurídico entre os direitos dos contratados pelo regime CLT e os PJtizados. “Enquanto os celetistas têm direito ao décimo terceiro, férias, FGTS, seguro-desemprego, o PJ não tem nada disso”, destacou Junny. Ele aponta ainda a criação de uma “subcategoria de trabalhadores” e o sentimento de menos-valia: “O trabalho do PJ passa a valer menos, mesmo que ele produza tanto quanto o CLT”.

Flexibilidade unilateral

Ester Sanches complementa: “O problema é que essa flexibilidade é unilateral. É o trabalhador que abre mão de tudo para se adequar ao modelo”. Ela cita a recente atualização da NR1, norma regulamentadora que agora reconhece oficialmente doenças psíquicas como ocupacionais, incluindo burnout e ansiedade.

Mas, ressalta que a medida protege apenas trabalhadores com vínculo formal. “No regime PJ, a responsabilidade pelo adoecimento recai unicamente sobre o trabalhador”, enfatiza. A situação se agrava com a instabilidade jurídica causada pela decisão do STF.

“Desde outubro, processos sobre reconhecimento de vínculo estão paralisados”, explicou Ester. “Isso gera insegurança tanto para quem contrata quanto para quem trabalha.”

INSS

A decisão, além de impacto imediato nas contratações, também pode afetar diretamente a Previdência. “Se as pessoas deixam de contribuir via CLT, o INSS perde receita. Isso afeta até quem já está aposentado”, alerta a advogada. Ela lembra também das perdas com o FGTS, usado como uma espécie de poupança obrigatória para situações emergenciais. “Na PJtização, esse recurso simplesmente deixa de existir.”

Para Ester, o ponto central é que muitos trabalhadores não têm escolha. “A empresa diz: ‘só te contrato se você for PJ’. E aí? Você precisa colocar comida na mesa, pagar as contas. É precariedade, é vulnerabilidade.”

Diante de um cenário de incertezas, ambos os especialistas reforçam a necessidade de um debate urgente e de decisões claras por parte das instituições. “É preciso regulamentar de forma justa essas novas formas de trabalho. O que não pode acontecer é o trabalhador continuar desamparado”, finaliza a advogada.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 08 – Trabalho Decente e Crescimento Econômico

Leia também:

Mais Lidas:

Sagres Online
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.