Junior Kamenach
Junior Kamenach
Jornalista, repórter do Sagres Online e apaixonado por futebol e esportes americanos - NFL, MLB e NBA

Arena Repense: “epidemia” das bets pode levar jovens a transtornos e vícios

Com a popularização das apostas esportivas no Brasil, as chamadas bets, o debate sobre seus impactos econômicos e psicológicos tem ganhado cada vez mais espaço. No programa Arena Repense do Sistema Sagres, especialistas discutiram as consequências do fenômeno das “bets”, desde a regulamentação até os riscos de vício e falência pessoal.

O advogado Cícero Goulart, especialista em direito do consumidor e direito digital, explicou que as apostas sempre estiveram presentes na história do Brasil, mas o atual cenário apresenta desafios inéditos. “Estamos vivendo uma epidemia de jogos de azar acessíveis a qualquer pessoa, a qualquer momento, pelo celular. O marketing agressivo e o incentivo de influenciadores fazem com que muitos brasileiros sejam levados a apostar sem perceber os riscos”, alertou.

Goulart destacou que, apesar da legislação de 2018 ter permitido as apostas esportivas, a regulamentação ainda é falha. “Atualmente, qualquer pessoa, incluindo menores de idade, pode acessar essas plataformas. Não há limites de gastos ou controle de horários, o que tem levado muitos brasileiros à falência”, afirmou.

Perigos do vício

O especialista ressaltou que as apostas podem levar à ludopatia, um transtorno similar à dependência química. “O vício em jogos tem o mesmo efeito da cocaína no cérebro. Muitos apostadores, de diferentes perfis socioeconômicos, entram nesse ciclo de dependência, vendendo bens e contraindo dívidas impagáveis”, explicou.

Um dos casos mencionados foi o de uma mulher que começou apostando R$ 250 e chegou a ganhar R$ 60 mil. No entanto, ao tentar multiplicar o lucro, perdeu tudo, vendeu bens e contraiu dívidas com agiotas. “Ela se viu endividada, sem trabalho e sem perspectiva, uma situação comum entre aqueles que entram nesse mundo”, relatou Goulart.

Outro caso alarmante envolveu um menor de idade que apostou R$ 6,5 milhões no jogo do “Tigrinho”, sem conseguir recuperar R$ 5,5 milhões do valor investido. “O problema não atinge apenas pessoas de baixa renda, mas também empresários, estudantes e profissionais liberais”, pontuou.

Jogo de azar x apostas de cota fixa

Goulart explicou que há diferença entre apostas de cota fixa, como palpites em resultados esportivos, e os jogos de azar, como roletas e jogos automáticos. “O primeiro tipo tem alguma previsibilidade e está dentro da regulamentação, enquanto o segundo é totalmente aleatório e proibido no Brasil”, esclareceu.

Apesar disso, ele ressaltou que ambos os modelos podem levar ao vício e ao endividamento. “Muitos apostadores perdem dinheiro nas apostas esportivas e acabam migrando para os jogos de azar, aprofundando ainda mais sua crise financeira”, alertou.

O advogado mencionou que existem teses jurídicas para a recuperação de valores perdidos em apostas, uma vez que muitas casas de apostas operam sem o devido cumprimento da legislação brasileira. “Se você ou algum conhecido se encontra nessa situação, busque ajuda profissional. Há caminhos para reaver parte do dinheiro perdido”, aconselhou.

Goulart finalizou com um alerta: “Não aposte por curiosidade e não acredite que terá controle absoluto sobre os jogos. A casa de apostas sempre vence”.

Saúde mental

O psicólogo André Luiz Silveira Gonçalves fez um alerta sobre os riscos das bets para a saúde mental e financeira dos jogadores. “As apostas esportivas mexem diretamente com três aspectos do comportamento humano: pensamento, emoção e ação”, explicou o especialista, que é pós-graduado em terapia cognitivo-comportamental e neuropsicologia.

De acordo com André Luiz, as plataformas de apostas são projetadas para estimular a permanência dos jogadores, utilizando mecanismos psicológicos semelhantes aos dos cassinos tradicionais. “Elas dão bonificações, criam barreiras para o saque e aumentam a expectativa de ganho, mesmo quando a perda é constante. Isso gera um ciclo viciante, no qual o jogador acredita que, da próxima vez, ele finalmente irá ganhar”, explicou.

Um dos principais fatores que tornam as apostas esportivas tão atrativas é a liberação de dopamina, um neurotransmissor ligado à sensação de prazer e recompensa. “A mesma reação que ocorre com substâncias químicas, como álcool e drogas, acontece com o jogo. O problema é que, quando o jogador perde, ele busca apostar novamente para compensar a frustração, alimentando um ciclo perigoso”, alertou o psicólogo.

A compulsão pelo jogo já é reconhecida como um transtorno no Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM), com critérios que incluem mentiras recorrentes para encobrir o hábito, pre​ocupação excessiva com apostas e tentativas frustradas de parar. “A pessoa acredita que tem controle sobre o jogo, mas, na verdade, é o jogo que a controla”, enfatizou.

Consequências graves

Os danos causados pelo vício em apostas se estendem para várias áreas da vida do jogador. Problemas financeiros, afastamento do trabalho e conflitos familiares são apenas algumas das consequências observadas. “Tenho clientes que perderam tudo, que pediram dinheiro emprestado para amigos e agiotas, que se divorciaram e que, em casos extremos, chegaram a desenvolver depressão severa”, relatou André Luiz.

O psicólogo também ressaltou que o vício em apostas não escolhe classe social ou idade. “Muitos jovens entram nesse universo em busca de uma renda extra e acabam se endividando ainda mais. E, muitas vezes, a família se endivida junto, tentando ajudar”, alertou.

Para aqueles que percebem sinais de dependência em si mesmos ou em alguém próximo, a orientação é buscar ajuda profissional. “O primeiro passo é a tomada de consciência. Sem isso, não conseguimos enxergar o problema e buscar soluções. Terapia e grupos de apoio são fundamentais para o tratamento”, destacou o especialista.

André Luiz reforçou a importância de discutir o tema abertamente. “Se você ou alguém que conhece está enfrentando dificuldades, procure ajuda. A sua saúde mental e sua vida financeira agradecem”, conclui.

Pressão

O psicólogo Dr. André destacou a pressão que jovens sofrem para entrar nesse universo. “O mais importante é tomar consciência e não acreditar nessas plataformas. Elas estão assediando vocês para que se engajem nelas”, afirmou.

Ele ressaltou que a falta de um plano de carreira para apostadores profissionais já é um indício do perigo desse caminho. “Vocês já viram alguém que tem um plano de carreira como apostador? Eu nunca vi. Por quê? Porque gera muito dano”, concluiu.

O jovem aprendiz Otto Júnior trouxe uma reflexão importante: “Vale realmente a pena perder seu tempo com dinheiro que vem fácil? Porque tudo que vem fácil, vai fácil”. Ele questionou ainda se influenciadores digitais lucram com as perdas dos apostadores.

Em resposta, o advogado Cícero explicou que a legislação brasileira prevê responsabilidade compartilhada nesse mercado. “Se você está divulgando, você responde. Pode ser chamado no processo e pode responder com seus próprios bens”, alertou.

Dopamina

Outro ponto abordado foi a influência da dopamina, neurotransmissor ligado à sensação de prazer. O jovem aprendiz Gabriel questionou por que as pessoas têm tanta ambição e se isso estaria ligado a essa substância.

O Dr. André explicou: “A dopamina regula nosso comportamento. Mais dopamina significa mais expectativa de ganho. O jogo dá essa ilusão de sucesso rápido, mas, ao longo do tempo, isso se torna um problema”.

Diante desse cenário alarmante, a solução passa pela regulação ou proibição das apostas? Para o advogado Cícero, a resposta é clara: “Eu sou a favor da proibição total dos jogos. Vemos pessoas usando até o Bolsa Família para apostar, deixando de consumir itens essenciais. Isso está gerando um problema social, econômico e de saúde pública”.

Por fim, o debate encerrou com um apelo do Dr. André por mais consciência. “A psicoeducação é essencial. Precisamos levar à tona a ideia de que jogos não são tão inofensivos assim. O primeiro passo para sair desse ciclo é ter consciência”, finalizou.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 03 – Saúde e Bem-Estar

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