Quem não teve a oportunidade de conhecer o campos-belense Isanulfo Cordeiro, deveria trocar mais ideias com a também goiana e jornalista Cileide Alves.

Nesta entrevista exclusiva ao diretor de Jornalismo da Rádio 730, Petras de Souza, concedida no final da manhã deste domingo (14), Cileide Alves conta quem foi Isanulfo Cordeiro, que acabou falecendo na noite deste sábado (13), aos 66 anos, em Goiânia.

“Uma pessoa com tantas facetas. Temos dificuldade de encontrar pessoas como o Isanulfo. Ele tem uma formação intelectual muito sólida, fez Jornalismo e Direito. Mas não é só essa formação. Foi um grande leitor, leu todos os filósofos, lia todo tipo de ciência. Gostava muito de literatura, de ficção. Aprendeu a falar várias línguas, falava alemão, espanhol, inglês”, relata.

Cileide Alves trabalhou ao lado de Isanulfo Cordeiro no “O Popular”. Ela, repórter de política, entrou no jornal em 1989. Ele, já era editor desde 1984, e foi editor-chefe de 1999 a 2007.

“Ele sempre acreditou muito no Jornalismo, na função social do jornalista. Quando comecei a trabalhar com ele no “O Popular”, eu era recém-formada. Eu digo que ele é o meu professor de Jornalismo. Se eu sou jornalista do jeito que sou, é porque o Isanulfo me ensinou a ser assim”, afirma.

Nascido no interior, Isanulfo conhecia não só a culturalmente o local onde passou a maior parte da vida trabalhando, a capital, mas também o goiano e a cultura do estado. Cileide Alves relembra que as histórias e ‘causos’ contados pelo jornalista eram literatura pura, e que ele possuía o dom de escrever falando.

“Ele, como ninguém, conhecia muito bem o goiano, a cultura, a linguagem e a culinária popular. Conhecia o jeito do goiano de ser. Ele mesclava esses conhecimentos dele e produzia narrativas geniais. Ele é um escritor oral. Não escreveu, mas as histórias que ele contava eram literatura pura. Se eu contasse uma história para ele em um minuto, ele a recontaria em 15. Com ele, os personagens ganhavam descrição, as histórias ganhavam cenários fabulosos, ele enriquecia tudo com detalhes”, conta.

Não apenas o conhecimento da cultura, mas um pouco de tudo. “Eu achava que ele era um “Google”. Tudo eu perguntava para ele. De filosofia, de ciências, de matemática, de língua portuguesa, de física. Antes do “Google”, ele era a minha referência para saber das coisas. Ele era uma referência na minha vida pessoal e profissional”, reitera.

Segundo Cileide Alves, outra característica que podia descrever Isanulfo Cordeiro era o humor, e dos bons. “Muito bem humorado. Ele tinha aquele humor inteligente, que fazia a gente pensar. Não era apenas para fazer rir. Era de um humor único e um homem muito fino, extremamente elegante”, descreve.

Ouça a entrevista na íntegra de Cileide Alves concedida a Petras de Souza, da 730

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Percepção do outro

Outra qualidade destaque do experiente Isanulfo Cordeiro era a diplomacia. Desde 2011, ele trabalhou como assessor no governo estadual. De acordo com Cileide Alves, ele sabia falar e ouvir, fatores elementares de um diplomata que primava pelo diálogo.

“Foi o cargo mais adequado ao Isanulfo, depois do Jornalismo, claro. Ele não é uma pessoa de enfrentamentos, mas sim de diálogo. Por pior que fosse o momento, a situação, ele sabia perceber o outro, as pessoas. Por isso ele conhecia tanto da cultura popular goiana, ele olhava para as pessoas, para o ser humano. Essa é uma característica de quem consegue ser diplomata”, pondera.

Uma geração órfã

No período em que esteve como editor-chefe, Cileide Alves relata o aprendizado teórico e prático com Isanulfo Cordeiro. Ela frisa que muitos dos jornalistas de hoje deveriam ter aprendido com ele.

“Minha geração está (órfã), e o Jornalismo também. O Isanulfo foi o formador de uma vasta geração de jornalistas, da qual eu me incluo. Quando a gente estava no jornal “O Popular”, a pessoa que mais nos conduziu teoricamente, para fazer o Jornalismo que nós fizemos, tem a mão do Isanulfo”, pontua.

Sem tempo ruim

Isanulfo Cordeiro estava internado no Hospital do Coração, em Goiânia, onde lutava contra um câncer na bexiga. Apesar disso, falava da própria enfermidade como um jornalista literário. Embora não tenha passado pelo rádio como profissional, o jornalista deveria tê-lo feito, para ter suas histórias eternizadas, segundo Cileide Alves.

“Mesmo agora, doente, tive a oportunidade de ouvi-lo narrar a própria doença de uma forma que acho que nenhum outro doente fez. Com ironia, sem autopiedade. Ele falava, claramente, do que ele estava sofrendo, das dores dele. Mas falava isso como se ele estivesse contando um ‘causo’ de uma pessoa distante, que não tivesse relação com ele. E sabia tudo sobre a doença dele, com os nomes técnicos, dos remédios, das substâncias que ele tomava. Era um escritor oral nato. Podíamos ter gravado as histórias dele. O Isanulfo não trabalhou em rádio, mas se tivesse passado pelo rádio teríamos as histórias dele, porque elas estariam gravadas. O rádio teria dado vida às histórias dele”, conclui.

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O corpo de Isanulfo Cordeiro foi enterrado no domingo (14), às 17h30, no cemitério Parque Memorial, em Goiânia.

Atualizada às 07h21 no dia 15/01/2018