A recuperação de áreas degradadas por mineração é agora impulsionada por uma metodologia revolucionária que permite uma avaliação precisa da estabilidade do solo. Esta abordagem pioneira combina análises térmicas, extrações químicas e incubações para determinar o potencial de recuperação do solo em áreas afetadas pela mineração.

A pesquisa, recentemente publicada na prestigiada revista científica Soil Biology and Biochemistry, apresenta um novo método que utiliza a técnica Rock-Eval, tradicionalmente reservada para a indústria de petróleo e gás, para avaliar a qualidade e a quantidade de matéria orgânica presente nas rochas sedimentares. Essa técnica, que envolve o processo de pirólise, permite a caracterização química e a estabilidade térmica da matéria orgânica, fornecendo insights cruciais sobre sua composição e resistência ao calor.

“A motivação do estudo vem dos Tecnossolos com grande concentração de carbono. Queríamos saber se a estabilização da matéria orgânica acontecia somente por causa do carbono geológico ou se tinha algum outro processo envolvido. Ao usarmos Rock-Eval, conseguimos separar o material. Tínhamos duas fontes diferentes de matéria orgânica: a que vinha do crescimento das plantas e da pastagem e a geológica, na forma de querogênio”, explica o engenheiro agrônomo Francisco Ruiz, pesquisador do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), e primeiro autor do estudo.

Tecnossolo

Ao analisar áreas de Tecnossolo rico em cálcio, magnésio e querogênio, os pesquisadores descobriram um solo modificado capaz de recuperar eficientemente áreas degradadas. Este solo modificado demonstrou alta estabilidade ao capturar mais carbono e reduzir a emissão de CO2 para a atmosfera ao longo do tempo.

“Vimos que houve uma sinergia entre o querogênio e o material de planta no Tecnossolo que deu estabilidade maior do que os dois separados”, completa Ruiz, que recebeu apoio da FAPESP por meio de duas bolsas, incluindo uma de Estágio no Exterior (BEPE).

A pesquisa realizada no Instituto de Ecologia e Ciências Ambientais da Sorbonne Université, sob a orientação da pesquisadora Cornelia Rumpel, destacou a importância crucial de entender a estabilidade do solo para promover uma gestão sustentável da terra. A análise comparativa entre áreas de Tecnossolo recuperadas e locais naturais forneceu insights valiosos sobre os benefícios ambientais e agrícolas dessa abordagem inovadora.

Perspectivas

Localizada em uma antiga mina de calcário na cidade de Saltinho, interior do Estado de São Paulo, esta pesquisa oferece perspectivas promissoras para a restauração de áreas degradadas, enquanto destaca a relevância global do sequestro de carbono do solo para mitigar as mudanças climáticas.

“Usamos o Tecnossolo, mas o método pode funcionar para entender a estabilidade da matéria orgânica em outros tipos de solo com essa composição mista, como o biochar para áreas agrícolas e a terra preta da Amazônia”, diz Ruiz a Luciana Constantino da Agência FAPESP.

O biochar é um tipo de biocarvão voltado para uso agrícola, produzido a partir da pirólise, com origem no processo de carbonização controlada de biomassa vegetal (que pode ser desde palha até madeira) sem a presença de oxigênio. O nome vem da união das palavras em inglês biomass (biomassa ou matéria orgânica) e charcoal (carvão). Estudos têm mostrado que o produto aumenta a produtividade agrícola, o crescimento das raízes e dos brotos.

Nova metodologia

Usando a nova metodologia, os pesquisadores apontaram que a forma como os minerais se ligam à matéria orgânica pode influenciar sua estabilidade. Descobriram, por exemplo, que, durante a oxidação, a estabilidade dos materiais orgânicos está relacionada à quantidade e ao tipo de interações entre minerais e compostos, especialmente cálcio (Ca2+) e magnésio (Mg2+).

“Esse trabalho tem uma inovação metodológica, mas também traz uma importante contribuição no sentido de comprovar, de forma mais contundente, alguns processos que o próprio Francisco já havia demonstrado em estudos anteriores. A partir do momento em que a ciência conhece o processo, é possível criar condições para que ele aconteça, abrindo uma avenida de possibilidades para pensar daqui para a frente”, avalia o professor da Esalq Tiago Osório Ferreira, autor correspondente do artigo e que foi orientador de Ruiz durante o doutorado.

Pesquisa publicada no ano passado e também assinada por Ruiz, Rumpel e Ferreira demonstrava que Tecnossolo construído a partir de resíduos de minas era capaz de sequestrar carbono, com potencial de capturar até 1 gigatonelada de CO2 equivalente.

Reservatório de carbono

O solo é um dos quatro grandes reservatórios de carbono do planeta, juntamente com a atmosfera, os oceanos e a vegetação. No entanto, em estado de degradação, pode liberar CO2, como acontece com as florestas.

Divulgado no ano passado, levantamento do MapBiomas concluiu que o Brasil estoca no solo o equivalente a 70 anos de emissões de CO2 do país. Do total de 37 gigatoneladas de carbono orgânico do solo (COS) existentes no Brasil em 2021, quase dois terços (63%) estavam em área sob cobertura nativa estável (23,4 Gt COS), principalmente na Amazônia.

Segundo Ferreira, o novo processo metodológico desenvolvido está sendo agora replicado em outros objetos de estudo, abrindo assim novas linhas de pesquisa.

*Este conteúdo está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). ODS 12 – Produção e Consumo Responsáveis

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